A conversa era sobre a construção do importante movimento de luta pela moradia naquela capital do Centro-Oeste brasileiro. Na argumentação, o militante afirmava que o movimento era autônomo e independente de partidos e do Estado. No panfleto distribuído havia a proposta de discutir formas de inclusão no programa habitacional do Governo Federal e a realização de um pré-cadastro. A convocação para a reunião tinha a seguinte chamada: “Minha Casa, Minha Vida: só sai com luta!” Passa Palavra

13 COMENTÁRIOS

  1. Do capa preta ao chapa branca, a distância – se é que existe – é menor do que um salto de pulga.

  2. O fato de ser autônomo e independente significa que o movimento não pode se aproveitar de um programa estatal de moradia? Então também é melhor largar mão da tarifa zero em frotas estatais – afinal, autônomo que é autônomo não pode aceitar nada conspurcado pelo Estado, né?

  3. O argumento de Tiago Reis é simplista, mas como encontra eco dentre a militância, merece resposta.
    Em primeiro lugar, é pura ingenuidade pensar que no âmbito da luta de classes e da relação entre os movimentos sociais e o Estado pode haver um unilateral “aproveitar de um programa estatal de moradia”. Não é preciso falar das contrapartidas econômicas, tratadas em acordos às portas fechadas, e nem é preciso fazer coro com os coxinhas e apontar a questão da corrupção e desvio de verbas. Basta olhar para o âmbito político em estrito senso para ver as contrapartidas sendo dadas. Poderia-se citar exemplos até estourar o limite de caracteres desse comentário, por isso me limito a lembrar o mais recente e gritante caso: o do apoio dado pelo MTST de Taboão da Serra à Frente de Esquerda do PT. Tal apoio não consistiu apenas na propaganda de Lula junto a Boulos em cenas de irmandade fraternas, mas se estendeu e tende a se estender mais, se a análise do Passa Palavra estiver correta, para o âmbito de lutas aqui e acolá cuja função é enfraquecer e apagar outras lutas aqui e acolá. O exemplo que penso aqui é dos atos paralelos feitos pelo MTST, em contra dos atos do MPL e outros coletivos que apoiam a luta autônoma pela tarifa zero. Na certa os militantes do MTST pensam que as moradias em Taboão foram um “aproveitar de um programa estatal de moradia”, em suma, uma vitória conquistada na luta. Houve luta, e houve vitória, mas as moradias só foram concedidas do modo que foram porque eram de interesse tanto do capital quanto do governo.
    No mais, a luta pela tarifa zero ainda não chegou no momento de discussão e decisão a respeito do modo como se dará a tarifa zero, o que envolve diretamente a questão do modo como será oferecido o serviço, e por quem. Se o transporte será ou não estatizado, pode vir a se tornar uma questão mínima frente à questão de que tipo de estatização e que tipo de relações de trabalho constituirão o transporte público plenamente gratuito. Os motoristas e ajudantes (antiga função de cobrador, convertida em função de ajudante para vigiar se as portas já podem se fechar, ajuda a deficientes físicos etc) serão remunerados de que modo e por quem? Como será o regime de trabalho? A autogestão popular do trasporte gratuito poderá então até ter alguma faceta de “estatização”, como por exemplo ser o Estado o responsável pelo fornecimento e manutenção das frotas de ônibus, etc., o que importa é que há modos e modos de “se aproveitar” do Estado, e a via de adoção acrítica dos programas criados e disponibilizados pelo Estado, com vistas ao apassivamento da classe, certamente não é nem nunca será uma alternativa interessante para a esquerda anticapitalista crítica.
    É madrugada, estou cansado depois das lutas de hoje, e certamente me esqueci e também não conheço outros elementos importantes a lembrar numa resposta à questão posta pelo Tiago Reis. Quem lembrar de algum, comente. Dei uma primeira versão, e reitero que é importante rebater esse tipo de argumento, que só faz crescer as fileiras da esquerda governista.

  4. “…o movimento não pode se aproveitar de um programa estatal de moradia?”
    Desde que aparelhado & cooptado, sim. Pode e deve.
    Aliás, só existe para que os c(h)apas se aproveitem…

  5. Eu acho que o que o Tiago Reis escreve é correto mas não é muito válido para o que está escrito nesse flagrante delito.

    Quando o movimento se organiza de início e já na forma dada por um programa do governo, a luta já nasce enquadrada e limitada.
    Mas eu não vou julgar o que cada um enxerga como viável, como possibilidade de conquista concreta, com o que considera fator de mobilização etc.

  6. Pensando no que diz Leo, seria como se o MPL em SP lutasse por algo como: “Passe-Livre estudantil proposto pela Prefeitura: só sai com luta”.
    O pior é que a vitória assim se entrega de bandeja para os governos, botando os movimentos para escanteio com grande facilidade. Basta ver a quantidade de pessoas da esquerda que hoje considera o “vale-transporte-estudantil” do Haddad como um grande benefício que o prefeito gourmet deu à população, e não como resultado de lutas.

    Como convencer as bases de que a luta quem está fazendo é o próprio movimento, quando este movimento é responsável apenas por uma parte da “mobilização”, sendo o Governo o garantidor dos resultados? É com a maior facilidade que vão acreditar que quem “fez acontecer” é o Governo atual, e a pergunta que se deve fazer é: quão preocupados com isso estão os dirigentes? (por isso a foto de Lula entregando as chaves com Boulos é tão preocupante. Ninguém está falando que a forma de se trabalhar com as bases deva passar por fazer a crítica personalista do Lula, mas disso a tê-lo numa tal ocasião é uma longa distância).

  7. Reforma agrária não é nem um programa de governo, é um programa de Estado.
    Ela só sai com luta.
    Na Constituição está prevista a função social da propriedade. As desapropriações de latifundios improdutivos estão previstas na lei. Mas só sai com luta. Não acho que por isso os sem-terra que conquistaram se organizando e ocupando e enfrentando achem no final que foi obra do Estado, ou de um governo, muito pelo contrário.
    Acho que para quem não está na luta, diante do senso comum e da propaganda, é que pode parecer que “quem fez acontecer” foi um “governo atual”.

  8. Se alguém for deixar de lutar por receio de que as lutas sejam transformadas em “bonus do Estado”, ou por receio de que os capitalistas recuperem e transformem nossas conquistas em maior produtividade, seria melhor ficar em casa – e ver se descobre, por outros caminhos, qual é a contradição fundamental impossível de ser recuperada na extorsão dos trabalhadores.

    O caminho das lutas e suas conquistas parciais me parece muito mais forte e proveitoso socialmente. Sem trabalhadores com experiência e tradição de lutas (inconclusas), as teorias críticas só servirão para alimentar o lado esquerdo do Estado e seus gestores.

    E deve fazer toda a diferença esse posicionamento “subjetivo” firme em relação às conquistas, compreender seu caráter incompleto, parcial, por não implicarem na implosão ou esgarçamento da divisão da sociedade em classes. Fora disso, haverá a velha “competição” de sistemas, de versões mais ou menos tímidas de acumulação de capital.

  9. Em primeiro lugar, agradeço pelas críticas. O comentário do Pablo, em particular, me faz voltar atrás no ponto que eu havia levantado sobre tarifa zero e estatização: ele explica de maneira irrefutável que ainda não é possível, concretamente, antecipar esse debate. Por outro lado, é precisamente esse comentário do Pablo que sustenta o meu outro ponto: o debate sobre a forma pela qual os movimentos de luta por moradia, MTST em especial, podem ou devem se relacionar com programas já existentes do Estado é plenamente possível e necessário neste instante, pois há condições materiais para que ele se estabeleça. E eu continuo achando que é possível sim “se aproveitar” de um programa de moradia sem perder a autonomia, sem virar “pelego” ou qualquer outra coisa. Se o MTST tem derrapado nessa direção, isso está longe de demonstrar que é impossível se aproveitar do Estado sem perder a autonomia. Talvez eu possa lembrar a todo mundo aqui do famoso debate entre Castoriadis e Pannekoek, bastante divulgado ultimamente aqui no Brasil, em torno do problema da “burocratização”, o fantasma que na verdade paira sobre a nossa discussão. Como Castoriadis demonstra – e parece que esse ponto crucial é esquecido por muitos de seus comentadores -, a questão da autonomia não radica em uma impossível (enquanto o Estado existir) organização que se recusa completamente a se aproveitar de modo oportunista do Estado; a raiz da autonomia não está na recusa a negociar com a burocracia, quando for oportuno, mas sim na recusa a burocratizar as relações de um movimento com sua base. Que o MTST corre seriamente esse risco eu não duvido, mas o ponto é justamente esse: o pecado “desautonomizador” desse movimento não está em sua relação com o Estado, mas nas suas práticas internas. Esse é o verdadeiro “delito”, e não a absolutamente falsa contradição entre se dizer autônomo e falar que o tal programa Minha Casa, Minha Vida “só sai com luta”. E aqui aproveito para discordar do Lucas: falar isso não tem nada a ver com esse hipotético “Passe livre estudantil da Prefeitura só sai com luta”, simplesmente porque o sentido do bordão do MTST é oposto: eles estão dizendo que, para conseguir alguma coisa nesse programa já existente, só com luta – ou seja, para se aproveitar do Estado, só com luta. Enfim, o meu problema é só esse: é uma imensa bobagem achar que a autonomia está ameaçada ao negociar com o Estado, ou, como coloquei, ao “se aproveitar” dele; o que ameaça a autonomia é a incorporação das práticas burocráticas em suas relações com a base.

  10. talvez a questão das consignas seja superficial, talvez não. Mas eu vejo uma diferença categórica entre “Moradia só sai com luta” e “MCMV só sai com luta”.

    Assim como “Terra só com luta” e “Reforma agrária só com luta”.
    Minha ênfase é na questão de se aceitar sempre os termos do Estado ou constituir movimentos sociais que possam colocar horizontes que não cabem no Estado, pois nessa tensão já estão colocados os dilemas entre um movimento que serve apenas de motor para os planos de governo ou um movimento que indica
    novos horizontes sociais no plano ideológico.
    Por isso a questão das bases é importante, um sem-teto de um movimento “autônomo” pode ver o governo assinando o título de posse dele e no final pensar “que bom que o governo finalmente me ouviu, finalmente o Estado fez o que era justo!”, outra coisa diferente é construir uma luta onde o Estado não é um aliado para um fim material, mas sim um obstáculo, independente de negociações (afinal, a negociação é um instrumento da guerra e da competição. O que merece atenção é quando o inimigo se aproxima demasiado, vestindo-se de amigo).

    Quanto ao “fazer acontecer” do governo atual, acho que esse artigo merece ser lido pelo Leo:
    http://www.viomundo.com.br/politica/depois-de-uma-vida-em-favelas-marcia-belarmina-tera-casa-propria-bem-ao-lado-do-itaquerao-dilma-eu-te-amo.html

    (não estou aqui tocando no tema da burocratização. O fato do programa ser existente ou não pouco importa: novos programas de governo podem surgir num piscar de olhos para satisfazer as necessidades dos interesses em jogo. Mas em termos gerais concordo com a forma como o Tiago Reis pensa a burocratização em sua relação com as práticas internas dos movimentos)

  11. Essa noção de burocratização expressa pelo Tiago Reis me parece demasiado ingênua: é como se o risco de burocratização de um movimento estivesse associado unicamente à sua dinâmica interna. Contudo, não é o que se verifica, pois a relação de qualquer movimento com o Estado (Restrito ou Amplo) é igualmente relevante. Um movimento tem tudo para se burocratizar, se o seu objetivo se restringe a estabelecer um canal de negociações com os gestores (de instituições públicas ou privadas), mesmo porque a principal condição para o início e para a manutenção das conversações é sempre que as transações sejam conduzidas a portas fechadas e com porta-vozes e representantes do movimento, os quais, por sua vez, encontram condições favoráveis para se afirmarem então como burocratas e novos gestores. A relação dos movimentos com burocratas sempre contribui para a perda da autonomia, se os movimentos aceitam as exigências impostas pelos burocratas para o início e para a manutenção das conversações. Nesse sentido, não basta combater a burocratização no interior dos movimentos. É preciso ainda que eles sejam capazes de ditar as condições para o início e para a manutenção das conversações, o que significa que o modo como as negociações são conduzidas deve ser também problematizado.

  12. Recebemos, dos companheiros do CRO (Coletivo Rede Operária) de Bolonha, em 19/02/01, o texto abaixo.

    O que entendemos por AUTONOMIA PROLETÁRIA

    A conquista da própria autonomia de classe é um processo histórico através do qual o proletariado se torna consciente de sua condição e dos meios adequados para superá-la.

    Pontos que este processo deve enfrentar para atingir seu objetivo, evitando uma vazia repetição de princípios e sem percorrer as vias que já levaram o proletariado à derrota:

    recusa da submissão às leis da economia que o capital apresenta como naturais. Na prática, recusa do produtivismo e da ideologia da hierarquia do trabalho.

    organização da violência proletária como ilegalidade e antiinstitucionalidade, capaz de se contrapor à violência estatal, na defesa da classe. Entenda-se isto não como formação do braço armado proletário, mas como autogestão das lutas pelos próprios proletários.

    crítica e superação das concepções hierárquicas e autoritárias, seja no plano social ou individual (moralismo, repressão etc.), e das submissões funcionais dos proletários à ideologia da classe dominante. Tudo isso, construindo momentos de organização que, negando a divisão em funções dirigentes e executantes, comece a unificar a atividade material e intelectual, hoje na própria organização, amanhã em todo o complexo da vida social.

    Estes pontos, mesmo que na prática cotidiana e na análise teórica possam aparecer como separados, na realidade são articulações do mesmo movimento do capital e do proletariado.

    Mas, no radicalizar-se da luta de classes, o capital mostra sua verdadeira natureza de poder que expropria os proletários de sua vida e aparece também a necessidade histórica, para o proletariado autonomamente organizado, de negar as divisões do capital e de responder com um projeto global.

    Proletários Comunistas
    [email protected] .

    Biblioteca virtual revolucionária
    http://www.reocities.com/autonomiabvr/

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here