O que mais gostaria é de ver o conjunto de apoiadores e estudantes pensando a respeito dos problemas que se apresentam ao movimento. Por Um apoiador das ocupações

 Companheiros. Sim, a palavra é essa, c-o-m-p-a-n-h-e-i-r-o-s. Porque a luta que se trava neste momento nas escolas do Rio de Janeiro não é sozinha, não pode ser sozinha, não se faz sozinha. Nem mesmo as implicações desta luta são restritas aos estudantes do Rio de Janeiro. Esta é uma batalha que, para o bem ou para o mal, tem repercussões para além dos estudantes e que, portanto, interessa a nós todos, que estamos sempre na luta.

4A minha fala é na condição de apoiador. Não sou um dos estudantes acampados, embora também não seja alguém alheio ao que está acontecendo nas ocupações, pois tenho buscado ajudar na medida das minha possibilidades. Estou assim, como dizem, como um pé dentro e um pé fora. Eu gostaria de estar completamente dentro, mas estar um pouco fora também não é de todo ruim, porque embora eu tenha uma noção relativamente limitada do cotidiano das ocupações, também tenho uma melhor visão sobre como as coisas estão se passando para fora. E é sobre este outro mundo que quero trazer algumas contribuições, que podem ser rejeitadas ou acolhidas. Na verdade, isso não importa tanto. O que mais gostaria é de ver o conjunto de apoiadores e estudantes pensando a respeito dos problemas que se apresentam ao movimento. Creio que este é um momento especialmente oportuno para lançar este texto, pois a Secretaria de Educação começa a aplicar uma forma de reação contra o avanço das ocupações.

O primeiro destes assuntos se refere ao contexto especificamente do estado do Rio de Janeiro. Como vocês devem estar inteirados, desde o dia 2 de março que os professores da rede estadual no Rio de Janeiro decidiram entrar em greve por tempo indeterminado. Uma greve relativamente forte, contando com bastante apoio dos meios populares e fruto de uma grave situação nas finanças do estado. Situação semelhante a outros municípios do Rio, que já trilham um caminho parecido de greves.

Este quadro que se apresenta aos alunos se constitui como uma grande oportunidade que tem sido relativamente bem aproveitada: como os professores já estão em greve, o trabalho de ocupação das escolas se torna excepcionalmente mais fácil, tendo em vista a desorganização da capacidade de controle cotidiano exercido pelo estado sobre as instituições de ensino por meio de suas diretorias de ensino e direções escolares. Frente a esta desorganização momentânea do corpo estatal, os estudantes têm sabido se aproveitar da situação e até agora já se contam 56 escolas ocupadas (número que cresce a cada momento).

8No entanto, este mesmo quadro apresenta alguns problemas incontornáveis. Um deles é sobre o ocultamento da luta dos estudantes ocupados. Como o estado está quebrado – quebradeira, diga-se de passagem, fruto de uma política irresponsável que anistia a dívida de bilhões de reais que empresas privadas devem ao estado -, ele não tem conseguido recursos suficientes para pagar os salários de funcionários públicos ativos e inativos. Neste mês, aposentados e pensionistas estão sem receber seus rendimentos, trabalhadores com salários acima de 2 mil reais também não estão recebendo regularmente e até mesmo o décimo terceiro salário de 2015 foi parcelado em cinco vezes. É um quadro de caos e terror. Até mesmo funcionários que foram aconselhados pelo governo a fazerem empréstimos pessoais consignados em folha frente ao calote, agora não podem mais acessar novos empréstimos, pois o estado não está pagando aos credores aquilo que já é retido na fonte. O que pode ser pior do que não ter dinheiro para pagar as contas e comprar comida?

O que estou dizendo não é que a luta dos estudantes não seja extremamente importante, pois ela é, e além disso, é estratégica para vários outros setores políticos e sociais. Mas, apesar disso, neste momento elas tendem a ter um apelo menor frente a outras questões mais impactantes. É preciso, portanto, aumentar o apelo do movimento. Como fazer isso? Talvez olhar para as outras ocupações de escolas ocorridas nos outros estados ajude a dar alguma luz.

Em São Paulo, onde o movimento foi vitorioso, ocorria um contexto bem diferente do hoje enfrentado pelo Rio. Lá não havia movimentação prévia de professores. Também não havia quebradeira anunciada do estado. Apesar disso o governo iniciou um plano de racionalização das escolas. Sob o falso argumento de melhorar o aproveitamento do funcionamento das unidades escolares, o estado procurava mesmo era reduzir o número de escolas abertas (isso, queriam fechar escolas) e com isso fazer economias para os cofres do governo. Claro que a consequência mais imediata disto seria o aumento da lotação das salas de aula (alunos faziam piadas que iam ter que colocar carteiras com 2 andares dentro das salas de aula), precarizando ainda mais o sistema de ensino. Nesta situação algo fica muito claro: o inimigo era muito visível e focado, e se tratava do plano de racionalização. E os estudantes só saíram das escolas depois de derrubarem este plano.

Em Goiás, a situação prévia era parecida em alguns aspectos com a paulista. Igualmente sem greve de professores, embora o estado já apresentasse problemas no pagamento dos salários dos funcionários público. Mesmo assim lá o plano era outro (embora o argumento falso fosse o mesmo): melhorar o aproveitamento e funcionamento das escolas. Diferentemente de São Paulo, não propunham o fechamento de escolas, pois o plano goiano buscava “melhorar” a educação por meio da terceirização da gestão escolar, que passariam a ser administradas pelas chamadas OS (Organizações Sociais). Lá também os alunos não se enganaram e tendo um inimigo claro partiram para as ocupações. Depois de algumas idas e vindas conseguiram derrotar momentaneamente o apoio da burocracia governamental ao plano, que atualmente está paralisado.

9Apesar das diferenças dos planos, há algo de comum nas ocupações de São Paulo e Goiás, pois não existiam movimentações prévias, mas sim um objetivo comum que unia todas as escolas ocupadas: um plano do governo a ser derrotado. Com isso garantiram uma visibilidade ampliada.

Enquanto a situação de Goiás e São Paulo foi muito parecida, no Rio não há uma pauta unificada, cada escola tem atuado de forma isolada entre si. Apesar disso, é também de se destacar que em São Paulo e Goiás se tratava de uma luta defensiva, enquanto no Rio a ousadia da luta é feita de forma ofensiva, se insurgindo contra uma geral precariedade no sistema de ensino.

Apesar disso, falta certo foco para dar aquele up no movimento. Como vamos fazer para unificar a luta das escolas e focá-las em um objetivo palpável, fazendo com que seja possível arrancarmos uma vitória do estado? Não tenho respostas prontas e fáceis, infelizmente. Mas parece que pra já é importante que as ocupações criem meios de comunicação entre si mais regulares e eficientes, articulando as ações entre os próprios estudantes e entre os estudantes e apoiadores. Seria interessante pensar em meios maiores, até mesmo encontros presenciais.

Como um assunto puxa o outro, acho que é o momento de falar de outro ponto. O fato é que os ocupantes parecem ter aprendido bem como se organizarem do lado de dentro dos muros das escolas. As escolas de um modo geral estão com uma organização do espaço físico impecável. Existem horários para alimentação, para atividades, para descanso. Existem também atividades de limpeza das escolas (maltratadas pelo governo) e não é raro descobrirem materiais abandonados e sucateados por incompetência da gestão escolar. Essa parte do trabalho das ocupações é muito importante, porque serve como matéria-prima principal que projeta a legitimidade do movimento, afinal são alunos ocupando a escola e desenvolvendo atividades nela.

Apesar disso, as ocupações não podem apaixonar-se por si mesmas e correrem o risco de dar a impressão de não estarem fazendo nada além de simplesmente cuidar de um espaço. Vejam, não estou dizendo que estão fazendo isso. Mas essa impressão pode ser passada ao se negligenciar a parte de relacionamento com o universo exterior que deve ser feita pelas ocupações. É nesse espaço exterior onde ocorre a disputa política contra quem a ocupação está lutando e sua vitória depende de se colocar bem também neste espaço.

6Ocorre que, como disse antes, as ocupações não começaram hoje e não agem sozinhas. Elas têm uma história para além do movimento de ocupações estudantis. Essa história alerta a todos os militantes sobre os perigos da infiltração de interesses exteriores ao dos alunos ocupados. Este é na verdade um risco para todo e qualquer movimento, o de ver sua luta sendo sequestrada e controlada por elementos que buscam somente prestígio político. É um perigo muito real e totalmente fundamentado. Porém, há uma tendência de reagir a este problema que envolve a possibilidade de um perigo tão grande quanto este, que é oposto ao perigo do sequestro de pauta – mas que é igualmente nocivo – que seria o do isolamento da ocupação. A ocupação, como movimento político, precisa inevitavelmente se lançar no mundo da política. É um caminho certamente muito perigoso e cheio de incertezas, mas é o único caminho para a vitória.

Claro que não estou falando aqui de nenhum estudante se lançar a candidatura de nada, nem de entrarem para algum partido. Estou falando de política em sentido mais simples, que é o da necessidade de entrar em acordo com as pessoas. Aqui vejo um outro problema central que deve ser enfrentado pelo movimento. É preciso conversar, divulgar, falar para deus e para o mundo de que sua causa é justa. É preciso convencer as pessoas que sua luta é importante para as escolas e para a educação do estado e do país. É preciso convencer os colegas que estão indecisos a irem para a ocupação. É também preciso convencer os que estão contra a apoiar a ocupação. É também preciso explicar aos pais que as ocupações não são bagunça, que ali se está lutando pela melhoria do ensino. É preciso reforço na comunicação para fora. Para isso é fundamental os alunos se formarem e informarem politicamente cada vez mais. Também convocar pessoas importantes a se posicionarem publicamente a favor da ocupação. É também preciso contar com o apoio de quem quer que seja, embora negociando os termos desses apoios. Tudo isso ajuda. Sem esse trabalho que, se bem feito pode aglutinar um monte de apoios, as ocupações dificilmente avançarão em suas demandas.

3Tudo isto se torna especialmente crítico quando a secretaria de educação parte para os primeiros ataques. O secretário de educação acaba de anunciar a possibilidade de mudança do calendário de férias somente para as escolas ocupadas. Isso: só para as escolas ocupadas. Querem tirar as férias dessas escolas do mês de agosto (mês das olimpíadas) e iniciá-las agora no início de maio. Obviamente é uma forma de punição do estado contra os estudantes em luta, não tenham dúvidas. Mas é também algo mais do que isso. Com essa transferência de data é muito provável que alguns alunos e professores comecem a sair da indiferença em relação à ocupação e passem a hostilizá-la, afinal, ninguém vai querer ter aulas quando a cidade do Rio vai estar toda voltada em seu caos cotidiano para os jogos. Professores que dão aulas em mais de uma escola, se uma destas não estiver ocupada, vai ter uma semi-férias (o que na prática significa não ter férias de verdade), o deslocamento pela cidade fica caótico e mais demorado, entre outras coisas.

Além disso, estão sendo emitidas orientações detalhadas para os diretores prepararem um simulacro de debate plural nas escolas. Com isso o objetivo é reunir pessoas e argumentos com o único fim de desqualificar as ações dos estudantes em luta. Tais questões reforçam em muito a necessidade das ocupações se voltarem para fora e partirem para a disputa da narrativa política, caso contrário, serão engolidas.

O trabalho é grande, eu sei. E antes que fiquem desanimados: lembrem-se que se estão sofrendo ataques é porque o movimento está incomodando. O que é bom sinal, pois se não incomodassem é porque não estavam fazendo nada de que o governo esperava de vocês. Só que vocês já deixaram de ser gatinhos mansos, têm mostrado seu valor e para não serem destruídos precisam lutar, lutar e lutar e lutar, todos os dias. Ah, e antes que eu me esqueça: contem conosco.

3 COMENTÁRIOS

  1. A materialidade é bastante rica. A pena é que na maioria das vezes ficamos olhando o céu, acreditando na providencia divina, e esquecemos do que está ao nosso lado.
    Pelo a situação apresentada acima houve um salto. Ontem em SP e Goias era uma resistência, hoje é uma ofensiva da alunada.
    Sobre a questão da articulação das ocupações SP também tem uma experiencia bastante rica e útil. Muito rapidamente ouve uma articulação entre as escolas ocupadas para pensarem politicamente e por solidariedade. No caso de SP as redes sociais foram os vetores que auxiliaram as ocupações.
    É imprescindível os encontros presenciais até para combater a infiltração das organizações oportunistas. E a tentativa que depois do fim das ocupações os alunos se articulem com os seus camaradas de SP, Goias e outros…

  2. É importante para os ocupantes, antes de tudo, que se reconheça a pressão externa e suas personagens que já surgiram e hão de surgir: seus colegas preocupados com o vestibular, os pais, a polícia, os professores… mesmo ‘a farinha que está no mesmo saco’ se mostra incisiva em face às ocupações. Então o apoio entre estudantes e grevistas das outras escolas – e, especialmente, estados – enriquece o debate e concretiza/aperfeiçoa ainda mais as causas.

    Quebra-se o paradigma de que estudante e preguiçoso e desorganizado. O estudante tem total capacidade de escolha, de organização e de luta!

  3. Ainda bem que a juventude voltou a participar da vida pública do Brasil. Acho bastante importante este movimento.

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