O prefeito não entendeu que não entramos em greve para negociar redução de danos. Por Servidor
A greve dos servidores municipais de Florianópolis (SC) completou um mês de greve na sexta-feira (17) . A paralisação histórica foi motivada pelo pacote de 40 medidas enviado à Câmara de Vereadores às pressas pelo prefeito recém empossado Gean Loureiro (PMDB). A votação foi feita em regime de urgência, sem que o vereadores soubessem do inteiro teor das emendas e todas as medidas que estavam sendo votadas. A justificativa para os cortes previstos é a crise financeira pela qual passa o município. Segundo a gestão anterior o défice é de 90 milhões. Conforme a nova gestão, a dívida municipal chegaria a 1 bilhão e meio.
Em meio a tanta incerteza e falta de transparência, principalmente sobre as contas do município, as 40 medidas foram encaminhadas para apreciação e votação num prazo de 12 dias. No 1º dia de votação, a até então pacífica manifestação em frente à Câmara Municipal se transformou num ato de guerra, com o lançamento de bombas de gás, balas de borracha e spray de pimenta contra os servidores. O princípio do conflito foi filmado e mostra a ação inicial da guarda municipal – apoiada pela polícia militar e pela patrulha tática (nunca antes vista em manifestações dos servidores municipais) – direcionando jatos de spray de pimenta contra os servidores, que solicitavam que o áudio da sessão extraordinária fosse retomado para que todas as pessoas do lado de fora pudessem acompanhar as discussões e votações. As sessões seguintes para votação de todas as medidas do pacote foram feitas a portas fechadas, sem a presença de qualquer cidadão na tribuna. Os servidores se mantêm em greve desde então reivindicando que o prefeito revogue as leis que afetam o serviço público.
Durante as mesas de negociação, vereadores da base e os secretários da Casa Civil, Administração e Fazenda deixaram muito claro que desconhecem profundamente o funcionamento dos serviços de saúde, educação e assistência social do município. Por exemplo, entre as medidas estavam a diminuição das férias das auxiliares de sala de 65 para 30 dias. O que eles não sabiam é que as escolas ficam fechadas durante todo esse período e não existe atividade administrativa ou de planejamento que elas possam fazer com as escolas fechadas. Outro exemplo de ignorância acerca do funcionamento da cidade foi o suposto impacto financeiro da licença-prêmio: 1 milhão de reais por ano. O que os vereadores da situação e os secretários municipais não sabiam é que não existe reposição do servidor que entra em licença-prêmio, ou seja, sua equipe de trabalho se adapta durante o período que o funcionário goza de sua licença, e assim, não existe gasto a mais, mas sim aquele que já estava destinado ao pagamento do servidor. As mesas de negociação se constituíram num processo pedagógico e didático para os vereadores da situação e para secretários municipais a fim de entender sobre o funcionamento do município e, ironicamente, entender sobre os direitos que propuseram cortar. Parece que estavam querendo reformar uma casa, mas sequer haviam visto a casa ou o projeto antes.
O presente do prefeito
As medidas do pacote propõem o fim do plano de carreira dos servidores, cancelam e/ou diminuem direitos trabalhistas (triênio, hora-extra, hora-plantão, licença-prêmio, fim das gratificações, etc), a fusão os fundos previdenciários (que o prefeito disse durante a campanha eleitoral que não faria), aumento da alíquota da previdência. O pacote também prevê uma reforma administrativa que intenciona diminuir o número de cargos comissionados e dar agilidade ao serviço público. Na prática, ela não gera economia e substitui cargos operacionais e técnicos, que custam em torno de 3-4 mil reais, pelos cargos de superintendentes (entendidos como cargos para os 15 partidos que apoiaram o prefeito) que custam 9.660 por mês. A reforma retira de cena cargos práticos (gerentes) e troca por cargos administrativos sem função prática como os superintendentes. A mudança, segundo cálculos do gabinete do vereador Gabriel Meurer, aumenta em cerca de 500 mil reais o orçamento anual do município.
A primeira capital a oferecer cobertura total da atenção primária e recebendo bonificação especial do governo federal por isso, terá o Fundo Municipal de Saúde extinto, criando uma conta única do município, de acordo com o pacote. O Fundo é um recurso constitucional obrigatório a todos o municípios para o investimento em saúde e para onde governo do Estado e o Ministério da Saúde repassam os recursos destinados à Saúde. Sem o Fundo, a prefeitura descumpre um requisito constitucional para o recebimento do governo estadual e do federal, responsável por custear 40% do Programa Saúde da Família (PSF). A retirada desse recurso inviabiliza o funcionamento da saúde do município, o atendimento dos Postos de Saúde, o pagamento dos profissionais e a compra de insumos.
Além das medidas que afetam diretamente o serviço público, estão inúmeras outras medidas que ferem o Plano Diretor da cidade e afrouxam a legislação ambiental (libera de fiscalização municipal construções de até 750m², institui parcerias público-privadas para desapropriações e regulariza todas as construções feitas até 31/12/16, inclui projeto de lei que reduz o ITBI (Imposto sobre Transferência de Bense Imóveis), institui o voluntariado na prefeitura e libera a criação de parcerias público-privadas para praticamente qualquer atividade no município.
Organização da luta
Tão logo deflagrada a greve, uma série de ações e frentes se formaram:
– Articulação entre os profissionais das unidades de saúde;
– Reuniões do corpo clínico de médicos, do conselho de enfermagem e técnicos de enfermagem;
– Reuniões comunitárias, envolvendo membros dos conselhos locais de saúde, associação de pais e professores, moradores, membros dos conselhos de segurança das comunidades, vereadores e assessores;
– Logo após a data prevista para o retorno das aulas, também se iniciaram reuniões entre os professores, diretores e auxiliares de sala;
– Apoio e solidariedade de diversas entidades profissionais, sindicatos, cartas de apoio de núcleos e centros de ensino de universidades (saúde pública UFSC, FAED UDESC);
– Se contarmos por baixo, pelo menos 20 comunidades/bairros de Florianópolis tem se organizado e realizado discussões e atos descentralizados (Lagoa, Barra da Lagoa, Campeche, Morro das Pedras, Armação, Costa de Dentro, Ribeirão da Ilha, Ingleses, Itacorubi, Agronômica, Córrego Grande, Prainha, Saco Grande, Canasvieiras, Ratones, Coqueiros, Morrodo Horácio, Jardim Atlântico, Coloninha, Costeira, Rio Vermelho…)
– Caminhadas e passeatas nas comunidades;
– O personagem Super-SUS dialogando com a população nos terminais de ônibus;
– Boi de mamão das creches municipais nos atos;
– Expressões de arte popular nas assembleias e nos grandes atos no centro da cidade (ontem o maracatu Arrasta Ilha embalou grande parte do ato pelas ruas do centro até o terminal central);
– Aulas públicas em ruas e praças. No bairro Saco Grande professores levaram inclusive as carteiras para o meio da rua;
– Atendimento durante as manifestações nas comunidades;
– Tenda do Cuidado: acupuntura, auriculoterapia, massagem, reiki durante assembleias no centro da cidade.
O sindicato dos municipários, Sintrasem, foi o grande aglutinador dos trabalhadores municipais. No início da greve, como o Magistério estava de férias, foram os trabalhadores do quadro civil, basicamente saúde e assistência social, que mantiveram o movimento forte. O prefeito convocou a Câmara durante o recesso e conseguiu aprovar as medidas em poucos dias, mas por apenas um voto de diferença: 12 a 11, no caso da votação do projeto de lei que extingue o plano de carreira e retira direitos trabalhistas (alterando a lei 063 que rege o estatuto dos servidores). Os servidores já estavam na rua protestando quando as medidas foram aprovadas, e continuaram de braços cruzados, ao mesmo tempo em que organizavam grandes manifestações. Há de se destacar a união dos trabalhadores nunca antes vista na história recente do município. Numa das assembleias, a direção do sindicato recomendava a suspensão da greve para aguardar a chegada dos profissionais da educação e ganhar força política e, surpreendentemente, foi a categoria médica uma das que mais puxaram o movimento na direção de manter a greve e aguardar a chegada do Magistério. Em diversas outras ocasiões, os médicos fizeram movimentos separados e não aderiam oficialmente às greves organizadas pelo Sintrasem.
Dentro desse processo, é importante evidenciar o papel ativo dos vereadores da oposição que se articularam e constituem um importante foco de resistência: uma improvável aliança entre PSOL, PT, PP e PDT. O PDT aliás, dando uma demonstração do desgaste político e da reviravolta porque passou para a base de governo, mas anunciou na última semana sua saída oficial. Impressionante também foi o movimento autônomo e conectado via redes sociais, Facebook e Whatsapp: assim que anunciadas as datas de votação, uma avalanche de mensagens compartilhavam os números de telefone dos gabinetes e dos celulares dos vereadores com a ideia de pressioná-los para votarem favor dos serviços públicos. Outro acontecimento marcante foi a vinda do ministro da Saúde poucos dias depois do pacote ter sido aprovado. Segundo noticiou a imprensa local, o ministro apresentaria a proposta de “simplificação do SUS”. Um eufemismo grosseiro se juntarmos as falas iniciais do ministro assim que assumiu sobre “rever o tamanho do SUS” e a proposta dos planos populares de saúde, se juntarmos tais propostas com as consequências das medidas aprovadas aqui tem-se uma clara visão da intenção de precarização do serviço público, muito provavelmente para na sequência oferecer a privatização da saúde como alternativa, como planos populares de saúde, EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), Organizações Sociais (OS), fundações.
No dia em que completamos um mês de greve, a Prefeitura enviou alteração de 11 medidas do pacote, mas parece que Gean Loureiro não entendeu o peso do movimento. Na próxima assembleia devemos manter a greve, pois não entramos para negociar redução de danos. A não ser que exista uma proposta mais avançada, a luta ainda é #NenhumDireitoaMenos.
Espero que o movimento não seja conduzido pelas burocracias sindicais através de manobras mas sim pelos próprios trabalhadores e trabalhadoras em greve.
Que se radicalize a luta! As cadeiras de plástico não serão suficientes.
A “proposta mais avançada” é, sem dúvida, a autogestão popular e só será construīda de baixo pra cima e da periferia para o centro.