O CENTRO ANTIGO SANGRA! NÃO VAMOS ACEITAR VER O POVO NEGRO EXPULSO DE NOVO.
Salvador, 2 de julho de 2015
Neste 2 de julho, data em que se comemora a independência da Bahia, vamos às ruas mais uma vez, dando continuidade à tradição de luta e resistência popular do Centro Antigo de Salvador. Não aceitaremos as ações de expulsão, violência e racismo contra as populações que mantêm o centro como um território vivo e que garantem sua diversidade social e cultural.
Denunciamos o processo veloz de gentrificação no Centro Antigo, com a articulação perversa entre os poderes públicos e os interesses do setor imobiliário. Os atores chave deste processo são o IPHAN, na esfera federal; DIRCAS/CONDER e IPAC, na esfera estadual e SUCOM e SINDEC, na esfera municipal; empresas privadas como o grupo Odebrechet, Axxo Construções, Prima Empreendimentos, Construtora Massafera e Bahia Marina; e empreendimentos como o Cloc Marina Residence e Hotel Txai. São intervenções de alto impacto, definidas sem consulta à população, à revelia dos conselhos e das comunidades diretamente afetadas. São exemplos disso os decretos para fins de desapropriação lançados pela prefeitura e pelo governo do estado, que atingem profundamente essa região da cidade, sem explicações à sociedade sobre o destino dos imóveis e terrenos.
Em maio deste ano, esse processo de gentrificação racista e violento avançou mais alguns passos, o que ficou evidenciado na forma como a prefeitura e o IPHAN trataram a população, agindo de maneira oportunista, aproveitando o período de chuvas em Salvador, para “limpar a área”, após décadas de abandono e degradação do patrimônio histórico. Além de mortes por desabamento, assistimos com grande indignação, tentativas de intimidação e expulsão de pessoas que moram e trabalham há décadas em vários pontos do Centro Antigo, e a demolição de 31 imóveis, sem a apresentação de laudos técnicos.
Temos feito essas denúncias em diversas ocasiões, assim como temos tentado abrir canais de diálogo com os poderes públicos, sem qualquer resposta.
Diante destas e tantas outras violações do Direito à Cidade, reivindicamos:
Com relação ao Centro Antigo:
1. Participação efetiva das comunidades do Centro Antigo na execução e revisão do Plano de Reabilitação Participativo do Centro Antigo de Salvador;
2. Elaboração de um plano participativo para salvaguarda do patrimônio imaterial e material, que deverá contar com a participação de diversos segmentos sociais e que deverá garantir e priorizar a participação popular daqueles que moram, trabalham, usam e ocupam o Centro Antigo de Salvador;
3. Criação de linha de financiamento e subsídio de projeto de recuperação de imóveis históricos para a garantia da permanência da população pobre e negra no Centro Antigo, de modo a romper com a expulsão e segregação espacial e racial na cidade de Salvador;
4. Apresentação, pela prefeitura e pelo IPHAN, dos laudos que subsidiaram as 31 demolições no Centro Antigo e dos laudos dos imóveis que receberam notificações para desocupação imediata pelos seus moradores por risco de desabamento, a exemplo da Ladeira da Preguiça e Ladeira da Montanha;
5. Revogação dos decretos estaduais nº 14.865, nº 14.866, nº 14.867 e nº 14.868 de 11/12/13, e do decreto municipal nº 24.435 de 07/11/2013, que declaram imóveis de utilidade pública para fins de desapropriação no Centro Antigo de Salvador, que devem ser antecedidos por discussão prévia dos projetos para as áreas, garantindo a participação da população e a transparência das informações;
6. Suspensão da estruturação do Fundo de Investimento Imobiliário para o Centro Antigo de Salvador, em curso pelo governo do estado (voltado para o mercado de alto poder aquisitivo), para que este seja amplamente discutido com a população e para que seja incorporada a grande demanda por habitação de interesse social;
7. Realização de amplo debate e divulgação de informações e estudos sobre o Fundo de Investimento Imobiliário, os decretos com fins de desapropriação acima citados e os Projetos do PAC Cidades Históricas;
8. Ampliação de recursos do Programa Minha Casa Minha Vida para as modalidades de reforma e compra de imóveis usados e em áreas urbanas centrais;
9. Assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre os artífices dos Arcos da Ladeira da Conceição da Praia, o IPHAN e a prefeitura de Salvador para adequação do projeto às necessidades dos atuais ocupantes, garantia de sua permanência e participação no processo de elaboração e implementação do projeto.
10. Assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a Chácara Santo Antônio e a CONDER e delimitação da área de ocupação dos guardiões na encosta da Chácara;
11. Garantia da regularização fundiária de comunidades como Gamboa de Baixo e Solar do Unhão, com permanência das famílias nas próprias comunidades, incluindo as famílias ameaçadas de expulsão na reforma do Forte São Paulo, em ação liderada pelo IPHAN;
12. Divulgação dos estudos de viabilidade para projetos de qualificação urbanística no Centro Antigo no âmbito da Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada –MIP, proposta pela Odebrecht Properties e Construtora Norberto Odebrecht à prefeitura de Salvador;
13. Suspensão de projetos no Centro Antigo que violam normas ambientais vigentes, a exemplo do projeto de ampliação da Bahia Marina e do Cloc Marina Residence, que teve alterações irregulares autorizadas pelo IPHAN Bahia;
14. Discussão do projeto de Implantação de Plano Inclinado entre a Praça Castro Alves e a Conceição da Praia com os moradores da Preguiça e entorno, de modo a evitar expulsões e reduzir ao máximo seus impactos negativos na localidade;
15. Discussão dos termos e do projeto de construção de passarela para a implantação de ligação entre o MAM/BA e o Forte da Gamboa com as comunidades da Gamboa de Baixo e do Solar do Unhão.
16. Reunião com a participação do Ministério da Cultura, do IPHAN Nacional, da Superintendência do IPHAN na Bahia e dos movimentos que assinam este manifesto, considerando os impactos do modelo de gestão elitista relacionado ao patrimônio histórico.
Com relação à cidade de Salvador e ao estado da Bahia:
17. Garantia do direito à participação popular efetiva e gestão democrática na formulação e controle das políticas públicas urbanas, especialmente no processo, em curso, de revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador, conforme previsto pelo Estatuto da Cidade;
18. Garantia do direito à informação e à transparência para acessar informações de planos, estudos e projetos relacionados a intervenções urbanas;
19. Retomada imediata da mesa de negociação permanente com o MSTB, existente desde maio de 2008, garantindo a presença dos órgãos públicos responsáveis nas várias esferas – CONDER, SEMA, SEDES, IPAC, DIRCAS, PREFEITURA, IPHAN, SERIN etc. – com ampliação para os movimentos que assinam essa pauta de reivindicações, conforme demanda ao governador do estado, protocolada no dia 18.03.2015;
20. Destinação dos casarões vazios no Centro Antigo para unidades de moradia popular;
21. Realização de amplo debate público sobre a identificação, destinação e uso de terras públicas e imóveis vazios e subutilizados a fim de cumprirem a função social da propriedade, com uso prioritário para habitação de interesse social;
22. Revogação da Lei Municipal 8.655/2014, que autoriza a venda de 59 imóveis públicos municipais – ou seja, patrimônio do povo de Salvador – e realização de debate participativo com a população sobre a destinação e uso de imóveis públicos;
23. Criação, com participação popular, de regulamentação específica, nos níveis estadual e municipal, do benefício do aluguel social, definindo critérios, valores, data de pagamento e reajuste periódico do beneficio;
24. Recomposição do FUNDURBS – Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano de Salvador, com todas as verbas originalmente previstas na lei municipal 7400/2008 (PDDU)
25. Previsão do FUNDURBS no novo PDDU de Salvador, com a gestão de um Conselho da Cidade deliberativo, e vinculação de 30% para habitações de interesse social;
26. Adequação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU e da Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo de Salvador – LOUOS aos critérios do Estatuto da Cidade;
27. Desmilitarização da polícia e de milícias de todos os tipos, e fim dos autos de resistência, colocando fim ao genocídio da juventude negra;
28. Garantia de transporte público digno (sem custo, sem espera, sem superlotação), compreendendo o transporte como direito e não como mercadoria;
29. Divulgação de dados precisos referentes aos custos do sistema de transporte e transparência nas licitações;
30. Democratização da mídia, compreendendo a comunicação como direito.
Em defesa do Centro Antigo e seu povo!
Em defesa do Direito à Cidade!
MSTB – Movimento Sem Teto da Bahia •• Associação Amigos de Gegê dos Moradores da Gamboa de Baixo•• MNB2J – Movimento Nosso Bairro É 2 de Julho •• AMACHA – Associação de Amigos e Moradores da Chácara Santo Antônio •• Artífices da Ladeira da Conceição da Praia