A greve já dura quinze dias, sem nenhum sinal de fim próximo. Os servidores da saúde seguem mobilizados, o apoio popular cresce a cada dia e o governo local ainda não aceitou sequer receber a pauta de reivindicações. Por Passa Palavra
Matinhos é um pequeno município do litoral do estado do Paraná que pela primeira vez em sua história assiste a uma greve no funcionalismo público. Este é um dos assuntos de destaque quando se fala da greve dos servidores da saúde. É comum tanto nas falas dos mais novos moradores como dos mais velhos que isso que está acontecendo agora nunca antes aconteceu por aqui, tanto no serviço público como no privado; exceto pelas greves dos trabalhadores da Universidade Federal do Paraná, que no município tem um setor em funcionamento há dez anos.
Os servidores da saúde entram para a história de um município que registra uma ocupação que já não é mais a dos Povos dos Sambaquis e nem a dos índios Carijós há quase um século, e assim fazem de um jeito bem particular. Entre os dias 23 de janeiro e 13 de fevereiro deste ano esses trabalhadores realizaram duas paralisações que não trouxeram nenhum resultado positivo. No dia 14 deste mês entraram em greve com adesão de quase 100% da categoria dos técnicos de enfermagem e de cerca de 30% da dos enfermeiros. Tomaram essa decisão somente com as forças que uniram graças à solidariedade de uns com os outros, pois o sindicato dos servidores municipais há tempos foi cooptado pelo governo local que deu um cargo comissionado para sua presidente. Resultado: o sindicato é totalmente contrário a greve.
Já tem cerca de quinze dias que a greve se arrasta sem nenhum sinal de que o seu fim está próximo. Isso porque os grevistas seguem mobilizados, o apoio popular à greve cresce a cada dia e o governo local ainda não aceitou receber publicamente a pauta de reivindicações e nem abriu negociação com os grevistas. Os trabalhadores mobilizados estão garantindo um acampamento permanente em frente ao único hospital da cidade. Ali fica o maior símbolo vivo da força daqueles trabalhadores e o melhor lugar até agora para dialogar com a população local sobre as condições de trabalho, os salários recebidos e a realidade do serviço de saúde no município. Até hoje não houve uma única hora nesses quinze dias em que ali não estivesse pelo menos dois trabalhadores, às vezes o número chega a dez, mostrando a disposição do movimento em levar à população suas experiências de trabalho, seus problemas com os baixos salários, com o assédio moral que as chefias cometem contra os grevistas, com as perseguições que sofrem nos locais de trabalhos, mostrando inclusive que estão resistindo às transferências de postos de trabalho impostas como retaliação aos grevistas pelas chefias que querem desarticular a greve e o acampamento; e mostrando também suas visões sobre o que é e o que pode ser os serviços de saúde em um município com cerca de 30 mil habitantes, que para este ano tem um orçamento da ordem de cerca de R$ 130 milhões de reais.
Também é muito comum neste acampamento – de uma única barraca, duas camas improvisadas e cerca de uma dúzia de cadeiras e bancos – a concentração de apoiadores da greve, tanto daqueles que somente por lá passam para saber do seu andamento e deixar sua palavra de apoio, como dos que ajudam a pensar os próximos passos da mobilização. Tem também aqueles que levam doações de vários tipos: bebidas, comidas, faixas e dinheiro para o fundo de greve. Sem dúvida aquele é um espaço rico em discussões e solidariedades várias. Ali é um lugar onde facilmente se ouve grevistas e apoiadores afirmando que irão até a vitória com esta luta. Não importando se o governo local ou seus apoiadores venham a usar da ameaça de morte ou do assassinato de um ou outro grevista ou apoiador. Isso porque ameaça de morte a um apoiador da greve já aconteceu em uma página de uma rede social por uma moradora da cidade que é contrária à greve.
Hoje o salário de um técnico em enfermagem em Matinhos é de R$781. Há um auxílio-alimentação de R$ 200 reais e uma gratificação de R$300 para aqueles que não faltarem ao trabalho em nenhum dia do mês ou não apresentarem atestado médico que ultrapasse três dias de falta no mês. Uma das coisas mais importantes para os grevistas, hoje, é a incorporação desses R$500 ao salário dos técnicos e dos enfermeiros. Isso seria uma conquista que muito provavelmente levaria ao fim da greve.
Até o momento, o mais próximo que esses grevistas chegaram do governo local foi em uma reunião na Câmara de Vereadores na última terça-feira, 24 de fevereiro, onde quatro vereadores da situação e o único vereador da oposição receberam uma comissão de trabalhadores em greve, alguns apoiadores, curiosos e algumas pessoas da imprensa local. Todos eles se mostraram surpresos com as denúncias que os trabalhadores fizeram acerca das condições físicas do hospital, com a realidade dos serviços de saúde prestados na instituição e nos postos de saúde, com as condições de trabalho e salários dos servidores da saúde, e com o fato de que nos últimos dez anos o salário dos técnicos em enfermagem ter sido defasado em cerca de um salário mínimo e meio. Todos da situação falaram que levariam até ao prefeito a pauta de reivindicações. Alguns chegaram a dizer que apoiam a greve, como também houve aqueles que disseram que muito provavelmente o prefeito em breve dirá aos grevistas que não há dinheiro em caixa para incorporar aos salários das categorias os R$ 500. Alguns chegaram a afirmar que não conheciam nada daquilo que estava sendo dito e nem sabiam que o movimento tem uma extensa pauta de reivindicações.
É claro que para a maioria daqueles que assistiram a reunião isso pareceu um grande teatro. Aqui neste município tão pequeno, em que os moradores, vira e mexe, acabam tendo que recorrer aos postos de saúde ou ao único hospital (isso até mesmo com aqueles que têm algum plano privado de saúde), todo mundo sabe das precariedades físicas desses locais, onde, por exemplo, não há as mínimas condições de acessibilidade para cadeirantes e outros deficientes físicos, e todo mundo também sabe da falta de médicos e demais profissionais de todas as áreas, da falta de serviços médicos especializados e de novos equipamentos e manutenção de equipamentos que estão quebrados e parados. Como também a cidade toda há uns bons dias sabe que os servidores da saúde estão em greve porque não aguentam mais um salário de fome. Diga-se de passagem, os técnicos e os enfermeiros de Matinhos recebem os salários mais baixos entre os sete municípios do litoral do estado. Isso em uma cidade que tem o segundo maior orçamento dentre estes sete municípios. Aqui na região, municípios com orçamentos muito menores, como é o caso de Guaraqueçaba, paga melhor do que Matinhos. Dinheiro não falta. O que falta é vontade do governo local em incorporar esses R$ 500 ao salário desses servidores. Ou, por outro lado, pode-se dizer ainda que o que falta mesmo é pressão popular que não dê outra alternativa para o governo local senão atender pelo menos a reivindicação salarial dos grevistas, nem que para isso ele tenha que mexer e reduzir o quadro de cargos comissionados do município, que chega perto de 130 postos.
Agora, se esse apoio que a população local vem dando aos grevistas não se restringir somente ao apoio à luta por melhores salários e a população tomar para si as reivindicações da melhoria dos espaços físicos dos postos de saúde e do hospital; pela abertura de serviços médicos especializados nessas unidades, para que não mais precisemos nos deslocar até a capital do estado; pela colocação de novos equipamentos nessas unidades e o conserto dos equipamentos que estão quebrados; e pela abertura de concurso com significativo número de vagas para todas as categorias da saúde, conforme realmente a população precisa, com salários bem melhores do que esses que estão sendo pagos, é bem provável que toda essa longa pauta de reivindicações seja arrancada por pressão popular. Mas isso ainda está longe de acontecer, pelo menos até o momento é visível que as forças acumuladas ainda não permitem aos trabalhadores da saúde e demais usuários do serviço público do setor que apoiam a greve arrancarem tudo isso do governo local. Veremos quantos braços e pernas realmente existem nessa luta na manifestação da próxima sexta-feira, dia 27, onde nos concentraremos em frente a Prefeitura para exigir que o governo local negocie imediatamente o valor dos salários dos técnicos de enfermagem e enfermeiros e se posicione sobre o restante das reivindicações.
Leia aqui o comunicado lançado pelos grevistas convocando a mobilização para o dia 27.
Nos últimos tempos o contexto paranaense é de tensão generalizada, especialmente no que diz respeito a funcionários públicos, mas está aí um exemplo de que nem cidades pequenas e médias escapam de ser palco de conflitos sociais. Quanto mais relatos como estes “furarem” o bloqueio da falta de instrumentos de comunicação de alcance mais amplo, mais as lutas ficam reforçadas por serem tiradas de seu isolamento. Parabéns pela divulgação!
Manolo,
Felizmente a luta por aqui continua e cresce. Cresce de uma forma que pode tirar inclusive a greve da enfermagem do isolamento em que ela se meteu quando os trabalhadores tiveram a coragem de construir a primeira greve da história de Matinhos sem o apoio do Sindicado dos Servidores Municipais daqui.
Toda essa coragem levou eles a construírem uma greve sozinhos. Porque até agora só a enfermagem está em greve. Só que a coisa toda está mudando, e muda em ritmo acelerado.
De sexta-feira passada até agora muita coisa mudou. Sexta passada foi o dia da nossa manifestação, onde grevistas e integrantes do Movimento dos Usuários da Saúde fizeram uma manifestação em frente à prefeitura. Nem o prefeito e nem ninguém da prefeitura recebeu os grevistas ou o Movimento dos Usuários. Mas no mesmo dia, às 20:00 horas, os grevistas foram surpreendidos com uma decisão judicial em que consta que o acampamento que existiu durante cerca de 15 dias em frente ao hospital da cidade era uma ilegalidade que precisava ser removida para que o movimento não tivesse que pagar uma multa diária de 5 mil reais. E assim o movimento grevista decidiu pela sua retirada. Só que o prefeito não queria só isso, ele queria colocar a greve na ilegalidade e isso o judiciário ainda não o fez. Ao contrário do que a gente imagina que ele queria com uma decisão judicial, que é enfraquecer a greve de qualquer jeito, o fim do acampamento não levou ninguém a voltar ao trabalho. E, mais que isso, outras categorias já estão se mobilizando, fazendo reuniões em vários lugares da cidade, para unificar as categorias e as pautas de reivindicações.
Parece que a decisão judicial encorajou mais ainda as outras categorias. Isso levou o prefeito novamente à sua rádio, que é a Rádio Ativa FM, uma rádio que nasceu pelas mãos da Associação dos Moradores do Bairro Tabuleiro, um dos bairros mais populosos da cidade e que concentra grande parte dos trabalhadores dessa cidade, mas que hoje está cooptada e refém dos interesses do prefeito, que é também o maior empresário da cidade. A Rádio Ativa está tão controlada pelo prefeito que nenhum grevista ou integrante do Movimento dos Usuários consegue espaço nela para falar. Hoje, segunda-feira, dia 02 de março, mais uma vez o prefeito usou a rádio para mentir para a população dizendo que a juíza da cidade, em seu despacho de sexta-feira passada, considerou que a greve da enfermagem é ilegal, numa clara tentativa de desarticular o movimento das outras categorias que já se reúnem em diversos lugares da cidade e preparam suas greves e a unificação das categorias.
Como se não bastasse as novas mentiras do prefeito na sua Rádio Ativa FM, isso porque ele já foi lá outra vez para dizer que é mentira dos técnicos em enfermagem que o salário deles é de R$ 781 reais, todas as faixas que levamos para o ato de sexta-feira passada e que foram colocadas no muro do hospital da cidade assim que terminamos a manifestação, desapareceram misteriosamente na madrugada dessa segunda-feira.
Mais do que isso, hoje, segunda-feira, dia 02/03, dois grevistas da enfermagem foram retirados do seu local de trabalho pela Guarda Municipal, quando garantiam que 30% do atendimento da Saúde fosse mantido. Se por um lado o prefeito insiste em não atender os grevistas ou o movimento de usuários do SUS que apoiam a greve, menti na Rádio Ativa FM e manda a Guarda Municipal retirar trabalhadores de dentro do Hospital Nossa Senhora Navegantes, por outro lado, outras categorias começam a mostrar a mobilização dos trabalhadores rumo à greve unificada dos servidores municipais. Ninguém mais acredita nas mentiras do prefeito, nem teme as ações da Guarda Municipal, nem lamentam que algumas faixas sumiram. Todo mundo está de olho nas reuniões dessas categorias que estão prometendo greve unificada com o lema GREVE EM MATINHOS – SOMOS UM SÓ!