Sobre aumento e gratuidades: Tarifa Zero e passe estudantil são coisas muito diferentes
Desde meados de novembro circulam rumores sobre uma nova tentativa de aumento na tarifa de ônibus na cidade, que poderia chegar a R$ 3,50. Há poucos dias, a imprensa divulgou que o aumento poderia ser aplicado só no pagamento em dinheiro e que viria acompanhado de um “pacote de bondades”, incluindo uma “tarifa zero” para estudantes de baixa renda. Na calada da noite desta quinta (18), a Câmara Municipal aprovou um projeto de lei que prevê essa “tarifa zero”, mas sem especificar do que se trata, quem será considerado de baixa renda e quais as burocracias que estudantes terão de enfrentar para ter o benefício. Sem dúvidas essa medida é mais um resultado da luta da população da cidade, que tomou as ruas em junho de 2013. Mas é insuficiente.
As declarações de Haddad sugerem que essa “tarifa zero” para estudantes de baixa renda será, na verdade, um passe livre estudantil, com número de viagens limitado ao trajeto casa-escola-casa. O próprio prefeito declarou que pagar para ir à escola “colide” com o princípio de que a educação deve ser pública – por isso mesmo não faz sentido restringir a um grupo o direito de todas e todos a um transporte público de verdade. Isso é transformar esse direito em mais um benefício, concedido pelo governo com critérios ainda muito vagos.
E, como ex-ministro da educação, o prefeito sabe que ela não se limita à experiência escolar. Educação também significa ir a espaços culturais, conhecer bairros diferentes dos nossos e, fundamentalmente, experimentar a liberdade e a responsabilidade de poder ir para onde quisermos. Para ser “tarifa zero”, esse passe estudantil terá que ser irrestrito, para quantas viagens se fizerem necessárias.
Mais do que isso: assim como a cobrança de tarifa no transporte colide com a noção de educação pública de verdade, ela colide também com a saúde pública, a cultura para todos, com parques públicos, com uma cidade que exista para quem a constrói todos os dias. Afinal, uma cidade só existe para quem pode se movimentar por ela.
Um novo aumento irá excluir ainda mais gente do transporte coletivo – e da cidade. E não é porque um trabalhador recebe vale-transporte que ele não sentirá o impacto: o aumento restringe ainda mais a sua mobilidade à ida e vinda do trabalho e fecha as portas da cidade para qualquer outra atividade. Mas na visão dos patrões, que se supõem donos da cidade, bem representada pelas declarações do prefeito, ninguém tem que sair da periferia se não for para trabalhar ou, se tiver dinheiro, para consumir.
Se a tarifa aumentar apenas para os pagamentos em dinheiro, o que vai acontecer quando o Bilhete Único estiver “sem sistema”? Teremos que pagar a tarifa mais cara, com aumento? Ou o governo nos garante que, havendo queda de sistema, as catracas serão liberadas? O aumento da tarifa em dinheiro é o aumento da exclusão das pessoas mais pobres, aquelas que não conseguem arcar com os custos e a burocracia de comprar o Bilhete e mantê-lo carregado. São elas que pagariam a tarifa mais cara em dinheiro?
Os jornais afirmam, com a maior naturalidade, que o aumento irá acompanhar a inflação do período. Mas um direito pode ser medido pela inflação? Se os custos de operação do transporte acompanham a inflação, isso não significa que o preço da passagem tenha que fazer o mesmo. Esses custos não podem depender da cobrança de uma tarifa para quem usa o transporte coletivo. É injusto cobrar mais de quem usa mais se os ônibus, o metrô e os trens são fundamentais para toda a cidade funcionar: sem eles, como ficaria o trânsito? Como os trabalhadores chegariam no trabalho, do qual toda a sociedade depende?
Transporte não é mercadoria. E seu custo tem que ser pago pelo conjunto da sociedade de forma progressiva. Quem tem mais dinheiro deve pagar mais, quem tem menos pagar menos e quem não tem dinheiro não pagar nada.
E não precisamos perguntar de onde viria o dinheiro para uma eventual Tarifa Zero, porque essa é, antes de tudo, uma decisão política. Se o prefeito acredita que, com o vale-transporte, o subsídio pago pela prefeitura para manter a tarifa se torna um “subsídio para os empregadores”, porque não cobrar uma parte dos custos do transporte diretamente dos patrões (e sem os 6% descontados do salário)? As soluções técnicas virão e poderão ser debatidas assim que a Prefeitura tiver a coragem de tomar uma decisão política.
A auditoria internacional contratada pelo governo municipal demonstrou o que todo mundo que anda de ônibus já sabia: as empresas do transporte, controladas por umas poucas famílias, lucram milhões em cima do sofrimento da população. Faltam itens obrigatórios nos ônibus, empresários recebem por viagens não realizadas, os preços são superfaturados, os ônibus são mais velhos do que o permitido, a lotação é acima da recomendada… Segundo a SP Trans, acabar com as fraudes da máfia dos transportes e reduzir seu lucro exorbitante (que em alguns casos passa dos 50%), entre outras medidas, seria suficiente para manter o preço da tarifa – ou até reduzi-lo. E não custa lembrar dos custos do próprio sistema de cobrança de tarifa: boa parte do que pagamos serve apenas para sustentar a existência dos cartões e das catracas, com toda a burocracia falha de cadastro e os postos de venda. Além disso, a notícia do corte de custos através da redução de funcionários nos ônibus não pode transformar-se em mais desemprego – desde o começo do ano mais de 600 trabalhadores foram demitidos. Esperamos que caso seja efetivada tal medida, todas as medidas de segurança no tráfego dos ônibus estejam plenamente garantidas, e os funcionários sejam relocados em funções melhores ou equivalentes dentro dos serviços do transporte municipal.
Talvez a Prefeitura imagine que o passe livre para estudantes de baixa renda sirva para desmobilizar a luta. Então se engana. A luta por transporte não se restringe a uma ou outra categoria: ela é de toda população trabalhadora da cidade, que depende da condução para viver e enfrenta diariamente a humilhação coletiva nos ônibus e trens. Essa nova medida é mais um resultado da pressão da luta, como foi a própria revogação dos 20 centavos, a expansão das faixas de ônibus muito além do planejado e a auditoria do lucro das empresas. Mas ainda não se chegou ao fundamental: enquanto o transporte continuar sendo tratado como mercadoria e enquanto houver tarifa e aumentos, haverá luta da população, se organizando e resistindo em cada canto da cidade!
Não aceitaremos nenhum centavo a mais; agora é de R$ 3 para baixo, até zerar!
A luta segue até tarifa zero para todas e todos!
Contra qualquer aumento!
POR UMA VIDA SEM CATRACAS!
Movimento Passe Livre – São Paulo (MPL-SP)
19 de dezembro de 2014