Se não estamos satisfeitos com o modo como a “polarização” está montada, com as “opções” que estão postas, precisamos afirmar urgentemente a necessidade de construção de uma outra alternativa. É hora do antagonismo de classes voltar à tona. Por GI2E2*
A ofensiva pelo aumento da exploração e a necessidade do fortalecimento das lutas populares
Os dias 13 e 18 de março de 2016, assim como a subsequente divulgação dos grampos de Lula, sem sombra de dúvidas, colocaram mais lenha na fogueira ao processo de impeachment de Dilma e com certeza aumentaram a polarização, e porque não dizer histeria, dos discursos entre os defensores do governo e seus opositores. Entre uma histeria e outra seria interessante começar a esboçar um entendimento da conjuntura que desconfiasse do modo como se apresentam as polarizações, seja na grande mídia, seja nas redes sociais e etc… Pensamos que, pelo menos para aqueles que querem construir um entendimento que seja capaz de vislumbrar o que há por trás das agitações mais aparentes, que não gire no vazio da própria novela política, seria interessante relançar algumas perguntas: Há de fato um “golpe”? Há realmente uma “crise política”? De que “crise” estamos falando? O que está mesmo em jogo?
Ainda que possamos estar simplificando demais as coisas, tentaremos forçar uma outra leitura do que está acontecendo. Sustentamos que o poder político não está concentrado no partido que está no governo, muito menos no governante eleito da vez. Buscamos tentar compreender a política por meio da perspectiva da luta de classes, o que significa dizer que são as classes dominantes que concentram o poder político, seja qual for a sigla que estiver sentada na cadeirinha de presidente. É por isso, e não por uma suposta “traição” moralmente condenável, que o PT, assim como qualquer outro Partido que ganhe as eleições e pretenda gerir o capitalismo, segue a cartilha ditada pelos interesses do grande capital, desde a “carta aos banqueiros” de 2002 até hoje (para não falar de antes…)[1]. Por isso, podemos dizer que, apesar da turbulência e histeria generalizada, do nosso ponto de vista, não há uma crise política no Brasil hoje, mas uma crise de governo. Crises de governos não têm necessariamente uma correspondência direta com as disputas da luta de classes, ou melhor, com as contradições do capitalismo entre exploradores e explorados: veja-se o impeachment de Collor, por exemplo, que salvo engano não significou nenhuma barreira para a expansão do dito “neoliberalismo” no país. Haveria uma crise política caso o poder das classes dominantes estivesse de alguma maneira abalado pela força da mobilização e organização das lutas populares, sendo capaz de tornar instável (no sentido de garantir a “ordem” e as políticas exigidas para a manutenção dos padrões de acumulação, dos modelos econômicos e etc.) as instituições políticas existentes. Isso não ocorre, de maneira nenhuma, hoje. Não há crise política, pois, do nosso ponto de vista, não devemos reduzir a “política” à cena política visível, oficial, aberta, onde se desenrola a atual novela entre partidos e judiciário. De nossa perspectiva, o “fundamental” da política simplesmente não está aí. Mas então como explicar esse estardalhaço e essa conjuntura polarizada?
Indo direto ao ponto: para começar a compreender o que ocorre no Brasil hoje, achamos que seria importante distinguir alguns elementos, que estão relacionados de modos diversos na realidade – com o perdão dos possíveis esquematismos envolvidos. Uma coisa são os interesses de classe, outra é o chamado “conservadorismo moral” crescente (do qual o anti-petismo é só um dos “temas”), e outra ainda é a disputa partidária acirrada pelo momento de redefinição das forças eleitorais. Se quisermos, distinção entre os interesses econômicos, as polarizações ideológicas e as disputas dentro da máquina governamental. Essa distinção é fundamental, pois queremos dizer que elas não vão sempre juntas, não estão todas a refletir a “mesma coisa”, podem estar deslocadas umas em relação às outras. Isso é importante porque o que normalmente vemos como análise “de esquerda” consiste em relacionar direta e imediatamente quaisquer movimentos na superfície da política à sua correspondente “determinação de classe”. Contra esse determinismo reducionista é que pretendemos avançar.
Ainda assim, gostaríamos de ressaltar que, sob o nosso ponto de vista, a base da atual crise de governo está no aprofundamento da crise econômica mundial. E quando falamos em crise econômica entendemos como o conjunto de reformulações, rearranjos sob o qual passa o capital na busca por recuperar a sua taxa de lucro, que em geral é seguida de concentração, centralização de capitais por um lado e arrocho salarial e aumento da exploração dos trabalhadores e da classe operária, de outro.
Assim sendo, poderíamos nos perguntar se os governos do PT (de Lula e Dilma) contrariaram os interesses das classes dominantes, entendidos aqui como as exigências da reprodução do capital nas condições de inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho, ou seja, dos setores dominantes de nosso modelo econômico. A resposta aqui não pode ser outra senão um retumbante NÃO. Em um período em que os bancos tiveram seguidos anos de lucro recorde, que o crescimento econômico foi puxado pelo agronegócio e pela exportação de bens primários e commoditties (mineração, por exemplo), que desonerou em bilhões a folha de impostos do grande capital industrial, que liberou crédito adoidado em condições paradisíacas, que manteve a taxa de juros em dois dígitos quase o tempo todo, que aumentou a produtividade do trabalho através de infinitos meios, garantindo ao grande capital taxas de lucro exorbitantes, mesmo quando comparadas com outros países industrializados, enfim, que fez os anos de ouro da burguesia (como disse o próprio Lula), seria possível dizer que os governos PT não atendem ao grande capital? Ora, nem mesmo os nossos burgueses foram tão mal-agradecidos com Lula. Aliás, até agosto do ano passado o dono do Itaú (Roberto Setúbal) afirmava publicamente não haver motivos para a saída da presidenta Dilma[2] e o representante do Bradesco participou ativamente do governo até dezembro de 2015[3].
É claro que a conjuntura de crise econômica pode modificar as coisas, aumentando as pressões para que o governo consiga passar as reformas necessárias ao capital, no sentido de baratear o custo da força de trabalho e garantir os seus lucros, ou seja, aumentar a exploração. E como o governo Dilma tem buscado responder até agora? Pedindo calma, afirmando que já vai “atacar” esses problemas assim que possível para o país “voltar a crescer”. Digamos que, no máximo, o ritmo e profundidade que o PT tem conseguido implementar o ajuste fiscal e as reformas, ainda não sejam suficientes do ponto de vista das demandas do capital que, obviamente, vão tentar avançar o máximo na “agenda” de cortes, sobretudo na medida em que não se mostrar resistência e luta coletiva organizada dos trabalhadores. Nesse sentido de nada adiantará o lema do “menos pior” para sustentar o governo Dilma, já que sua principal característica tem sido a de conseguir fazer avançar as reformas, cortes e ajustes com menor resistência da classe trabalhadora, já que possui seus aparelhos sindicais e sua ideologia petista a defendê-lo contra o “mal pior” (a direita). Desse ponto de vista, o governo do PT foi bem adequado aos interesses do capital, o que explica o porquê pode governar tranquilamente o país por quase 14 anos, e ser endeusado pelas classes dominantes globais (“He’s the man!”, disse Obama).
O que é decisivo é que, no atual cenário, somente a luta dos trabalhadores poderá fazer alguma diferença para frear e resistir às pressões para o barateamento da força de trabalho, para o corte de direitos, para o enxugamento dos ditos “gastos sociais”, etc. Para tentar sermos mais enfáticos, de 2003 a 2008-09 o governo Lula, aproveitando-se da valorização das commodities, da desvalorização do real, das taxas de juros, do ápice da relação simbiótica entre China e Estados Unidos, nadou de braçada, ou seja, “nunca antes na história deste país” os capitalistas estiveram tão felizes, o que inclusive possibilitou a ampliação das chamadas medidas de cunho social (veja quadro) como o Bolsa Família, Universidade para Todos, etc… Com a crise de 2008-09 e a deterioração do mercado externo, o chamado pacote anti-cíclico foi levado a cabo por Dilma, com isenções fiscais “nunca antes vistas na história deste país”[4] para uma grande parcela do empresariado brasileiro e a retirada de direitos dos trabalhadores. Acontece que a crise econômica mundial continua, e o que era uma “marolinha” virou um tsunami. Apenas para se ter ideia, nas primeiras 6 semanas de 2016, as Bolsas do mundo tiveram o pior desempenho de um início de ano de todos os tempos, evaporando-se 6 trilhões de dólares em valor de mercado[5], e o PIB brasileiro caiu 3,8% em 2015, ou seja, as medidas adotadas não foram suficientes para garantir a retomada das taxas de lucro no país, exigindo ainda mais arrocho aos trabalhadores, como as reformas da previdência e da CLT.
Mas se o PT de Lula e Dilma é apenas o “síndico de plantão”, como explicar a escalada da polarização, da crise de governo e de um possível impeachment?
Poderíamos iniciar a formular essa resposta com uma outra pergunta: se o desgaste político do governo não fosse tão grande, a ponto de o mesmo conseguir passar as reformas demandadas pelo capital (Previdência, CLT, etc.), haveria esta polarização? Ou, por outro lado, se houvesse uma ofensiva da luta popular, da mobilização de massas em torno das reformas agrária e urbana, da melhoria dos serviços públicos (educação, saúde, transporte), ou seja, dos interesses da classe trabalhadora, estaria colocada a possibilidade de impeachment? A inexistência de uma resistência organizada dos trabalhadores permite a disputa aberta da máquina governamental pelos diferentes “candidatos a síndico”, disputa que se faz através dos aparelhos de Estado (MPF, PF, Justiça), sem que a estrutura do modo de produção seja colocada em xeque. Lembremos que nem mesmo o “modelo de desenvolvimento” está em jogo na atual “polarização”, pois o governo PT aprofundou as tendências à reprimarização da economia que nos cabe dentro da atual divisão internacional do trabalho.
Afirmar isto não significa dizer que não há diferença alguma entre os partidos e agremiações que disputam a máquina governamental. Queremos inclusive afirmar que existem diferenças, que estas diferenças se expressam fundamentalmente nas bases sociais de apoio destes diferentes partidos, e que no final legitimam os diferentes discursos ideológicos que formam a alegoria da cena política em questão. Porém, é necessário ter em vista que a atual “polarização” se dá a partir do assentamento de um “consenso” na condução da “política econômica” – o que significa dizer que a ideologia expressa pelo Partido dos Trabalhadores durante as últimas décadas (e mais intensamente quando se torna governo) acabou por enfraquecer a resistência coletiva dos trabalhadores. Basta ouvir qualquer discurso oficial para receber toneladas da ideologia oficial do capitalismo: de que o “Brasil” precisa voltar a crescer, de que o crescimento econômico é bom para todo o país. O PT abandonou há muito tempo qualquer resquício de posição classista e combativa – para utilizar o bom jargão – da luta de classes. Assim, trabalhou ativamente para desarmar política e ideologicamente a classe trabalhadora. No lugar, se viabilizou eleitoralmente através de um outro apelo, de uma outra ideologia. Qual seria essa?
Ora, é no mínimo sintomático que o petismo naufrague, agora, na mesma ideologia que ajudou a propagar. Precisamos dizer claramente: a identidade entre “petistas” e “anti-petistas” está na ideia, tão difundida, de que o problema do Brasil é a corrupção. Adicione a essa fórmula a ideia, de origem filantrópica, de “fazer pelos mais pobres” (repare que a categoria utilizada é “pobres” e não “trabalhadores” enquanto classe) e temos a ideologia oficial de gestão da barbárie capitalista no Brasil. Mas por que o PT passou décadas se dizendo o partido da “ética” e da “moralidade” no combate aos “corruptos”, bradando “Fora Collor”, “Fora FHC”, ou qualquer outro da vez? Ora, o que tal ideologia propaga é que o problema está no governante, que precisaria ser substituído. Ou seja, que se o povo tem problemas, a “culpa” é da pessoa que está no cargo executivo máximo e que precisaria ser substituída por outra. Por quem? Pelo Lula, pela Dilma, pelos candidatos do PT. Portanto, é a fórmula da “esquerda” eleitoreira por definição. O que vemos agora é uma espécie de retorno da criatura contra o criador, afinal foi o PT que por décadas propagou essa ideologia que apaga a contradição de classe ao colocar no caráter moral dos políticos (indivíduos) a raiz do problema. E isso não tem nada de novo no Brasil, que de personalismo e moralismo está entupido desde a invenção da “república”. Afinal, ninguém se diz a favor da corrupção, e quem a pratica só pode ser mesmo “contra a nação”! Tal ideologia tem historicamente sido preponderantemente propagada, diga-se de passagem, pelos setores mais reacionários, que se intitulam “faxineiros” imbuídos do mais alto sentimento patriótico contra os moralmente perversos da vez. Ora, como sabemos, não passa de uma performance de superfície, pois o “problema da corrupção” precisaria ser pensado como uma modalidade estrutural de relação entre o poder econômico e o poder político no capitalismo. É o caráter estrutural que se revela quando mesmo os “santos guerreiros” do PT são pegos com a mão na lama.
Digamos que essa visão personalista da política se agrava com a ideia de que se a “economia” vai mal, isso se deve à “má gestão” por parte dos governantes da vez. Ou seja, tratando a “economia” como se fosse um terreno “técnico” e não o terreno sangrento da exploração capitalista, tanto o PT como todos os demais partidos burgueses reforçam a ideologia que agora se volta contra a presidente Dilma como a “culpada” de todos os problemas. Tal ideologia está tão viva, aliás, que a vemos repetida nos representantes do “petismo de raiz” como PSTU e PSOL que andam bradando “Fora Todos”, e depois pedem novas eleições supondo pateticamente que dessa vez conseguem chegar à cobiçada cadeirinha de presidente.
Assim, a ideologia de que o problema do Brasil é a “corrupção” foi reforçada por todos os lados – tanto pelo oligopólio da grande mídia, quanto pelas entidades sindicais petistas – e, portanto, não pode ser estranho que seus efeitos apareçam nas últimas manifestações a favor do impeachment. O que vemos, então, é a tal horda verde e amarela, por certo com financiamentos do grande capital (inclusive internacional), mas não só composta pela “elite”, com sua sanha moralista (cuja hipocrisia é escancarada) e punitiva. Aliás, sobre esse ponto vale lembrar algumas coisas. Numa sociedade capitalista tão desigual como a brasileira, ou melhor, tão habituada ao convívio íntimo com a desigualdade, onde todos os ditos “problemas sociais” passaram a ser entendidos como problemas de “segurança pública” (obsessão que colonizou a vida nas metrópoles brasileiras com seu consumo cotidiano da violência), não é esquisito que se fortaleça, ainda mais em tempos de crise econômica, uma força política fascista ou reacionária – a tal “extrema direita”. Se observarmos o resto do mundo capitalista em crise, vemos que essa é uma tendência inerente ao sistema e não uma idiossincrasia nacional. Porém, é importante notar que os anos de governo PT não fizeram outra coisa que reforçar tal tendência ao fortalecer a competição entre os próprios trabalhadores – que está na base das políticas sociais “focalizadas” baseadas no consumo – apagando quaisquer perspectivas de luta coletiva da classe trabalhadora. Ou seja, nesse modelo o Estado é tão somente aclamado como gestor securitário (da propriedade privada, ou da “economia” que leva tudo, pouco importa), além de dar uma forcinha de baixo custo aos mais “pobres” dos mais “pobres”, abandonando aqueles que seguem na luta pela sobrevivência na selva chamada mercado de trabalho. Aí pode estar algo do descontentamento popular com o governo que tem sido canalizado pela direita oficial, que está aproveitando o naufrágio petista para poder mostrar os dentes.
Por tudo isso, nos parece equivocada a defesa abstrata da “democracia” contra o “golpe”. Com ou sem impeachment, a ofensiva das classes dominantes sobre as classes trabalhadoras está em curso há muito tempo, e somente a resistência coletiva, a organização e mobilização das camadas populares poderá revertê-la. É contraditório erguer a bandeira da “democracia” para defender um governo que promoveu a integração das polícias, a lei antiterrorismo, a perseguição a militantes políticos, que coleciona recordes de assassinatos de camponeses e indígenas, para não falar na militarização da vida nas favelas e a política de extermínio da juventude negra e pobre (cujos índices obscenos superam países em guerra).
Se não estamos satisfeitos com o modo como a “polarização” está montada, com as “opções” que estão postas, precisamos afirmar urgentemente a necessidade de construção de uma outra alternativa. É neste sentido que todas as novas experiências de luta, aquelas que surgiram dos trabalhadores das grandes obras, das jornadas de junho de 2013, das lutas pelo transporte público, das lutas dos secundaristas em São Paulo e Rio e etc. contra o fechamento das escolas e as reestruturações em andamento, precisam ser olhadas com grande atenção e nos encher de disposição. O aprofundamento da crise econômica e a ofensiva da burguesia já colocam para trás qualquer possibilidade de ficar defendendo o “mal menor” (PT) contra o “mal pior” (a direita), qualquer ilusão de “conciliação” de interesses. É hora do antagonismo de classes voltar à tona.
Sobre as conquistas sociais dos governos do PT
Em primeiro lugar é preciso fazer a seguinte pergunta: as conquistas sociais durante os governos do PT foram reais? Não podemos dizer ao recebedor do Bolsa Família, ao jovem que entrou na Universidade, às famílias que tiveram seus desempregados ocupados, aos microempreendedores que tiveram acesso ao crédito, que estas não foram conquistas sociais, que provocaram uma certa melhoria em suas vidas. Negar isto seria negar a base ideológica de sustentação dos governos do PT e implicaria na impossibilidade de compreender a complexa conjuntura dos nossos dias. Por outro lado, não podemos nos furtar a formular outras perguntas: em alguma medida estas conquistas atrapalharam a acumulação do capital? Em alguma medida elas alteraram a estrutura social no país? Para sermos diretos, vamos inicialmente responder com um peremptório NÃO, para posteriormente tentar, à luz de alguns dados empíricos, comprovar a nossa posição.
A chamada distribuição de renda
Em recente estudo[i], pesquisadores da Universidade de Brasília, cruzando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e das Declarações de Imposto de Renda de Pessoas Físicas (DIRPF), demonstraram que a desigualdade social no Brasil se encontra estável e que o país continua sendo extremamente desigual. Embora a metodologia esteja em consonância com a literatura internacional, curiosamente os dados vão na direção oposta da dita diminuição da desigualdade, tão alardeada e comemorada pelos governos do PT. A grande questão é que a PNAD, utilizada para amparar os dados do governo, não abrange os rendimentos das camadas superiores da “pirâmide social” o que foi melhorado no trabalho da UnB, quando os dados do IRPF foram analisados.
Para se ter ideia do estamos falando, vamos analisar um dos principais resultados divulgados no estudo da UnB. O gráfico acima mostra a relação entre o percentual da renda da população com o percentual da polução brasileira para os anos de 2006, 2009 e 2012. Neste gráfico pode-se perceber que enquanto 50% da população detém apenas 10% da renda, 90% da população detém aproximadamente 40% da renda total brasileira. Isto significa que 10% da população detém 60% da renda, e se avançarmos no topo dos maiores rendimentos, verificaremos que 0,5% da população detém 20% da renda brasileira. Este é o retrato da extrema desigualdade do país e o que é pior, esta desigualdade está estável no período analisado, já que as curvas dos anos de 2006, 2009 e 2012 estão praticamente sobrepostas. Ou seja, nem a Bolsa Família, nem mesmo a incorporação de uma massa significativa de trabalhadores no mercado de trabalho, foi capaz de modificar a extrema desigualdade de renda do país.
Sobre o aumento dos postos de trabalho
Dentre as chamadas conquistas sociais dos governos do PT, talvez a de maior alcance tenha sido a grande geração de postos de trabalho, a ponto de ter sido propagandeado como a conquista do “pleno emprego”. De fato, se olharmos a série histórica da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) realizada em seis regiões metropolitanas do país pelo IBGE, podemos observar que em março de 2002 tínhamos 12,9% da população economicamente ativa em situação de desemprego, já em dezembro de 2014 este número era o de 4,3%, o menor da série. Esta dinâmica da criação de empregos se deve principalmente à dinâmica da economia brasileira, impulsionada pelo preço das commodities e especialmente pelo crescimento da economia chinesa, ou seja, a diminuição da taxa de desemprego se deu às custas de uma maior integração baseada especialmente na exportação de matérias-primas agrícolas e minerais (soja, minério e petróleo). O que não fica claro destas estatísticas é que tipo de empregos foram criados e a que condições os trabalhadores foram submetidos. Já há algum tempo temos denunciado[ii] que a maioria dos empregos gerados são aqueles que se situam abaixo dos 1,5 salários mínimos, com uma alta rotatividade, e que, além disso, a produtividade do trabalho no país tem aumentado em maiores taxas que o aumento do salário. O que evidencia, na verdade, um aumento da exploração dos trabalhadores, ou seja, aquilo que é colocado como uma conquista social, nada mais é que o aumento da exploração dos trabalhadores.
A expansão das universidades e dos serviços de saúde
Segundo dados do MEC-INEP, o número de matrículas no ensino superior nas universidades públicas (federais, estaduais e municipais) brasileiras passaram de 1.176.174 em 2003, para 1.897.376 em 2012. O que significa um aumento de 61%. Por outro lado, o número de matrículas nas universidades privadas no mesmo período passou de 2.760.759 para 5.140.312, o que significa um aumento de 86%, demonstrando que ocorreu um aumento maior da rede privada. Embora deva ser dito que, se levarmos em conta apenas as universidades federais, o aumento no número de matrículas neste período também foi da ordem de 86%, se levarmos em conta a totalidade do sistema de ensino superior o que ocorreu foi, de fato, uma privatização. Esta afirmação ganha ainda mais força quando analisamos os dados do FIES (Financiamento Estudantil), pois de 2010 a 2014 os gastos saltaram de 1,1 para 13,4 bilhões de reais, em valores corrigidos para 2015. Em 2014, o grupo Kroton-Anhanguera foi o grupo que mais recebeu este tipo de investimento, além disso, doze mantenedoras receberam juntas mais de 2 bilhões de reais, o dobro que as conhecidas empresas Embraer e Odebrecht. Outra forma de privatização da educação superior está se dando através da entrega dos Hospitais Universitários à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), uma Organização Social (OS). Aliás, os governos federal e estaduais, dos mais diferentes partidos, têm repassado a gestão de diversos serviços de saúde pública (Hospitais, UPAs e outros tipos de atendimentos a usuários do SUS) para OSs, que por serem consideradas “sem fins lucrativos”, têm isenção de tributos, como os previdenciários.
Por outro lado, com relação à chamada democratização de acesso ao ensino superior, segundo dados do Ministério da Educação, em 1997 o percentual de jovens negros, entre 18 e 24 anos, que cursavam ou haviam concluído o ensino superior era de 1,8% e o de pardos, 2,2%. Em 2013 esses percentuais já haviam subido para 8,8% e 11%, respectivamente. Estes números demonstrariam que o sistema de cotas, sejam raciais ou para escola pública, tem possibilitado uma maior entrada de jovens com renda familiar mais baixa, mas isto realmente significa uma democratização da universidade? Tentando responder a esta pergunta, fomos atrás dos censos das universidades federais. Em 2011, o Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis das universidades federais divulgaram números do Perfil Sócio Econômico e Cultural dos Estudantes de Graduação. Entre outros números é possível observar que, em 2010, 43,67% dos estudantes de graduação das universidades federais eram pertencentes a famílias com renda de até R$ 2.656,00, pertencentes às chamadas classes C+D+E. Segundo os pró-reitores, este seria o público para a assistência estudantil (bolsas, moradia, restaurantes, etc). De posse destes números se faz importante correlacioná-los com os do PNAES (Programa Nacional de Assistência Estudantil), cujo orçamento em 2012 foi de R$ 503.843.628,00. Se aplicarmos 43,67% de estudantes ao número de matrículas de 2012 nas federais (1.087.413) chegaremos ao valor de 474.873 alunos pertencentes às classes C+D+E que precisariam de assistência estudantil, segundo nossos pró-reitores. Agora, se dividirmos o orçamento anual do PNAES pelo número de estudantes carentes, chegaremos à quantia de R$ 1601,01 (não esqueçamos os centavos) por estudante por ano. Ou seja, uma quantia irrisória, para não dizer ridícula! Desta forma, podemos concluir que a real democratização que deveria se dar através da entrada, mas também pelo auxílio à permanência, não se verifica.
E na crise, como fica isto tudo?
Como podemos observar, nem as medidas mais propagandeadas pelo governo, como a melhor distribuição de renda, a diminuição do desemprego e a expansão das universidades resistem a um olhar mais pormenorizado, mais atento, nos permitindo afirmar que nenhuma mudança estrutural foi realizada nestas áreas. Isto que levamos em conta um período de certo crescimento da economia mundial, ou melhor, em um período em que o Brasil ainda conseguia se esgueirar da crise. Mas e agora, com o agravamento da crise, como ficaram as ditas conquistas sociais deste período?
Com relação às universidades, 9 das 15 maiores instituições do país fecharam 2015 com um déficit de aproximadamente R$ 400 milhões[iii]. Sendo que a UFRJ, a maior federal, fechou com um déficit de R$ 125 milhões. Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), ao menos um terço das federais pediu socorro ao MEC para fechar as contas no ano passado. O corte de 10 bilhões do orçamento do MEC em 2015 atingiu, de modo geral, 10% do valor de custeio e 50% dos investimentos previstos nos orçamentos de todas as universidades federais. Neste sentido, obras de moradias estudantis, novos centros, restaurantes universitários encontram-se paralisadas, sem falar da manutenção de serviços básicos como limpeza e segurança que foram reduzidos e, em alguns casos, paralisados. Em dezembro do ano passado, em audiência pública sobre o orçamento, a reitoria da UFRJ divulgou números de corte dos terceirizados. De julho a dezembro de 2015, entre os seguranças passou-se de 1004 para 844 (15,9% de redução), entre os servidores da limpeza passou-se de 1667 para 1439 (13,7% de redução). Sem falar os frequentes problemas com as empresas terceirizadas que, em alguns casos, levaram ao atraso de mais de 4 meses em salários, ao não pagamento de 13º salário e férias, expondo centenas de trabalhadores a condições de trabalho escravo, e estudantes, técnicos e professores a condições insalubres de trabalho e estudo, uma vez que as montanhas de lixo se acumulavam em importantes centros da UFRJ, como o Centro de Ciências da Saúde e o Centro de Tecnologia.
O desemprego voltou a aumentar e iniciou 2016 subindo, chegando a 9,5%, taxa que significa 9,6 milhões de trabalhadores desempregados e um aumento de 2,9 milhões nesse contingente em apenas um ano. Alegando desvios e mau uso pelos trabalhadores, isso dito inclusive por deputados e sindicalistas do PT, de direitos como seguro-desemprego, auxilio doença, pensão por morte, abono salarial, o governo dificultou o acesso a eles, com aprovação no Congresso de projetos de lei e medidas provisórias, sancionados por Dilma. O mesmo se deu com o Bolsa Família, cujo cadastro foi “corrigido” no “ajuste fiscal” do governo Dilma em 2015 para evitar “distorções”. Pergunta-se: por que as grandes “distorções” das dívidas das grandes empresas brasileiras não foi sequer denunciado pelo governo Lula ou pelo PT? Os dados mostram que 91% dos devedores, que abrangem a indústria de transformação, comércio, bancos, produtores de alimentos, mineradoras…), atinge 1 trilhão de reais na Dívida Ativa e 300 bilhões nos atrasados com INSS (99% devidos por empresas, como de ônibus, empreiteiras, indústrias de alimentos e bebidas e instituições de ensino). E a alternativa que passa por ser de esquerda é… a volta da CPMF que teoricamente taxa a “classe média” e os endinheirados, que o PT sempre criticou. Com seu “Programa Nacional de Emergência”, de fevereiro de 2016, o Diretório Nacional do PT apresentou como propostas para superação da crise econômica a redução de transferências financeiras do Estado para grupos privados e a taxação das grandes fortunas do país. A questão que colocamos é a seguinte: é possível um governo fazer estas reformas sem que ocorra uma ruptura, sem apoio popular, sem uma luta mais abrangente na sociedade brasileira? Se as propostas não passam de bravatas eleitoreiras para garantir 2018 (pois vieram “um pouco tarde”, após mais de três mandatos), e seja possível a um governo efetivar isso, precisamos perguntar: porque elas não foram efetivadas e aprofundadas no governo Lula, um governo com apoio popular e no qual a crise mundial não havia atingido o Brasil como agora? Todas essas mudanças propostas agora pelo PT só encobrem a limitação de suas posições como alternativa de “esquerda”: nenhuma alteração das estruturas que hoje fazem ganhar a classe dominante no país pode ser efetivada por meio de alianças, sem romper com estas estruturas que servem exatamente para mantê-las ganhando e que expôs, na crise, a limitação da posição petista. Não há saída fácil para melhorar a saúde, a educação e as condições de vida do povo (como prometeu o PT nas eleições que disputou), sem luta, sem organização da classe trabalhadora e daqueles setores ditos progressistas. O que mostra a conjuntura atual é que não é possível todos ganharem no capitalismo: os trabalhadores é que “pagam o pato”.
* Grupo Interinstitucional e Interdisciplinar de Estudos em Epistemologia
Notas:
[1] Defendemos que o Partido dos Trabalhadores e seu braço sindical (CUT) desde sua fundação, com oscilações ao longo de sua história, tem, no fundamental, enquadrado as lutas operárias e populares nos marcos da institucionalidade burguesa e da conciliação de classes. Seja nas defesas do aumento da produtividade nas fábricas, da participação nos lucros, do negociado sobre o legislado, na pregação moralista de uma ética abstrata na política.
[2] Folha de S. Paulo, 23.08.2015.
[3] O Globo, 16.12.2015.
[4] Comitê Central da Burguesia 1 e 2.
[5] Antônio Luiz Costa. “Toda solidez se desfaz no ar”. Carta Capital de 17 de fevereiro de 2016.
[i] Medeiros M, De Souza PHGF, Castro FA. “A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012: estimativa com dados do imposto de renda e pesquisas domiciliares”. Ciência & Saúde Coletiva, 20(4):971-986, 2015.
[ii] “A alquimia do governo Lula: como transformar trabalhadores brasileiros em chineses“; Garcia TC e Jerônimo IP. “Crescimento econômico e luta de classes: considerações atuais de um debate antigo”. SEPOCS-RIO, 2012.
[iii] Portal G1, 29.02.2016.
Enquanto ninguém consegue desgrudar os olhos do grande teatro, uma análise avança na investigação dos bastidores, para onde faz tempo foi varrida a classe trabalhadora (que lá segue trabalhando… cada vez mais!). Bravo companheiros!
Para não virarmos pedra, é mais que necessário afastar os olhos dessa medusa e seguir os rastros da luta de classes. Para tal, como afirmam os autores, “as novas experiências de luta, aquelas que surgiram dos trabalhadores das grandes obras, das jornadas de junho de 2013, das lutas pelo transporte público, das lutas dos secundaristas em São Paulo e Rio e etc. contra o fechamento das escolas e as reestruturações em andamento, precisam ser olhadas com grande atenção e nos encher de disposição”.
Será que já olhamos o suficiente para tudo isso? Será que essas lutas não tem ainda muito a nos dizer sobre a luta de classes no Brasil (e no mundo) de hoje e, consequentemente, sobre as relações de produção e a classe trabalhadora no capitalismo contemporâneo?