Nos deparamos hoje, após o resultado do referendo envolvendo o Brexit, com um novo nacionalismo desprovido de bases econômicas. Por Passa Palavra

1. Antecedentes: Portugal fora do euro

brexit2Em 2012 o Passa Palavra publicou o artigo “A saída do euro e o fascismo” (conferir aqui). Esse artigo criticava a defesa da saída de Portugal da zona euro por parte da esquerda portuguesa. Escrevíamos àquela altura que o nacionalismo é hoje desprovido de razão de ser no plano econômico, afirmando-se unicamente nos planos político e ideológico. Na época da transnacionalização do capital não há economia que não ultrapasse fronteiras nacionais, e todas as economias necessitam de créditos e financiamentos externos. Além de inviabilizar a existência além-fronteiras da economia portuguesa, a saída de Portugal da zona euro encareceria tais financiamentos e créditos devido à inadimplência que uma tal ruptura implicaria. Essa ruptura funcionaria portanto como um obstáculo ao aumento da produtividade em Portugal, ao desenvolvimento de formas mais elaboradas de exploração. O resultado seria uma maior pressão pela baixa dos salários, levando à pauperização da classe trabalhadora. Nesse cenário as camadas inferiores do proletariado português poderiam radicalizar-se à esquerda, ao passo que as camadas superiores tenderiam a radicalizar-se à direita, o que diante da fragilidade das organizações proletárias poderia potencializar uma fascistização do cenário político português.

Nos deparamos hoje, após o resultado do referendo envolvendo o Brexit, com um novo nacionalismo desprovido de bases econômicas. Embora o Reino Unido nunca tenha aderido ao euro, e Reino Unido e Portugal sejam países muito diferentes, um nacionalismo antieuropeu e meramente político-ideológico é o elemento unificador da esquerda portuguesa com os grupos que à direita defendem o Brexit no Reino Unido. Quando polemizávamos em 2012, o que estava em jogo para a esquerda portuguesa era o combate à especulação financeira e à economia de cassino supostamente associadas à Troika (trio formado pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional), e também a perspectiva de tornar as exportações portuguesas mais competitivas. Hoje no Reino Unido o que está supostamente em jogo é a reconquista da soberania nacional do povo britânico, supostamente ameaçada pela intervenção da União Europeia (UE) em assuntos internos e pela questão migratória. Se da saída de Portugal do euro resultaria o encarecimento de créditos e financiamentos externos, entravando a modernização econômica do país devido à perda da credibilidade de Portugal perante os investidores, o Brexit tem representado para o Reino Unido também uma perda de credibilidade. Um artigo publicado na Folha de S. Paulo em 24 de junho afirma que o resultado do referendo abalou os mercados financeiros e provocou uma “onda de choque de incredulidade global (conferir aqui)”.

Take-ControlEsse nacionalismo retrógrado, que evoca alternativas econômicas características do período de crise dos anos 1930, quando a Grande Depressão, a queda da circulação mundial de capitais e a queda do comércio externo forçaram uma ruptura com a tendência de internacionalização da economia, continua a estar logicamente entre as preferências, por exemplo, do Partido Comunista Português (PCP). Em nota do partido afirma-se que a saída do Reino Unido da UE é uma “vitória”, um “acontecimento de enorme magnitude política para o povo do Reino Unido e também para os povos da Europa”, uma “alteração de fundo no processo de integração capitalista na Europa e um novo patamar de luta daqueles que se batem há décadas contra a União Europeia do grande capital e das grandes potências, e por um Europa dos trabalhadores e dos povos (conferir aqui)”.

Em 2012 podíamos afirmar que “não seria por abandonar o euro que Portugal abandonaria o mundo, embora possivelmente o mundo não se importasse nada de abandonar Portugal”. Contudo a situação agora é muito diferente. Logo após o referendo David Cameron apressou-se em anunciar sua renúncia, mas assegurando que a economia britânica é “fundamentalmente forte” e que “não haverá mudanças imediatas na forma como as pessoas viajam e como as mercadorias circulam”. O presidente do Parlamento Europeu apressou-se em anunciar que conversaria com Angela Merkel para evitar “uma reação em cadeia de eurocéticos”, e o ministro das Relações Exteriores da Alemanha lamentou no Twitter que “as notícias desta manhã procedentes da Grã-Bretanha são uma verdadeira desilusão. Parece um dia triste para a Europa e a Grã-Bretanha”. A imprensa tem alertado para um possível “efeito dominó” em toda a Europa, impulsionando movimentos separatistas como o escocês e o catalão, fazendo com que países-membros da UE queiram renegociar sua participação na união, e revivendo tensões na Irlanda do Norte. Três milhões de europeus vivem no Reino Unido, e dois milhões de britânicos vivem na Europa: o livre trânsito de europeus e britânicos entre a Europa e o Reino Unido era uma das condições de permanência do Reino Unido no bloco. Restrições nesse sentido trarão certamente muitas perturbações. Além do mais, o Reino Unido dirige metade de suas exportações para a UE, uma das razões para a queda recorde do valor da libra esterlina com relação ao dólar, em 24 de junho (conferir aqui). O presidente do IIF (Instituto de Finanças Internacionais), Tim Adams, declarou que “os eleitores do Reino Unido fizeram as suas vozes serem ouvidas e, agora, começa a difícil tarefa de fazer a retirada da União Europeia. […] A extensão do impacto da decisão sobre a economia e o mercado financeiro não será clara por algum tempo, mas é certo que será muito perturbadora no curto prazo e será um entrave ao crescimento econômico e ao emprego no longo prazo, especialmente para o Reino Unido (conferir aqui)”.

2. O Reino Unido fora da Europa

Cameron-RemainA revista Foreign Affairs publicou recentemente um artigo que começa parafraseando Karl Marx: “um espectro está assombrando a Europa esta semana – o espectro da desintegração”. O artigo afirma que “se os britânicos votarem para deixar a UE […] eles matarão a ilusão de que o processo de integração europeia é irreversível”, o que “instigaria a besta inerte do nacionalismo na Europa, desperta novamente após a Grande Depressão e a crise do euro”, deixando “os Estados-membros da Europa profundamente divididos quanto ao destino futuro da integração europeia”. Qualquer que seja o resultado, conclui a revista, o Reino Unido ficará profundamente dividido, e sua democracia sairá gravemente ferida.

a) O fora de David Cameron…

No mesmo artigo a revista afirma que em 2013 as pesquisas de opinião mostravam que a parcela de europeus satisfeita com a democracia sob a UE chegava a uma baixa recorde. David Cameron pensou poder “resolver a questão da Europa por uma geração” convocando um referendo. Ao mesmo tempo prometeu reformar completamente a relação de quarenta anos do Reino Unido com a UE, “reformar a Europa” em apenas seis meses, conseguir um melhor acordo para o Reino Unido dentro da UE. Cameron elaborou uma proposta contendo algumas demandas, entre elas o fim do compromisso do Reino Unido com uma integração cada vez maior. Outra proposta era limitar o número de cidadãos da UE que poderiam migrar para o Reino Unido (conferir aqui). O fato é que Cameron e outros políticos britânicos passaram a vida toda criticando a UE, mas agora viam-se forçados a convencer o Reino Unido a continuar no bloco: logo a campanha do referendo deixou de lado os aspectos técnicos e legais da participação para girar em torno da percepção do eleitorado quanto às vantagens em integrar a União Europeia, para além das calúnias e acusações mútuas, das mentiras, das profecias alarmistas, da xenofobia flagrante. A xenofobia no Reino Unido tem perigosas raízes, algumas muito antigas. Não por acaso há anos o país tem sido palco de mobilizações nacionalistas contrárias aos imigrantes, que resultaram em campanhas como a “put britain first” (empreguem os britânicos primeiro), e a criação do próprio Partido Britain First, de extrema-direita, cujo slogan é “taking our country back” (tomando nosso país de volta). Esse Partido possui um braço paramilitar, o Britain First Defence Force (Primeira Força de Defesa Britânica), famoso por suas “Patrulhas Cristãs” em que os membros usam uniformes verdes, carregam cruzes brancas e gritam slogans anti-islâmicos.

No-mosquesAinda no referido artigo da Foreign Affairs pode-se ler “em economia, é difícil encontrar um economista que não pense que o Brexit é uma má ideia”. Porém, questionado se poderia nomear algum economista que apoiava o Brexit, o secretário da Justiça britânico, Michael Gove, respondeu que “o povo deste país já teve o bastante de experts”. Um artigo publicado no jornal Valor Econômico afirma igualmente que

a decisão pela “saída” envolve muito mais do que uma proporção ligeiramente majoritária de cidadãos que se recusam a seguir seus líderes políticos. Elas precisam ser vistas como uma rejeição notável às elites políticas e empresariais, assim como às “opiniões de especialistas”. E também ilustram as divisões regionais que predominam após um período de baixo crescimento, especialmente de um crescimento que beneficiou mais a alguns grupos do que a outros (conferir aqui).

b) … mas não dele apenas

O fato é que tanto os conservadores (Torys) quanto os trabalhistas prestaram um desserviço à causa da UE, deixando o lado favorável ao Brexit enquadrar o debate: como não tinham nenhum apreço pela UE foram forçados a argumentar sobretudo quanto aos aspectos negativos da saída da UE, deixando de argumentar quanto aos aspectos positivos da permanência no bloco, o que fez com que a campanha assumisse um tom emotivo em torno de questões como soberania e medo da imigração, em torno de slogans como “vamos tomar nosso país de volta” e “controle sobre nossas fronteiras”, que soaram muito mais convincentes que “é complicado” e “embora haja custos, também trazemos muita coisa de Bruxelas”.

c) A vingança dos derrotados… ou não

Labour-RemainO Reino Unido verificou a partir de 1992, data da fundação da UE, a sua mais longa expansão econômica na história, com taxas de crescimento ultrapassando as da eurozona por margens significativas. Contudo, para a população mais velha e menos educada, que foi o grupo que favoreceu a saída da UE no referendo, os ganhos foram se tornando menos animadores, principalmente a partir da recessão iniciada em 2008. Foi a população mais jovem e educada, concentrada na cosmopolita Londres e nas highlands escocesas, que apoiou a permanência. Nos condados do sul, do sudoeste e nas midlands o apoio à permanência foi menor. Mas esse grupo menos favorecido provavelmente terá muito pouco para comemorar daqui para a frente, pois ao invés de “fazer a Grã-Bretanha grande novamente” a saída da UE vai provavelmente dar origem à “Pequena Inglaterra”, que ficará no final da fila, tentando negociar acordos globais de comércio com a China, a Índia e os Estados Unidos. Além disso, a relação entre Reino Unido e UE provavelmente guardará ressentimentos, como o antecipado na declaração do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, de que os “desertores” não devem esperar qualquer favor da Europa (conferir aqui).

A solução nacionalista talvez não seja realmente a solução do grande capital, como quer o PCP, mas apenas porque é a única que impede o capital de crescer, modernizando assim o sistema econômico e as relações sociais, tornando a exploração menos brutal. O nacionalismo parece, na verdade, preferir um “pequeno capital”: um capital que não se multiplica como poderia, e que por isso não aponta para o capitalismo da abundância. O dramático é que não se trata apenas de um país econômica e politicamente pouco expressivo, como Portugal, marchando contra a integração econômica global: trata-se do Reino Unido, quinta economia mundial. E, embora Portugal não faça muita falta, certamente o Reino Unido fará.

3. Portugal à parte, falemos de coisas sérias

The Economist definiu recentemente o futuro como sombrio, cheio de incertezas, inibindo investimentos (conferir aqui). Segundo o semanário, investidores odeiam incertezas, e o resultado da votação trouxe exatamente isso, uma abundância de incertezas. O Reino Unido contribui em 3,9% do output mundial, o que não seria o bastante para abalar a economia mundial em outra conjuntura, não da forma como fariam Estados Unidos e China. Mas o cenário internacional é desanimador, pois a economia americana se recupera ainda lentamente, com crescimentos do PIB oscilando entre 1,9% e 2,4% nos últimos 3 anos. Ao mesmo tempo, a China desperta cada vez mais preocupações quanto à sua capacidade de lidar com uma montanha de débitos.

Britain-firstSegundo a revista, uma recessão no Reino Unido parece provável, mesmo que o Banco da Inglaterra afirme o contrário: os investimentos serão afetados, tanto no Reino Unido quanto fora dele. Em tempos de incerteza as empresas postergam todos os gastos possíveis, e o mesmo o fazem os consumidores, agravando ainda mais o cenário. Para The Economist, os consumidores não vão provavelmente interromper seus gastos do dia para a noite, mas, conforme fiquem mais claros os impactos do Brexit para a economia, o consumo sofrerá uma queda. Além do mais, o colapso da libra vai elevar a inflação, diminuindo rendimentos reais, e o emprego será afetado, da mesma forma que as horas trabalhadas e o crescimento dos salários. A recessão no Reino Unido terá um impacto significativo sobre a UE: para qualquer redução do PIB do Reino Unido, a economia europeia sofrerá aproximadamente a metade dessa redução. E não se trata apenas da Europa, sobretudo da Europa meridional, mas também da China. Para The Economist, o principal risco, porém, é sobre o dólar: o enfraquecimento das moedas europeias vai provavelmente impactar sobre o dólar, que por sua vez vai impactar sobre o yuan. Todo esse “efeito dominó” será causado provavelmente pelo cenário de incertezas gerado pelo fora britânico.

Esse cenário de incertezas está relacionado ao impacto da surpresa do Brexit: segundo The Economist, se o Reino Unido, campeão histórico do livre comércio, pode escolher revogar um acordo comercial regional, quanta fé podem os investidores depositar em acordos econômicos internacionais? O Brexit seria portanto uma ameaça à ordem mundial liberal. Contra essa ordem emergiriam forças nacionalistas, populistas e protecionistas em diversos países. Segundo a revista, a Organização Mundial do Comércio (OMC) alerta para a multiplicação de medidas protecionistas no G20 desde 2008. E, além do mais, a desaceleração da migração de trabalhadores será custosa, podemos acrescentar que tanto para capitalistas quanto para os trabalhadores. A recessão na Europa pode contaminar a Ásia e a América, de modo a aumentar a pressão para a restrição dos fluxos de capitais. Tudo depende, conclui The Economist, do tipo e da rapidez com que o Reino Unido possa negociar um acordo comercial com a UE: se o Reino Unido obter um acordo rapidamente, sem reduzir seu acesso ao mercado comum, o cenário mais sombrio pode ser evitado.

4. A Europa fora do Reino Unido

Believe-BritainA perspectiva de negociação rápida entre Reino Unido e UE, o único meio de conter a já previsível recessão, ao que parece não se vai efetivar. O cenário na UE é de divisão: segundo reportagem publicada no Valor Econômico, “enquanto representantes de países como Alemanha, Hungria e Polônia defendem a necessidade de uma abordagem construtiva para a saída do Reino Unido, outros querem se livrar dos britânicos o mais rápido possível (conferir aqui)”. Charles Michel, primeiro-ministro belga, afirmou, por exemplo, que “apenas os interesses belgas e europeus me importam hoje – não os britânicos […] Não tem caminho de volta”.

A Europa se divide entre os federalistas, defensores de uma maior integração europeia, e aqueles que privilegiam a soberania nacional, complicando as negociações com o Reino Unido. Em conformidade com a primeira perspectiva, os ministros das Relações Exteriores da França e da Alemanha defenderam um fundo monetário para a zona euro, bem como um orçamento compartilhado, que ajudaria os países da zona euro atingidos por crises financeiras, e o ministro alemão insistiu que qualquer orçamento comum demandaria reformas estruturais profundas em cada país-membro. O problema é que essa política não é aprovada por Angela Merkel. Por outro lado, o ministro das Relações Exteriores polonês, Witold Waszczykowski, esboçou um projeto que vai na contramão da proposta dos ministros alemão e francês, no qual os poderes dos países-membros seriam reforçados.

Também há divergências sobre como estruturar futuras negociações com o Reino Unido. Alguns diplomatas têm sugerido que as conversações entre Reino Unido e UE devem se concentrar em questões envolvendo a saída do Reino Unido do bloco, como a interrupção dos pagamentos do país à UE. Discussões sobre os laços entre a UE e o Reino Unido, incluindo comércio, acesso ao mercado comum e aos bancos de dados de segurança do bloco não seriam uma prioridade. Há também divergências quanto à renegociação do Artigo 50 do Tratado da União Europeia, que governa a saída da união: o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, defende que não pode haver renegociação. No entanto, países com fortes ligações comerciais, econômicas e migratórias com o Reino Unido se opõem. E, além disso, há disputas entre a Comissão Europeia e o Conselho Europeu, que representa os governos individuais da União Europeia. Digno de nota, assim que constatou-se a vitória do Brexit o Reino Unido teve rebaixada sua nota de crédito (rating) pelas agências de classificação de risco S&P (Standard & Poor’s) e Fitch (conferir aqui). Em comunicado, a Fitch avaliou que “a incerteza trazida pelo referendo britânico deverá provocar uma desaceleração abrupta da economia do Reino Unido, com adiamento de investimentos por parte das empresas e mudanças no ambiente regulatório, o que tende a afetar o cumprimento das metas fiscais”.

Encontro-sem-Reino-UnidoOutra reportagem publicada no Valor Econômico (conferir aqui) afirma que o Reino Unido enfrenta agora “a dura realidade de uma desintegração de sua influência no cenário mundial”. Diante desse cenário, Jim Stavridis, ex-comandante supremo da OTAN, declarou que “os EUA têm de enfrentar a realidade de que o Reino Unido deverá ser um parceiro menos eficaz e confiável em assuntos mundiais”. Segundo a reportagem, o país também depara-se com a “perda iminente de seu poder na regulamentação europeia sobre serviços financeiros, um setor vital para a economia do Reino Unido”. O país, segundo Jonathan Hill, citado pela reportagem, enfrenta a possibilidade de ser obrigado a cumprir regras bancárias europeias formuladas sem que os britânicos estejam à mesa. A renúncia de Hill ao cargo de comissário da União Europeia para Serviços Financeiros, segundo Erik Nielsen, economista-chefe do UniCredit, também citado na reportagem, demonstra que “fosse qual fosse a influência do Reino Unido na UE, ela desapareceu a partir deste fim de semana”. Para Hill, é improvável que os bancos com sede no Reino Unido preservem seus “direitos de passaporte”, direitos que lhes permitem atender clientes em todo o bloco, pois isso depende da aceitação pelo Reino Unido da livre circulação de pessoas. “Não vejo como isso poderia se manter, dado o peso da imigração no debate do referendo”, afirmou. Vários grandes bancos, incluindo o HSBC, JPMorgan Chase e Goldman Sachs, já iniciaram preparativos para uma possível mudança de algumas operações para Dublin, Paris e Frankfurt. A reportagem afirma ainda que “os mercados financeiros mundiais preparam-se para mais volatilidade, após as turbulências vistas na sexta-feira, quando a libra esterlina caiu para seu mais baixo valor em 30 anos e as ações dos bancos europeus caíram 18%. Enquanto o choque inicial vai sendo substituído por preocupações sobre a profundidade do impacto que a decisão britânica terá sobre a economia mundial, a libra e as ações de bancos continuarão sob forte atenção”.

5. Fora Temer ou luta de classes?

No Brasil, como em outros países de proporções continentais, essas questões internacionais tendem a ser tratadas com provincianismo, como se fossem distantes demais para nos afetar. Não iremos, nesse momento, analisar as consequências econômicas do Brexit para o Brasil. Porém, o mais provável é que o resultado do referendo britânico influencie o cenário nacional do ponto de vista econômico, não do ponto de vista político. É outro o cenário em Portugal, onde a esquerda que pretende livrar Portugal das garras da Europa sairá provavelmente fortalecida. O nacionalismo político-ideológico existe também no Brasil, mas de outro modo.

Fora-Dilma-fiespEste site tem analisado desde algum tempo como os brasileiros que defenderam a “reconquista da nação” desde meados de 2013, mas com maior força a partir das últimas eleições presidenciais, compreendem a “reconquista” como reconquista perante o PT e a esquerda, o que significaria varrer a esquerda em geral do cenário político nacional (conferir aqui). Parte significativa da esquerda reivindica para si o verdadeiro nacionalismo e o utiliza como argumento para atacar o governo Temer que segue “as políticas neoliberais e imperialistas”. Perante a ascensão de mobilizações, feitas por trabalhadores, abertamente conservadoras em torno do ideário nacionalista dos dois lados do Atlântico, a esquerda apenas consegue assustar-se com a ascensão dessas pautas, sem fazer uma reflexão profunda dos caminhos que levaram a este cenário. Deveria se assustar é com as proximidades que encontra com essas mobilizações, e com a perda de capacidade de pensar e de oferecer alternativas próprias para os problemas da classe trabalhadora.

Apesar dos muitos “foras” do governo interino permanente, é provável que Temer encontre no agravamento da instabilidade econômica internacional um fator de estabilização política nacional, afinal um retorno de Dilma seria catastrófico, criando ainda mais insegurança econômica, da mesma forma que eleições antecipadas introduziriam novos fatores de incerteza. O governo temerário deu demonstrações suficientes de que goza de pouca ou quase nenhuma aprovação popular. Esse deverá ser o raciocínio do grande capital. Ainda assim, Temer é a solução da estabilidade, da confiança, ainda mais diante de uma esquerda que se limita a “marcar posição (conferir aqui)”. Não foi por acaso que o Presidente interino afirmou ter uma “missão” de “fazer o que é necessário” ou, como ele afirmou em entrevista transmitida em rede nacional: “eu posso ser até — digamos assim — impopular, mas desde que produza benefícios para o país, para mim é suficiente (conferir aqui)”.

Mas e a classe trabalhadora? Caberia a ela varrer de vez a influência nefasta do PT e das organizações que giram em sua órbita, ao mesmo tempo em que enfrenta a pauperização decorrente das medidas encaminhadas a partir do Executivo. Para a classe trabalhadora, o capitalismo em crise coloca em pauta a sobrevivência econômica de seus membros. Para ela, lutar é uma imposição, uma necessidade. A crise, ao lado das iniciativas governamentais para a sua superação, são para ela golpes, golpes verdadeiramente dolorosos, golpes verdadeiramente relevantes. O golpe que tirou Dilma do poder é um golpe intercapitalista, que não nos diz respeito. Temer veio terminar o que Dilma teve a infelicidade de começar. A classe trabalhadora deve se preocupar agora em lutar contra tudo o que tanto Temer quanto Dilma representam, sem aliviar para a extrema-direita raivosa das ruas e dos gabinetes. Parte fundamental desta luta diz respeito à recusa de todo e qualquer nacionalismo. E dessa luta devem emergir as condições para uma nova ofensiva contra o capitalismo. Resta saber se a classe trabalhadora será capaz de constituir uma esquerda à altura do desafio, uma esquerda capaz de pautar a resistência à exploração econômica, capaz de promover as lutas ao invés de contê-las, ou de promover lutas que não entrem em contradição com a consciência de classe e a luta de classes.

1 COMENTÁRIO

  1. “(…) O nacionalismo parece, na verdade, preferir um “pequeno capital”: um capital que não se multiplica como poderia, e que por isso não aponta para o capitalismo da abundância (…)”

    O dito capitalismo nacionalista coube e ainda cabe dentro dos pressupostos do desenvolvimento desigual e combinado. O capital se alimenta tanto da abundância, quanto da miséria…

    O “capitalismo da abundância” também exige o acúmulo constante do capital e essa acumulação só é possível através da expansão constante do capital. Um dos pontos centrais desta crise do capital, ao que parece, é que esta expansão se encontra, minimamente, estagnada, senão exaurida. A superprodução afeta não só a produção propriamente dita, mas o sistema como um todo (superprodução de tudo). Para uma nova expansão econômica será necessário, inexoravelmente, uma nova expansão da exploração do trabalho. Esta já vem ocorrendo, não só através da mais-valia relativa, mas também, e cada vez mais, através da mais-valia absoluta, representada não só pelos ataques aos direitos dos trabalhadores, tais como o aumento das jornadas de trabalho e do tempo de contribuição para a aposentadoria (no mundo todo, inclusive nos ditos países desenvolvidos), como também a transformação do trabalhador numa empresa de si mesmo (você s/a…)?

    Não há como produzir mais-valia indefinidamente (assim como, talvez…, não se possa produzir indefinidamente a abundância…). Pode parecer contraditório, mas o capital internacional “tenderá” a passar a “investir” no capital nacional para se expandir através de mais uma nova acumulação por expropriação (que recairá – quer pelo capitalismo internacional, quer pelo nacional – sobre a classe trabalhadora). As condições para esse processo foram dadas muito antes deste “ressurgimento” destes movimentos nacionalistas (portanto não são uma criação dos “nacionalistas”). Foram dadas, inclusive, por esse “capitalismo da abundância”, portanto, o capitalismo nacionalista que ora almeja ascender fundamenta-se, sim, no desenvolvimento das forças produtivas, em condições econômicas.

    A classe trabalhadora deveria almejar não o internacionalismo, mas o transnacionalismo. “Só a transnacionalização da classe trabalhadora poderia fragmentar o capital”. A transnacionalização do capital só comporta um paralelo inexorável: a fragmentação dos trabalhadores…

    E, não nos esqueçamos, os gestores do capital não nasceram ontem…! Se os “investidores” são avessos a riscos, se a Grande Bretanha é uma das maiores potências ecônomicas do mundo, se metade de seu comércio era realizado com a UE, se um quase metade da população era contra e Brexit, etc, etc, etc, alguém acredita que foi a democracia que jogou tudo isso para o alto, assim, mansa a pacificamente? A forma mercadoria é só uma das formas de circulação do capital. Se mesmo durante a segunda guerra o capital foi capaz de circular em paz (como no caso do Banco de Pagamentos Internacionais), seria diferente agora ou no futuro?

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