Por Manolo

Preparei estas notas simples para um curso de formação, e não vejo por quê não compartilhá-las com um público mais amplo.

Proponho aqui uma discussão teórica simples. Faz tempo que na teoria política se tornou possível alargar a noção de Estado além da concepção clássica de “território, soberania e nação”, de um lado, e de “Executivo, Legislativo e Judiciário”, de outro. Mas há formas e formas de conceber a ampliação do Estado, e cada concepção carrega suas consequências políticas. Tomaremos duas delas como exemplo, mostrando que consequências se pode tirar de cada uma, e as estratégias políticas que podem decorrer daí.

I

Vejamos a mais conhecida das concepções ampliadas de Estado, a do marxista italiano Antonio Gramsci.

Neste modelo, de modo muito esquemático, existe um aparelho de coerção e repressão, concentrado no aparelho burocrático e repressivo clássico: reis, presidentes, governadores, prefeitos, vereadores, deputados, senadores, ministros, secretários, funcionários públicos, polícia, juízes, carcereiros etc. É o Estado tradicional, aquele já conhecido pelo senso comum. A este aparelho Gramsci deu o nome de sociedade política.

Com o desenvolvimento da economia capitalista – e portanto da luta de classes – e a multiplicação de organizações privadas (associações, sindicatos, cooperativas, empresas, partidos políticos, fundações, igrejas etc.), soma-se ao Estado tradicional um aparelho de outra natureza. Estas organizações privadas formam opiniões, representam interesses políticos, organizam a produção econômica, educam, mobilizam pessoas em prol de tal ou qual ação – em suma, formam consensos a respeito de como a vida em comum deve ser organizada. Por formarem consensos – não somente no sentido de uma opinião com que todos concordam, mas também no sentido de que os que concordam consentem, ou seja, aceitam que a sociedade seja organizada de uma ou outra forma – estas organizações são, também, polos de exercício de poder, entendido aqui como a capacidade de fazer com que uma pessoa obedeça à vontade de outra. Gramsci agrupa estas organizações sob o nome de sociedade civil.

O Estado, para Gramsci, é um equilíbrio entre a sociedade civil e a sociedade política, no sentido de que a primeira é o campo onde se dá a disputa pela conquista do consenso e do consentimento necessários à legitimação da segunda. Trata-se, assim, de um Estado ampliado, onde qualquer classe social precisa tornar-se primeiro dirigente na sociedade civil para tornar-se dominante na sociedade política.

A estratégia revolucionária, nos moldes gramscianos, tem dois caminhos. Lá onde a sociedade civil é amorfa e frágil, trata-se da tomada do poder de Estado mediante uma “guerra de movimento”, ou seja, mediante ações rápidas e de força; lá onde a sociedade civil é forte, vibrante, consolidada, trata-se de conquistar a hegemonia na sociedade civil para tomar o Estado mediante uma “guerra de posições”, ou seja, mediante a ocupação paulatina de espaços na sociedade civil para conquistar a capacidade de impor que a vida social seja organizada de tal ou qual maneira antes mesmo de chegar ao Estado.

Esta teoria, bem mais complexa do que esta simples apresentação permite expor, foi divulgada principalmente através dos Cadernos do Cárcere, influenciou e influencia teorias revolucionárias até hoje.

II
Outra forma de conceber uma noção alargada de Estado encontra-se na obra do marxista português João Bernardo.

Neste modelo, de modo esquemático, o Estado é o aparelho de poder das classes dominantes, ou seja, é tudo aquilo que sirva para impor às classes dominadas um modelo de sociedade, uma forma de organização e um modo de vida em comum.

Em primeiro lugar, é evidente que os reis, presidentes, governadores, prefeitos, vereadores, deputados, senadores, ministros, secretários, funcionários públicos, polícia, juízes, carcereiros etc. existem. Eles são a cara mais visível do Estado.

No capitalismo, entretanto, do ponto de vista dos trabalhadores, eles não são os únicos a exercer poder e impor uma forma de organização. Afinal, dentro de uma empresa os patrões e os gerentes são governantes, legisladores, policiais e carrascos ao mesmo tempo – e quem duvida que tente afrontá-los. Eles são a face oculta do Estado.

Com o desenvolvimento da economia capitalista e da luta de classes, entretanto, acontece uma coisa curiosa. Num dado momento histórico o Estado assumiu quase exclusivamente os papéis de desenvolvimento econômico, controle e repressão – ou seja, foi o principal responsável pelos processos que asseguram aos capitalistas a reprodução da exploração. À medida em que as empresas se tornam mais complexas e maiores, elas mesmas passam a exercer estas funções. E não somente isto: passam a ditar ao Estado suas políticas e formas de ação.

Destes fatos, João Bernardo conclui que o Estado é divido num Estado Amplo, que inclui as empresas e todos os meios que asseguram aos capitalistas a reprodução da exploração dos trabalhadores, e um Estado Restrito, que inclui todas as formas de relacionamento entre capitalistas, mas principalmente o aparelho clássico de Estado, a sua cara mais visível.

A estratégia revolucionária, nos moldes bernardianos, é bastante complexa. As lutas dos trabalhadores apresentam demandas aos capitalistas, que podem responder ou com a repressão ou com sua incorporação desvirtuada aos processos produtivos, principalmente mediante a incorporação de novas tecnologias e de novas formas de organização do trabalho. A estratégia capitalista consiste, sempre, em dissolver as formas coletivas de organização dos trabalhadores em luta e fragmentá-los, colocando-os uns contra os outros sempre que possível. Mesmo fora dos locais de trabalho a luta prossegue: a educação, os lazeres, as relações interpessoais, a tudo isto os capitalistas pretendem transformar não apenas em mercadoria, mas também em formas de controle da vida social dos trabalhadores. Na medida em que os trabalhadores conseguem romper o cerco com suas lutas e impor suas próprias instituições, começa um processo de quebra da disciplina social, que se consegue sustentar no tempo e alargar sua esfera de influência e tende a criar relações sociais novas, onde o igualitarismo e o coletivismo superam a hierarquização e o individualismo com que os capitalistas conseguem controlar os trabalhadores.

Esta teoria, bem mais complexa do que esta simples apresentação permite expor, foi divulgada principalmente através de obras como Economia dos Conflitos Sociais, Democracia Totalitária, Marx Crítico de Marx, Labirintos do Fascismo e Para uma Teoria do Modo de Produção Comunista. Não tem a mesma difusão e influência que a teoria de Gramsci, mas oferece um contraponto interessante, como se verá.

III
Dois autores, duas teorias. E o que aparentemente é uma simples discussão teórica tem consequências estratégicas sérias.

Veja-se, por exemplo, a sociedade civil gramsciana. Segundo este modelo, ela é um campo em que organizações de classes sociais diferentes disputam a hegemonia e, portanto, o poder. Ora, se é assim, para ficar em exemplos mais conhecidos, fazem parte da sociedade civil tanto a CUT quanto a FIEB; tanto o PT quanto o PSDB; tanto o Ilê Axé Opó Afonjá quanto a Igreja Universal; tanto o Movimento Passe Livre quanto o Movimento Brasil Livre; e assim por diante. A sociedade civil, tal como Gramsci a entende, é um espaço de disputas, mas a prática demonstra que pode ser, também, um espaço de integração entre classes sociais antagônicas.

Gramsci foi atento o suficiente para observar que, por partilharem este mesmo campo, os representantes das classes exploradas estão sujeitos ao transformismo, ou seja, à sua absorção pelas classes exploradoras. O transformismo é a absorção nas classes dominantes dos elementos surgidos nos grupos aliados ou adversários, mesmo naqueles que em dado momento pareciam inimigos inconciliáveis. Esta absorção, gradual porém contínua, é conseguida por vários meios: vantagens econômicas, cargos governamentais, posições de prestígio, hiperexposição midiática etc. Seu resultado, entretanto, é único: o enriquecimento do enfoque político e cultural das classes dirigentes, e o consequente aumento de sua capacidade de exercer hegemonia. Para que o transformismo funcione, é preciso, entretanto, que confluam dois fatores: sucessivas e desmoralizantes derrotas políticas dos grupos subordinados e, consequentemente, uma capacidade de expansão e de aquisição de universalidade – ou seja, de fazer seu ponto de vista valer como o ponto de vista de toda a sociedade – por parte das classes dominantes.

Apesar da aparente semelhança com a teoria dual do Estado elaborada por Antonio Gramsci, a teoria proposta por João Bernardo é bastante distinta: para Gramsci, a sociedade civil é formada por um conjunto de instituições que surgiram com o desenvolvimento do capitalismo enquanto modo de produção dominante e justificam tal dominação. E apesar de nem todas estas instituições serem produtos das classes dominantes, por elas estarem na sociedade civil disputando a hegemonia, por serem centros de poder, podem ser considerados parte deste Estado ampliado.

Na medida em que a preocupação de João Bernardo se localiza nas “relações de produção”, e não nas “instituições capazes de disputar hegemonia”, a diferença está em que na sua teoria dual do Estado as instituições criadas pelos trabalhadores em luta encontram-se a princípio fora do Estado – e não somente fora, mas também contra ele. É somente na medida em que são incorporadas desvirtuadamente pelos capitalistas como resposta às demandas dos trabalhadores que passam a fazer parte do Estado. Veja-se o caso dos sindicatos, que de organismos de luta transformaram-se em instituições de gestão do mercado de mão de obra – e em alguns casos em verdadeiras empresas capitalistas. Veja-se também o caso dos conselhos operários e conselhos de fábricas, incorporados nos diversos modelos de participação dos trabalhadores na gestão das empresas. Veja-se ainda o caso dos conselhos de políticas públicas, que de organismos de mobilização paraestatal foram plenamente incorporados à estrutura do Estado depois da Constituição de 1988 e são, hoje, peça central na diluição dos conflitos sociais.

Aquilo que para Gramsci é o efeito do transformismo, para João Bernardo é simplesmente a ação de uma classe social que, na vida de Gramsci, dava seus primeiros passos na substituição da burguesia como classe dominante no capitalismo – os gestores, classe social que, de um lado, se apropria coletivamente dos meios de produção por meio de sua gestão, e que de outro controla as lutas sociais através de sua participação ativa na gestão da economia capitalista.

IV
Não quis, aqui, apresentar toda a complexidade das teorias de Antonio Gramsci e de João Bernardo. Deixei apenas algumas provocações, para incitá-los não apenas a conhecer suas obras, mas, principalmente, a refletir sobre suas práticas enquanto militantes de movimentos sociais.

A principal provocação que deixo, entretanto, é mais pesada. A análise comparada destes dois modelos de Estado, e das estratégias políticas deles decorrentes, implica em compreender as lutas sociais de modo completamente distinto: enquanto no modelo gramsciano trata-se de disputar as organizações da sociedade civil e, dentro dela, disputar a hegemonia, no modelo bernardiano trata-se de lutar contra todas as formas de disciplinamento e controle dos trabalhadores pelos capitalistas, em todas as escalas e onde quer que se exerça este poder – inclusive no interior das organizações da sociedade civil.

5 COMENTÁRIOS

  1. Manolo, muito boas as sínteses e a contraposição dos dois quadros teóricos, com os respectivos desdobramentos na prática política. Fica mais clara a razão pela qual as variantes do leninismo – que faz do partido (“[Príncipe]de novo tipo”) o protótipo de um Estado (“de novo tipo”) – acabam formando quadros políticos para o Capital, com muita experiência na disciplinarização hierárquica e negociação do trabalho militante alheio, e quase nenhuma na instituição de relações igualitárias e coletivistas. O mesmo vale para uma espécie de horror desproporcional frente ao “Mercado”, a “lógica do mercado”, o consumismo e a alienação (que miram bem nas duas pontas, burguesa e proletária), e uma desatenção notável em relação às técnicas de submissão e vigilância cotidiana das maiorias proletárias nos locais de trabalho, de estudo e nas cidades (parte do trabalho de gestão capitalista).

    A tópica do Estado Ampliado nos ajuda a perceber a renovação e atualização da sociedade política, sua complexidade, a polaridade esquerda e direita no corpo social etc. Já a abordagem bernardiana, o Estado Amplo, pela simples alteração do foco – da hegemonia às relações de produção – parece muito mais instrumentalizável ao interesse direto dos trabalhadores (do que ao de suas representações no Estado).

    Mas eu creio que não entendi bem o ponto do “fora e contra o Estado”, que não representaria o campo da sociedade civil (ou sociedade civilizada, burguesa, em termos talvez mais marxianos). Grosso modo, o João Bernardo diz no Economia dos Conflitos Sociais que no capitalismo todas as lutas dos trabalhadores tendem ao fracasso, no sentido de que nossas conquistas são incorporadas aos mecanismos da mais-valia, com aumento da produtividade – e, por ser assim, haveremos de vencer de fato apenas a “luta final”. Se para trilharmos esse caminho de forma mais firme, atravessando os ciclos da luta de classe, não devemos abrir mão de nossa autonomia “disputando”-ocupando espaços no Estado Restrito, nos aparelhos de gestão pública, a verdade é que todas as nossas lutas se dão em um espaço – seja um setor produtivo (do Capital) ou um aparelho ideológico (de Estado). Então nesses espaços, para nos mantermos enquanto classe “fora e contra o Estado”, só nos cabe dispor de algo como uma tecnologia de luta ou uma tradição/cultura política não-hierarquizante e coletivista?

  2. Por partes, então.

    1) “…no capitalismo todas as lutas dos trabalhadores tendem ao fracasso, no sentido de que nossas conquistas são incorporadas aos mecanismos da mais-valia, com aumento da produtividade – e, por ser assim, haveremos de vencer de fato apenas a ‘luta final’.” Este é o óbvio ululante. Mas observe: “tendem a”. Quer dizer, podem fracassar, podem ser exitosas, mas há mais chances de que fracassem — e é sobre as pequenas chances de êxito, tão concretas quanto as de fracasso enquanto durarem as lutas, que construímos nossas utopias.

    2) “Fora e contra” tem um sentido polêmico muito específico, que neste texto pensei ter ficado explícito, mas não ficou. Vejamos.

    2.1) O fio condutor do texto é o Estado, mais especificamente o Estado Amplo/Ampliado. Não tal ou qual governo, não tal ou qual regime, mas o Estado. Sendo assim, trata-se de analisar não a conjuntura, não o efêmero, mas sim a estrutura, o mais profundo das instituições. Trata-se de uma análise sociológica e política extremamente abstrata, portanto, realizada num nível lógico, não num nível histórico. Tendo como premissa que o texto parte deste nível e tenta concretizá-lo num plano histórico (o que náo é fácil, especialmente para o público a quem ele originalmente se direcionava), entende-se melhor as diferenças.

    2.2) Na teoria de Gramsci, as instituições criadas pelos trabalhadores e aquelas criadas pelos capitalistas partilham um “espaço institucional” comum, que alguns afirmam ser pré-existente e trans-histórico, e outros afirmam ser transitório e relacional (ou seja, só existe na medida em que tais instituições antagônicas persistirem). É o Estado Ampliado. Em ambos os casos, este Estado Ampliado é, na falta de expressão melhor, “neutro” em relação às instituições que nele existem, numa interpretação, ou que o formam e constituem, noutra interpretação. Pode servir para uma coisa ou para outra, para um lado ou para outro; não tem dinâmica própria, senão aquela que lhe é pelos antagonismos que o compõem.

    2.3) Na teoria de João Bernardo, o Estado Amplo é um “bloco” complexo de instituições voltado, todo ele, contra os trabalhadores, mesmo naquilo que aparentemente os beneficia (v. o caso da mais-valia relativa). Aos trabalhadores em luta resta criar outras intituicões em seu processo de luta, contrárias a este “bloco”. E como o resultado das lutas não é dado de antemão, mas sim pela correlação de forças de cada momento, cada derrota tende a amalgamar estas novas instituições com aquelas já existentes no Estado (Amplo ou Restrito), reforçando os mecanismos de exploração e dinamizando o próprio capitalismo.

    2.4) Daí ser “fora e contra”: por esta perspectiva, não há como um elemento do Estado ser usado para destruí-lo. Pode resultar em melhorias nas condições de vida e de trabalho, mas não elimina a exploração como que “por decreto”.

    2.5) Vindo do plano lógico ao plano histórico, o que fazer nas lutas cotidianas? Aguardar impavidamente pela “invenção do novo”? Ou esperar que algum teórico, intelectual, acadêmico etc. vá aboiando pelo caminho até ele? Não. Não acho que nenhum trabalhador tenha esperado pela “invenção” dos sindicatos para se rebelar contra suas condições de trabalho, assim como, para falar de algo que me é mais próximo, não acho que esperaram por programas habitacionais para conseguirem suas casas. Foram fazendo, acertando e errando, e criando formas de luta inesperadas, que atacavam onde menos se esperava. A chave, tal como vejo as coisas, está aí nestes fatores. Tudo o mais é passível de cálculo, de previsão, de planejamento — e nisto, convenhamos, os capitalistas se especializaram.

    3) Mas pode ser que sua dúvida esteja em outra chave de leitura que não abordei. Qual seja: “será que não dá para eu ser um funcionário público, ou um sindicalista, ou um cipista, qualquer coisa assim, e contribuir, do lugar onde estou, para as lutas sociais?” Pois então: seja bem-vindo à ambiguidade do mundo dos gestores — os que não são nem de lá, nem de cá, mas tendem a mandar lá e cá. Usar estes lugares para contribuir com as lutas implicaria numa tal subversão destes lugares que eles, mesmo que momentaneamente, ou perderiam o sentido ou estariam sendo reinventados — não pelo gestor que o ocupa, mas pelas lutas que impuseram tal subversão. Dou exemplos concretos.

    3.1) Nunca vi uma só greve nas universidades públicas, pelo menos enquanto fui estudante numa delas, em que a lógica hierárquica entre professores e estudantes haja sido subvertida; cada categoria paralisa, os sindicatos docentes dão apoio material aos “meninos”, depois volta todo mundo ao normal e à mesma pasmaceira. Já em algumas ocupações de escolas por secundaristas, a julgar por relatos que me chegam e outros publicados no Passa Palavra, a relação professor-aluno tem sido subvertida, e também a relação escola-comunidade; não é à-toa que o MBL centrou seu primeiro congresso em táticas para debelar ocupações. A escola, nestes casos, permanece aparelho ideológico de Estado (na linha althusseriana que você referencia em seu comentário) ou virou outra coisa?

    3.2) No início da década de 1980, uma empresa carioca de ônibus chamada Glória, em estado falimentar, foi posta para funcionar pelos trabalhadores. Na época, os créditos trabalhistas tinham precedência sobre quaisquer outros, então o sindicato arrematou a empresa e os trabalhadores a puseram para rodar “sozinhos” (com apoio do sindicato e de seu corpo técnico). Com o tempo, cobrando a mesma tarifa, conseguiram melhorar o estado dos veículos, alterar linhas para atender à demanda da população, e estavam já para adquirir novos veículos quando os empresários deram uma reviravolta no processo e tomaram a empresa de volta, vendendo-a em seguida. O sindicato, neste caso, foi mero agenciador de preço de mão-de-obra, ou foi subvertido pelos trabalhadores como instrumento para se apropriar da empresa?

    3.3) Conhece os casos de Lages e Boa Esperança? Se não os conhece, pesquise sobre eles, e compare isto com o que vieram a ser as “políticas públicas participativas” posteriores à Constituição de 1988.

  3. DIALÉTICA heracliteANABATISTA:

    chicago86 ‏@chicago86 21 h há 21 horas
    E’ la lotta che crea l’organizzazione (1961): http://www.chicago86.org/archivio-storico/lotte-operaie-anni-60-70/miscellanea-lotte-operaie/150-e-la-lotta-che-crea-lorganizzazione.html … #lottadiclasse #scioperogenerale #sciopero

    ana batista
    ‏@AnaEraklitob
    @chicago86 @ElSalariado
    E a organização, criada pela luta: a) singulariza o partido histórico ou b) reitera o partido formal. Se b) trairá.

  4. Obrigado, Manolo. Ficou mais claro a partir dos exemplos históricos.

    Entendi que o “xis da questão”, nessa abordagem, se coloca sobre a criação de novas instituições em meio a processos de luta. Até haveria uma margem para voltar algumas instituições já incorporadas pelo Estado contra ele, mas uma “margem” imposta pelas lutas (não pela boa vontade de seus gestores), em meio a um processo que reconfigura de modo radical estas instituições – o que me parece romper com algumas interpretações mais sectárias e essencialistas sobre o sindicalismo, por exemplo, como é o caso dos conselhistas.

    Nenhum aparelho ou instituição ou “operador político” está, de antemão, livre de um desvirtuamento, mas creio ser politicamente importante também pensar isso ao contrário: nenhuma instituição incorporada ao capitalismo está livre de contradições e de fissuras, e estas – a meu ver – merecem ALGUMA atenção, o que não é o mesmo que dizer, como os eurocomunistas dos anos 1970, que o Estado se alargou de tal maneira que é possível disputá-lo em suas margens.

    Nesse sentido, Manolo, o que haveria para se reter das experiências de Lages e Boa Esperança (e Piracicaba tb, na mesma conjuntura da segunda metade dos anos 1970)? Em Lages, o orçamento destinado às obras públicas passou a ser gerido diretamente por associações de bairro (o que não se deu com o Orçamento Participativo de Porto Alegre). Em Boa Esperança, não foi muito diferente. Em Piracicaba foram criados vários conselhos com participação popular, inclusive para definir as tarifas municipais. A Constituição de 1988 é “Cidadã” também por instituir um ordenamento público em grande medida “municipalista”. Peguei esse exemplo, dentre os que você citou, porque algumas perspectivas em torno do municipalismo de esquerda têm sido reanimadas – Chiapas, Rojava, Espanha, EUA (http://www.sinpermiso.info/textos/los-estados-unidos-necesitan-una-red-de-ciudades-rebeldes-que-plante-cara-a-trump) – e certamente o grande furo delas, penso eu, é a falta de articulações com o sistema produtivo. De articulações anticapitalistas, para ser mais preciso, pois as articulações capitalistas, sim, foram reconhecidas e exploradas pelo Banco Mundial e o Terceiro Setor.

    Concordo com o Ulisses e sua dialética heraclitoanabatista: a organização criada pela luta pode singularizar o partido histórico ou reiterar o partido formal. Temos sido historicamente expropriados de nossas iniciativas, de nossas formas de organização e de nossos nomes. Foi o João Bernardo, em algum comentário aqui, que me chamou a atenção para isso: a burguesia e os gestores vão tomando para si todas as nossas denominações: progressistas, social-democratas. socialistas, comunistas, dos trabalhadores,… Como fugir disso? Não se apaixonando pelos nomes, pelas cores e pelas formas…

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