Zine enfatiza a “privatização interna” por que passa o ensino quando mecanismos de gestão empresarial passam a presidir o cotidiano escolar. Por Passa Palavra
Enquanto boa parte da esquerda brasileira se volta para o projeto conservador “Escola Sem Partido”, uma outra ameaça na área educacional ganha terreno sem muitos holofotes e a devida atenção. Trata-se de uma profunda reforma empresarial no campo da educação que, com um discurso muito mais modernizante e atraente para os jovens, avança a passos largos em estados como São Paulo e Goiás, e também em nível federal, como recentemente anunciado pelo Ministro da Educação, Mendonça Filho.
O fanzine e o vídeo “Privatização da Educação”, que acabam de ser lançados pela página da campanha Escola Sem Empresa, frutos de uma pesquisa de meses feita por Danielle Maciel e Sabrina Duran, com apoio da Fundação Rosa Luxemburg, buscam oferecer elementos para pensar este processo que progride de forma discreta, independente da coloração partidária que esteja no comando e suas picuinhas internas. O modelo de gestão escolar que parece estar em jogo é mobilizado por uma teia complexa composta por agências supranacionais, consultorias especializadas, entidades do terceiro setor, poderes públicos locais e grandes grupos financeiros e empresariais que têm o objetivo de intervir na área educacional segundo o interesse e as novas exigências da atual etapa do capitalismo. Nesse ponto, a recém lançada publicação é muito instrutiva, pois dá nomes aos bois, e indicam ao leitor quais são as principais associações de empresas (muitas delas por trás de sua “fachada social”) que têm se empenhado na articulação silenciosa de cada passo da reforma.
A privatização de que fala o zine não se limita a fazer do direito à educação um negócio rentável aos capitalistas do setor – embora esse aspecto não deixe de estar presente, podendo variar conforme as forças e os interesses envolvidos nas formas locais de aplicação desta grande reforma. Mais do que eventuais cobranças de mensalidades, a publicação chama a atenção para o perigoso processo de “privatização interna” por que passa toda a estrutura pública de ensino, na medida em que mecanismos de gestão da empresa privada passam a presidir cada minúcia do cotidiano escolar. Daí que tenhamos assistido nos últimos anos à multiplicação de sistemas padronizados de avaliação por desempenho, modelos de reformulação da carreira docente com base em medidores de resultado, tentativas de segmentação das unidades escolares sob o discurso da “eficiência da gestão” e da “qualidade do ensino” e outras medidas que tendem a estrangular qualquer resquício de autonomia na atividade escolar.
Se implementada conforme preveem os programas, a reforma empresarial da educação tende a estreitar o controle e as pressões do capital sobre o dia a dia de pais, professores e alunos. Isso significa distanciá-lo das reais necessidade da comunidade que nela trabalha ou estuda, uma vez que irá reforçar a dimensão da escola enquanto fábrica de resultados vazios e mão de obra adaptada às variações do mercado. O estímulo à competição, ao individualismo cego, através da pressão cada vez maior para o batimento de metas, aponta para corrosão dos já frágeis laços de solidariedade entre os debaixo, minando as possibilidades de ação coletiva, como as que vimos com o recente levante dos secundaristas pelo país.
Procurando se expressar numa linguagem simples, o fanzine e o vídeo oferecem à nova geração de militantes informações relevantes sobre as linhas de atuação, discursos e mudanças institucionais que pavimentam a implementação das novas políticas de ensino. Decifrar suas origens, formas de funcionamento e os interesses envolvidos se coloca como uma tarefa fundamental para entender o novo campo em que possivelmente se darão os próximos conflitos.
O fanzine está disponível para download e impressão na página de facebook do Escola sem Empresa, onde também se poderão encontrar mais informações sobre a campanha.
O vídeo você vê abaixo:
[ … ] “a reforma empresarial da educação tende a estreitar o controle e as pressões do capital sobre o dia a dia de pais, professores e alunos. Isso significa distanciá-lo das reais necessidade da comunidade que nela trabalha ou estuda, uma vez que irá reforçar a dimensão da escola enquanto fábrica de resultados vazios e mão de obra adaptada às variações do mercado. O estímulo à competição, ao individualismo cego, através da pressão cada vez maior para o batimento de metas, aponta para corrosão dos já frágeis laços de solidariedade entre os debaixo, minando as possibilidades de ação coletiva, como as que vimos com o recente levante dos secundaristas pelo país.”
Não parecem-me lá muito certeiros, nem o dito Zine, nem o Passa Palavra.
Digo: acho que falta ponderar. Mais pela sobriedade, menos pelos bordões.
Vou ater-me ao trecho supracitado.
Quais diabos serão as “reais necessidades da comunidade que nela trabalha ou estuda”?
Rebatizar a sala de “Marighella”? “Fazer uma sala de videogame”? (sic).
Se a “racionalidade neoliberal” transforma a porcaria do ensino público hoje em uma porcaria mais eficiente, é lucro.
Se a gestão é eficiente em melhorar as taxas de analfabetismo funcional por estas bandas, já é melhor que a situação presente. Matemática, então? Nem se fale.
É melhor um trabalhador bem formado que um trabalhador mal formado, oras. Para ele, para a sua família e para sua comunidade. É melhor um milhão de trabalhadores bem formados do que mal formados. Qualquer candidato a prefeito, o mais boçal que o seja, bem sabe disso.
No fundo, a escola já funciona sob essa lógica. Só é mal gerida. Muito mal gerida…
Pergunto aos camaradas que vieram de escola particular: terão elas, por serem privadas, “limitado as possibilidades do processo educacional reduzido o campo da criatividade, autonomia e o amplo desenvolvimento social e humano”? (sic).
Um pouco, talvez. A instituição escolar é bem problemática, sabemos. Mas parece-me que o fato de serem escola-mercadoria não os tornaram tão inertes assim.
Aliás, muito provavelmente deu-lhes uma educação muitíssimo melhor que das tais escolas públicas. Provavelmente colocou-os nas melhores universidades do país. Boa gestão, bons resultados.
No mais, pergunto-me qual o modelo de gestão que os camaradas têm em mente. Uma não-gestão? Uma auto-gestão?
Porque, da maneira colocada, parece-me tão só uma negativa um tanto reticente e nada propositiva.
Saudações!
Existe uma questão de critério, Setembrista. Para quem e para o que uma gestão é boa. Basta olhar a atual gestão industrial nas universidades públicas e de ponta: escrever 20 papers por ano em 3 idiomas diferentes é algo “melhor” para o trabalhador, para sua família e sua comunidade?
A mera ideia de que uma “melhora de gestão” trará efeitos na taxa de analfabetismo funcional mostra o caminho errado que suas criticas tomaram. De fato, a atual variação do mercado é de baixa, de corte e de desemprego. O que o mercado precisa é de gente que se forme para postos de trabalho precários e de baixa remuneração, especialmente considerando que o Brasil já conta com estrutura para formação de profissionais de ponta.
Por fim, não sou autor do zine nem do coletivo, mas me parece que qualquer perspectiva revolucionária não passa por propor um modelo de gestão, senão pelo apoio e pela construção do poder estudantil e dos trabalhadores nas escolas, sem os quais não existe modelo de gestão no mundo que tenha um caráter emancipatório.
Ministério alemão financiando vídeo anticapitalista no Brasil? Oi? Como é isso? E de onde consegue grana a Fundação Rosa Luxemburgo? Seria perguntar demais quanto foi investido nesse video e como foi o processo de captação da verba?
MODJU
Éramos poucos. Decrepitavó em dores parturientes urrava feito cabra degolada e a curiosa nada de chegar.
Então, cocando destarte a insigne preguiça, curiocioso destampa, entre bocejos, interrogatório with(out) proposta de delação premiada…
Curioso, acho que não é perguntar demais não, ao contrário, é um questionamento pertinente. Pois é, a Fundação Rosa Luxemburg bancou fazer cópias desse zine e a animação do vídeo. Isso que aparece de Ministério Alemão provavelmente é porque essa Fundação é ligada a um partido chamado A Esquerda na Alemanha. Essa é uma grande contradição que acredito que a maioria dos autores e pesquisadores que tentaram produzir conteúdos críticos ou até anticapitalistas tiveram e ainda têm que enfrentar, ou seja, para disponibilizar suas ideias para um número maior de pessoas tiveram que submeter seus materiais a editoras, empresas, institutos de fomento à pesquisa etc. (estatais ou privados, todos capitalistas) a fim de conseguir obter uma reprodução maior de determinado material. Nós, que estávamos empenhadas nessa pesquisa, avaliamos que o ônus de se aceitar essa contradição poderia ser menor em relação a possibilidade de difundir dados que conseguimos levantar sobre a atuação das empresas nesse setor e que geralmente são ocultados da maioria das pessoas e, até quem sabe, contribuir para as discussões e formas de luta e resistência no campo da educação.
http://www.passapalavra.info/2016/09/109422
Para aprofundar a curiosidade