O MPL, que teve sua morte decretada e comemorada por setores da esquerda brasileira no ano passado, coloca milhares nas ruas de São Paulo e reacende uma necessária discussão sobre as contradições entre novas e velhas formas da luta no Brasil. Por Paulo Motoryn
Agosto de 2015. Empolgados com a manchete de um texto que certamente não leram, só curtiram, uma turma comemorou a suposta morte do Movimento Passe Livre São Paulo (MPL-SP), como se satisfizesse de um desejo secreto. O texto “O Movimento Passe Livre acabou?”, escrito por um de seus integrantes mais orgânicos na cidade, publicado no site do Passa Palavra, em agosto [de 2015], despertou alguns comentários curiosos.
O sorriso irônico de alguns setores da esquerda perante aquela morte simbólica do MPL era o alívio de ter adiado mais uma vez a discussão sobre mudanças reais nas estruturas de organização dos movimentos sociais, a discussão sobre novas estratégias, modelos. A tentativa de velório político dos modelos de atuação política menos centralistas, hierarquizados, foi disfarçada, quase envergonhada, porém evidente.
O texto “O Movimento Passe Livre acabou?”, no entanto, por não ter sido lido para além da manchete, foi mal compreendido: como disse o jornalista Pedro Caribé, não decretou o fim do MPL, mas a morte de seu modelo de organização. E a morte, como ele lembra, está longe de ser um fim absoluto, como várias religiões estão aí para explicar. O próprio autor do texto coloca nos seguintes termos o exercício a ser feito pelo movimento a partir daquela reflexão: “revisão de práticas”.
Eis que, pouco depois, a história nos brindaria com mais um de seus episódios didáticos. Para os dois lados.
Novembro de 2015. Escolas públicas estaduais são ocupadas em São Paulo em reação ao fechamento de centenas de unidades de ensino em um projeto promovido pelo governador Geraldo Alckmin. A maior parte dos estudantes experimentava ali seu primeiro processo de militância, protesto, ativismo político. Mesmo assim, já apresentavam um acúmulo crítico surpreendente.
O imaginário de Junho de 2013, como já foi refletido por muitos nas últimas semanas (clique aqui para ler uma boa entrevista sobre isso), era extremamente vivo na prática dos secundaristas: não apresentavam lideranças estabelecidas ou porta-vozes únicos, se organizavam de forma horizontal, apostando sempre nos diálogos abertos, amplos, recusando as direções, as cúpulas, os representantes oficiais.
Pelos relatos que ouvi, em certa medida, conseguiram até superar a autocrítica feita pelo militante do MPL ao modelo de organização do movimento, no texto citado no primeiro parágrafo. Os estudantes prezavam sempre pelos espaços de debate nítidos, abertos e deliberativos, para que as decisões não fossem diluídas nos grupinhos de amigos, nas rodinhas pós-reuniões, na política baseada no amiguismo, tão comum às organizações e movimentos de esquerda, exatamente como descrito em “O Movimento Passe Livre acabou?”.
Isso, como sabem, gerou conflitos entre estudantes recém-iniciados na luta com os secundaristas pós-graduados na militância política. É verdade que as convergências vigoraram na maior parte do tempo, o que garantiu a vitória e recuo do governo Alckmim. No entanto, essas diferenças pontuais são simbólicas para escancarar a contradição entre as novas e velhas formas, estratégias e estéticas da luta social.
Sabe-se que uma das coisas que chateia boa parcela dos estudantes são as entrevistas, capas de revistas que circulam em SP, com representante de entidade secundarista posando para fotos produzidas, falando sobre as ocupações em entrevista de voz única.
O personalismo certamente não dialoga com o movimento das escolas de SP. Vale assistir as mensagens, vídeos e notas do Comando das Escolas em Luta, articulação de escolas ocupadas: é um ritual. Estudantes sempre às dezenas para falarem publicamente, textos combinados coletivamente e sempre lidos por todas e todos, nenhum fala mais que a outra.
É muito importante dizer que a recusa imediata, ojeriza, rejeição ou perseguição às entidades estudantis tradicionais que organizam o movimento estudantil é condenável e extremamente perigosa. Esvazia a necessidade da luta por mais direitos, liberdades e políticas também em nível nacional, além de esvaziar a necessidade de valorizar historicamente a importância dessas entidades para episódios marcantes de conquistas de direitos no Brasil.
No entanto, o descompasso entre a prática das entidades e grupos do movimento estudantil organizado com a grande maioria dos estudantes é inegável e precisa ser colocado: na dimensão estética, as velhas musiquinhas, bandeirões, carros de som, já não dialogam com o funk (já ouviu, por exemplo, “Escolas de Luta”, pancadão que virou Hino das Ocupações?), e outras estéticas da juventude da periferia.
Na dimensão política, o acúmulo político precoce dos militantes das entidades secundaristas os distancia da maior parte de seus colegas. Seus discursos carregados, com eloquência e oratória dignas de políticos gabaritados, já não atraem quem não topa mais ser base, mas que quer tombar, ser protagonista da sua luta, de seu destino, de sua vida.
Sobre esse abismo de representatividade, a música “Trono de Estudar”, cantada pelo Chico Buarque e mais várias artistas ótimos, em homenagem às escolas ocupadas e circulada em exaustão pela esquerda cult, é completamente desconectada da linguagem, do estilo, de qualquer elemento que dialogue com os jovens secundaristas. Para comparar, ouça o funk das Escolas de Luta e depois ouça o Trono de Estudar. Depois, afogue-se na vergonha alheia.
Janeiro de 2016. O Movimento Passe Livre São Paulo novamente coloca milhares de jovens nas ruas. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, logo nos primeiros grandes atos organizados do ano, as estimativas colocam na faixa dos 10 mil o número de manifestantes. Com a repercussão e a volta das férias, é possível que as manifestações aumentem. Mesmo assim, o número de pessoas logo na primeira passeata nos fazem lembrar de 2013. Se os próximos forem mesmo maiores, teremos mais uma grande mobilização social no Brasil promovida justamente por um movimento que teve sua morte comemorada há poucos meses. 2016 começa irônico, não?
Pena é que o ano também começa mostrando que a história não tem sido didática para a cidade de São Paulo. Vamos fazer três anos das Jornadas de Junho e, logo no primeiro grande ato contra a tarifa, aquele velho roteiro. Os mesmos reclamando do trânsito. Polícia Militar agredindo jovem em plena luz do dia, para todo mundo ver. Governador blindado pela mídia. Prefeito com insensibilidade absoluta. Gente que acha certo mandar alguém abaixar sua bandeira na rua.
Como disse o Alceu Castilho, infelizmente “quase ninguém está interessado no que realmente aconteceu; avaliações partem de uma narrativa pronta, com protagonistas definidos: policiais e black blocs”. Isso mostra que precisamos, com urgência, nos reinventar, redesenhar caminhos, repensar estratégias: a luta pelo transporte público precisa se propor a pensar mais formas de sensibilizar mais gente, dialogar mais com a classe trabalhadora. E os movimentos sociais e partidos políticos da esquerda tradicional, se não capricharem nas doses de autocrítica, vão seguir respirando por aparelhos.
Já o MPL não morreu. É verdade que está com suas feridas escancaradas. Mas está fervendo na luta contra o aumento das tarifas.
Todas as imagens foram retiradas do perfil do MPL-SP no Facebook.
Acho que um ponto importante levantado pelo Legume é a questão do movimento apaixonar-se por si mesmo. E esse texto agora parece que cai nisso.
É certo que setores mais velhotes da esquerda sorriram ironicamente com as críticas dos que saíram e deram a isso a intepretação que quiseram: autonomia, horizontalidade e o que mais for no sentido, está morto. Ao ler, mais uma vez, o texto do Legume, não vejo nada neste sentido. Vejo que ele aponta limites dos movimentos autônomos justamente na medida em que a autonomia vira mística e não prática; quando os movimentos autônomos, para se afirmarem autônomos, preferem fechar em si mesmos, fazendo com que a autonomia seja um ritual interno, e não uma prática da classe trabalhadora em luta. Portanto, interpretar as coisas do jeito que quer não é característica apenas da esquerda velhote centralista.
Este texto agora tenta deslegitimar as críticas dos que sairam, mas se esquece de dizer que muitas dessas críticas foram discutidas por pelo menos alguns coletivos da federação do MPL. Por que o autor não elencou em sua bibliografia consultada o texto assinado pelo Tarifa Zero Goiânia?
Pela ação secundarista, que não é fruto do MPL, tampouco contraditória com os textos críticos – seria muita arrogância e negação das dinâmicas das lutas afirmar coisas assim -, e pela nova onda de manifestações contra a tarifa, deu pra ver que esses textos fizeram pensar e repensar. Como integrante de um coletivo da federação, eu não me lembro de tanta insistência em se falar na organização pelos bairros como agora se fala tanto, por exemplo.
É bom ver essa luta crescendo. Ontem acompanhei pelo CMI os dois atos em São Paulo e achei bacana, ainda mais que, ao expor a unidade dos capitalistas (Adadd-Halckmin-empresários), pode-se ainda pressionar para explorar uma fissura entre eles e assim fortalecer a luta. Mas não podemos nos esquecer que na primeira o MPL-São Paulo já sofreu algumas críticas de manifestantes que lamentaram a caixa-preta do trajeto, coisa que, penso, já mudou.
Só que ainda é triste ver que alguém vem a público, pelo Passa Palavra, para “sambar” em cima de dissidentes. Ora, vir a público em uma hora dessa para falar o que foi falado aqui é fácil, mas e as respostas pontuais a questões pontuais levantadas pelos textos dissidentes? Essas, pelo que eu me lembre, não foram respondidas publicamente. Então é assim? Reacende a luta, coloca milhares nas ruas e as inquietações estão automaticamente respondidas? Como e quando o MPL-São Paulo se pronunciou publicamente sobre esses casos?
E internamente à federação, o que foi debatido acerca das críticas? O que está sendo feito entre os coletivos que se possa dizer que realmente é uma federação, além da partilha da sigla e de princípios? Será que todo coletivo da federação tem as mesmas capacidades do coletivo paulistano em se colocar milhares nas ruas e assim curar a dor de cabeça da ressaca?
Acho que aproveitar uma possível nova jornada de lutas – a primeira até agora comparável a 2013 – para publicar um texto narcisista desse não é a melhor forma de se apaziguar as divergências e dúvidas que ainda existem no MPL.
O link para a entrevista está errado. O endereço certo é: http://brasileiros.com.br/2015/12/educador-compara-ocupacao-de-escolas-junho-de-2013-um-marco/
“O Movimento Passe Livre São Paulo novamente coloca milhares de jovens nas ruas.”
o MPL-SP continuará sendo um sindicato de lutas pelo transporte?
esse tipo de frase só pode nos remeter a isso, parece até tirada de uma nota da APEOESP.
o que é o MPL, afinal? é uma organizacao de usuários de transporte público? suas reunioes sao abertas aos demais usuários? é uma ONG que pauta melhorias para o transporte? é uma corrente ideológica estudantil? O que é a “base” do e no MPL, ou da qual participa, e de que forma o MPL se diferencia da esquerda “tradicional” na sua relacao com as bases? Se o MPL nao é um sindicato de lutas pelo transporte, porque é que chama atos de forma unilateral e dá entrevistas sobre a luta contra a tarifa como se fossem os responsáveis por ela?
sao dúvidas honestas, nao sem uma dose de provocacao necessária para ouvir respostas honestas.
Caro Leitor atento, o link já foi consertado. Agradecemos a colaboração.
Cordialmente,
O autor defende a tese de que as ocupações das escolas deram um “up” no autonomismo. E com isso quer dizer que a horizontalidade etc. do MPL não morreu. E diz ainda que a capacidade do MPL de pôr pessoas nas ruas revela que ele de fato não morreu. Mas por outro lado, o autor diz que as manifestações agora seguem o mesmo roteiro de três anos atrás.
Ora, se pensarmos duas vezes, tudo o que o autor afirma só confirma que o MPL morreu e está bem enterrado. Se foi necessário um movimento de estudantes secundaristas para dar um “up” no autonomismo, significa que o MPL – por sua própria iniciativa, pautando o transporte público – não teve essa capacidade. Por outro lado, segundo o autor, o MPL pegou a onda e voltou às ruas, mas sem trazer nada de novo. Tudo o que o autor faz, portanto, é defender uma tese apresentando argumentos em favor da tese contrária. Pode até ser que o velho roteiro não é responsabilidade do MPL, mas o ato de não trazer nada de novo só demonstra o quanto o movimento está esclerosado.
O texto, assim como esta e algumas discussões do campo da esquerda “libertária”, acabou se futebolizando.
Vale agora também na politica a máximas ” em time de revolucionários que está ganhando a mídia e/ou da polícia, não se mexe”…. futebol é resultados.
Desmanche do time rival eu to rindo…
Esquecem-se que por trás de uma grande equipe, ainda que haja um técnico ( pequeno conselho superior da revolta popular?) a liderança é forjada e partilhada entre os jogadores.
Fica a dúvida se serão ouvidos e integrados massagistas, roupeiros, torcedores no clube… só isso.
Para mim falta uma estratégia ao MPL que fuja do modelo de ação de enfrentamento com a PM… Se continuar assim, haverá um fosso para outros setores de pessoas menos interessadas em confrontos corporais possam participar e tbm falta um espaço pra pessoas mais carente de tempo durante a semana – eu nunca vi o MPL puxar uma manifestação em fim de semana
Só uma coisa: acho sintomático negligenciar o MPL de Belo Horizonte. O coletivo mineiro é federado ao MPL Nacional e compôs as jornadas de lutas contra o aumento em 2016, com atos sincronizados aos atos do Rio e SP.
“Modelo de ação de enfrentamento com a PM”??? Pelo contrário, os tempos atuais só revelam o que já está acontecendo há muito tempo: a parceria MPL/PM dando seus frutos, conduzindo cortejos cívicos muito colaborativos com as autoridades – e seguindo os interesses do prefeito Haddad (PT) em São Paulo. Não há ressurreição do MPL, há um Frankenstein que tentou surfar no movimento de lutas nas escolas. Mas desde já é uma organização condenada ao fracasso e cujo modelo de ação é sempre o controle democrático, horizontal e populista das lutas sociais.
Me parece que o desenvolver dessa luta contra o aumento reforçou os argumentos do texto citado no início desse artigo. Ou como disse um outro camarada um movimento social não deve ser avaliado pela sua pauta, mas pela capacidade de superar os dilemas colocados para a classe. Nesse sentido a luta de 2015 foi incapaz de inovar politicamente, repetindo os mesmos modelos de ato, como se esperasse que em algum momento a revolta explodisse. Em termos absolutos a luta é menor que a de 2015.
Se de nada adianta, aos que querem uma verdadeira transformação, o sorriso cínico de velhos burocratas que se esforçam para manter estrutura heterônomas; também de nada irá adiantar se apegar a estruturas “autonomas” incapazes de produzir novas respostas.
É serio que o único argumento para dizer que o MPL está forte, é o numero de pessoas que ele colocou nas ruas? Os movimentos hoje visam apenas a adesão popular, como se tendo somente ela a vitoria está garantida, e esse é um GRANDE erro, essa é parte importante, mas se tiver somente isso o movimento está fadado ao fracasso. Prova disso foi a greve dos professores, a maior de sua historia com passeatas de 60 mil pessoas. Se somente a adesão popular é o necessário para uma minima perspectiva de vitoria como essa greve foi completamente ignorada pelo governador? Chegou a dizer que greve nem EXISTIA?
Não concordo com a frase que diz que o MPL está morto, mas ele está sim bem fragilizado, e isso reflete nas suas mobilizações. E isso não me arranca nenhum sorriso, pelo contrario fico descontente afinal eu sigo a ideologia autonomista. E é uma pena ver um movimento autônomo que já foi bem articulado em tal situação.
Mas o autor do texto comete um grave erro, em querer esbravejar “está vendo, milhares de pessoas na rua”. Como se isso garantisse alguma vitoria. E agora que já se passaram 6 atos do MPL, a gente vê que o primeiro ato teve grande adesão, mas depois foi caindo a cada ato, até que no ultimo n tinha mais de 500 pessoas.
Bom, parece que quem não aprendeu com a historia, foi o autor, pois da mesma forma em 2015 o MPL também teve grande adesão no primeiro ato, e depois foi caindo a cada ato até que o ultimo tinha 100 pessoas. Então se a apenas um ano, a mesma coisa se repetiu, por qual motivo acharia que agora seria como 2013 em vez de 2015?
O MPL não está se inovando, apenas repete o que fez em 2013… Repetiu em 2015 e repetiu em 2016, em ambos os casos não deu certo, ou o MPL inova suas táticas e “ressurge” assim de suas cinzas, ou estará fadado ao fracasso.
Pois a mesma “esquerda” que sorriu com a decretada morte do MPL, usou essa queda de adesão agora em 2016 para voltar a criticar a forma de luta autônoma. Enquanto não inova e suas práticas, dará munição para os seus críticos.