Por Pablo Polese
Como um camponês que em noite fria
protege do vento a última vela que restou,
é tempo de ser luz só aqui dentro
e madrugar vermelho tal como o céu logo antes de azular um novo dia.
É tempo de preservar nossa luz e nos compreender com serenidade
em nossos calos, cicatrizes e cartas na manga.
Alimentar essa luz como quem se refresca em brisas
como quem degusta um tereré em dia quente
um chimarrão em dia frio
um pouco de Mozart
algo de Marylin Manson
até achar o tom.
É tempo de valorizar a paixão de quem insiste
o amor de quem cede
a plenitude do sorriso fácil
o choro sincero – por um motivo que vale.
Criança que somos ainda é tempo de se manter puro
nem que seja puro ódio, pura impureza.
Tempo de ser feijoada, a ortodoxia já Elvis.
Porque depois de tudo
depois de tanto transbordamento e descompasso rítmico
pureza por pureza ninguém nasceu pra ser besta
e criança também morde.
Ainda é tempo e sempre será
de ser riso e coração
mesmo se nos vemos atolados
no siso e na decepção.
Mas agora agorinha mesmo amanhã talvez depois daquilo tudo
é tempo de ser luz contida
taciturna, paciente e meio ressabiada
semente no solo seco desses dias sombrios.
Luz que ilumina e aquece
não como o Sol – indiferente em seu aquecer de longe tudo e todos
mas sim como aquela estrela
aquela
aquela ali
piscando fraquinha
ao lado daquela outra maior
aquela ali
de brilho esquisito
de brilho diferente
de brilho especial
que tá ali quietinha
cuja beleza só percebe
e cuja luz só recebe
quem olha com cuidado
e carinho.
Então talvez (e talvez basta)
há de se formar uma constelação inesperada.
As obras que ilustram o poema são de Van Gogh e Rob Gonsalves.
Em tempo de discussão contra/pela diminuição da maioridade penal é muito bom ler um texto como esse pra poder refletir o quanto o Estado tem culpa no cartório e o quanto a pureza de crianças pequenas e crescidas é afetada pelo veneno do mercado/estado. Pura indignação !