Também por meio da poesia o peronismo tentou negar o conflito entre direita e esquerda e impor uma “terceira via” na qual classe trabalhadora se conjugasse com nacionalismo e aparelho de Estado. Por Poeta em Buenos Aires

Ruben Darío em 1915
Ruben Darío em 1915

“Oh, captain! Oh, my captain!”, clamava Whitman.
Oh, grande Capitão de um mundo
novo e radiante, o quê diria eu
senão “meu General!”, em um grito profundo,
que fizesse estremecer os raios do dia!

Grande Capitão de aço e ouro,
grande General que amaste na ação e no sonho
da Psique o decoro,
o único tesouro,
que em Deus agiganta o átomo deste pequeno mundo.

(Ode a Mitre I)

 

O grito estremecedor de ¡mi General!, dado em 1906 pelo poeta nicaraguense Ruben Darío ecoou por muitas décadas pelos pampas rioplatenses. Ganhou a boca dos muchachos peronistas durante a década de 40, quando dos feitos deste grande argentino que soube conquistar a grande massa do povo combatendo o capital: Juán Domingo Perón.

 

Bartolomé Mitre, a quem Darío dedicou seu poema Ode a Mitre
Bartolomé Mitre, ex-Presidente da Argentina (1862-1868) a quem Darío dedicou seu poema “Ode a Mitre”.

 


 

Esta série de traduções de poemas peronistas tem como intuito principal aproximar do público uma outra fonte para a compreensão deste fenômeno social e político que até hoje marca profundamente a Argentina. Este site conta já com uma excelente análise histórica e política do peronismo, por mãos do estudioso do(s) fascismo(s) João Bernardo [1]. Estas traduções se propõem como contribuição na medida em que abrem ao leitor uma expressão poética deste fenômeno, pois uma tal expressão joga luzes sobre a retórica e as figuras utilizadas pelo peronismo no seu intuito de negar o conflito entre direita e esquerda e impor uma “terceira via” na qual classe trabalhadora se conjuga com nacionalismo e aparelho de Estado. A necessidade de se enfrentar os projetos contemporâneos de captura das organizações autônomas dos trabalhadores convida ao exame histórico dos momentos “mal resolvidos” que ainda encontram ecos sociais tanto na esquerda quanto na direita em diversos pontos do mapa, especialmente no continente latinoamericano.

Capa da primeira edição da Revista Mundo Peronista, julho de 1951
Capa da primeira edição da Revista Mundo Peronista, julho de 1951

Os poemas foram todos retirados do livro Poetas Depuestos – Antología de poetas peronistas de la primera hora (2011), organizado por Gito Minore, poeta de Buenos Aires. Segundo o organizador, esta publicação tenta recuperar parte da produção artística peronista que foi proscrita militarmente logo após o golpe de estado que expulsou Perón do pais. O decreto Nº 4.161 proibia a “utilização, com fins de afirmação ideológica peronista, das imagens, símbolos, signos, expressões significativas, doutrinas, artigos e obras artísticas”, e seguia, considerando “especialmente violatório desta disposição, a utilização de fotografia, retrato ou escultura dos funcionários peronistas depostos, os de seus parentes, as expressões ‘peronismo’, ‘peronista’, ‘justicialismo’ [2], ‘justicialista’, ‘terceira posição’, a abreviação ‘P.P.’ e as datas exaltadas pelo regime deposto”.

A principal fonte da antologia, segundo seu organizador, foi a revista “Mundo Peronista”, editada entre 1951 e 1955 [3]. O autor também salienta a estreita relação entre Eva Perón e a poesia durante esta mesma época, quando ela então organizava as Peñas [Sarais] Eva Perón, nas quais os poetas tinham a oportunidade de recitar suas obras em presença de sua mais adorada musa. A antologia conta com com versos de ilustres desconhecidos, poetas que depois se tornariam famosos escritores, como Leopoldo Marechal, e pseudônimos como “Descamisado” e “J.I.”.

 


 

A consigna
(Elio Calamante)

Na pátria de Perón
quem não trabalha atrapalha,
e atenta contra a batalha
da recuperação…
Para o bem da Nação
e de seu próprio lar,
você deve trabalhar
honesta e conscientemente.
O folgado é um ente
a quem se deve repudiar!

A consigna é produzir,
produzir é a consigna,
que abandone a Argentina
quem não a quiser cumprir;
que outros hão de vir
com sacrossanta unção
a trabalhar com tesão,
em nosso solo fecundo,
oásis no qual o mundo
encontrará sua redenção!

Na pátria de Perón,
de Perón e de Evita,
a miséria foi proscrita,
já não existe esse opróbrio.
Graças ao General Perón
o povo trabalhador
vive muito melhor
hoje que na pátria minha
há uma Secretaria
de Trabalho e Previsão.

A consigna é produzir,
produzir é a consigna,
se você ama a Argentina,
a consigna ha de cumprir…
E se “melhor que dizer”
Perón disse: “é fazer”
e melhor que “Prometer”
sabemos que é “realizar”
trabalhemos sem cessar
pela pátria, Eva e ele.

 ♣ ♣ ♣ ♣ ♣

Ressurreição
(Alfonso Depascale)

“Oh Lázaro, levanta-te e anda!” – disse Cristo
apiadado do morto que em sua tumba jazia;
e levantou-se o morto, e caminhando foi visto
pela turba que o grande Taumaturgo aplaudia.

Sepulto em sua pobreza, de tudo desprovido,
escravo de uma infesta, nefasta oligarquia,
o argentino povo, com seus amos malquistos,
como um chagado Lázaro, impotente, sofria.

Perón se ergueu como um novo redentor sobre-humano,
e ao seu povo estendendo a prodigiosa mão,
“Levanta-te – lhe disse -, já não sois penitentes!”

e levantou-se o povo, nascendo a nova vida,
e, vislumbrando certa a felicidade prometida,
seguiu, cantando, ao “Líder”, e rompeu suas correntes.

 

Notas:

[1]  http:passapalavra.info/2013/03/73791

[2] – Referente ao Partido Justicialista, o partido oficial do peronismo. Ver o artigo de João Bernardo acima citado.

[3] – Os 91 números da revista podem ser encontrados online aqui, publicação que se apresentava como “Órgão de difusão popular da Escola Superior Peronista”. A título de curiosidade, recomendamos ao leitor folhear a número 21, de março de 1952, onde na seção de estatísticas oficiais é comparado o poder aquisitivo de um trabalhador em Buenos Aires e um em Moscou.

Captura de tela 2015-01-19 22.04.02

A imagem acima foi retirada das ilustrações ao livro Canto a la Argentina, de Ruben Darío, edição de 1918.

6 COMENTÁRIOS

  1. Ótima contribuição, Poeta.
    Estamos (me, myself & I – rsrs) aguardando: (2),(3)…

    ¡Dale nomás! ¡Dale que va!’

  2. alias, vi agora que o artigo inteiro está sem os hiperlinks originais, como na nota 3!
    Peço encarecidamente ao coletivo que arrumem os links! obrigado

  3. https://www.youtube.com/watch?v=TrW28n6Ziig

    EL NEGRO SABINO
    recitado:

    Perseguido durante días y días
    por las fuerzas represivas.
    Acorralado en tierras de Alta Gracia
    por cientos de buitres,
    que siguen sus huellas,
    se resiste y se desangra
    el negro Sabino Navarro,
    peronista y combatiente montonero.
    Apretá los dientes, negro,
    pero no muerte, andarás diciendo
    en el final.
    A cuerpo y bala te vas confundiendo
    con el cielo de tu patria.
    ¡Vamos comandante!
    ¡Hasta la victoria!
    recitado:

    Los engañamos hermano; ellos
    que te buscaron como perros expertos,
    que siguieron tus huellas una semana,
    ellos creen que has muerto
    porque encontraron tu cuerpo
    esta mañana.
    cantado:

    No saben que lo dejaste,
    porque estabas cansado,
    remendado, hecho añicos.
    Además habías crecido
    y te quedaba chico,
    y te quedaba chico.
    recitado:

    Hemos salido a buscarte,
    recogiéndote con cariño
    en pedazos de coraje que quedaron.
    cantado:

    En las espinas del monte,
    sobre las piedras blancas
    de tu sonrisa de niño.
    En los tristes silencios
    de hombre.

    Seguro que andabas borracho
    de macho coraje:
    Montonero.

    Seguro que andabas borracho
    de macho coraje:
    Montonero.

    Porque hemos hallado
    tus armas compañero
    te sentimos con nosotros,
    repartido pero entero.

    Los engañamos Sabino
    ellos creen que te tienen
    y solo guardan tu cuerpo,
    sin las manos.

    Que siguen armadas
    en brazos de mi pueblo
    Montonero.

    Que siguen armadas
    en brazos de mi pueblo
    Montonero.

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