O ódio crescente pelo sindicato ocorre não por outro motivo que a transmissão do ajuste fiscal macrista para os trabalhadores. Por Primo Jonas

Na semana do dia 5 ao 9 de junho explodiu uma grande greve selvagem dos motoristas de ônibus na cidade de Córdoba, capital. O contexto desta luta está marcado pela intervenção da seção provincial do sindicato (UTA Córdoba) pela Secretaria Geral do sindicato a nível nacional. Os motoristas de Córdoba recusaram o acordo salarial assinado pela direção nacional, de aumento de 21% dividido em três parcelas (frente aos quase 40% de inflação do ano anterior), e assim começou uma greve que contou com uma notória presença de delegadas mulheres como referências da luta – motoristas de trólebus – e que tinha como um dos principais alvos a direção nacional do sindicato e a condução provincial interventora. Próximo ao final da semana se somavam mais de 100 demissões de ativistas engajados nas paralisações; por outro lado, alguns sindicatos locais somavam seus apoios, alguns de forma mais discursiva, outros colocando o corpo, mas em geral muito interessados em ganhar exposição e influência política em um ano de eleições legislativas nacionais. A seção provincial da CGT de Córdoba, central à qual a UTA está filiada, convocou mobilizações em solidariedade, num magríssimo ensaio de reviver os fogos daquele 1968, quando trabalhadores e estudantes tomaram controle da cidade por pouco mais de um dia, no que ficou conhecido como o Cordobazo, mas terminou sendo apenas uma tímida convocatória de marcha. Durante as mobilizações, outro ator que entrou em cena foram os bate-paus da UTA, que hospitalizaram mais de um motorista.

Na segunda-feira 12 de junho, início da segunda semana de greve, a frente patronal, apoiada pelos governos municipal, estadual e nacional, além da própria UTA!, conseguiu garantir a circulação de duas linhas pela cidade, sendo cada ônibus escoltado por um gendarme em seu interior [a gendarmeria é a polícia das fronteiras na Argentina, mas também é costumeiramente mobilizada como tropa de choque em conflitos sociais]. Boa parte da população estava contra a greve, dada a hegemonia garantida da frente patronal e também pela falta de estratégias alternativas por parte dos grevistas, o que também ajudou em muito que a greve fosse fracassada e que a luta agora, ao final da segunda semana de conflitos, esteja limitada à reincorporação dos trabalhadores e trabalhadoras despedidas. A direção do sindicato não perde tempo e propõe negociar a reincorporação daqueles em troca da eliminação dos foros trabalhistas especiais dos delegados e o desconhecimento destes por parte dos demitidos.

Mas o espírito aguerrido da greve selvagem de Córdoba inflama os ânimos em Buenos Aires daqueles que já vêm sofrendo nas mãos da UTA faz algum tempo. A situação de perseguição gremial [sindical] na linha 60, um dos setores mais combativos, parece nunca ter fim. No final do ano passado, David Ramallo, um mecânico da cabeceira de Barracas, morreu esmagado por um ônibus enquanto o reparava, devido ao mal funcionamento de um elevador de reparações (que havia sido denunciado por David poucos dias antes em um vídeo gravado com seu celular). Os companheiros que estavam presentes paralisaram o trabalho imediatamente para prestar auxílios e ver como proceder frente à situação. Enquanto isso, um supervisor repreendia os trabalhadores, mandando-os imediatamente de volta ao seus postos de trabalho, chegando a ofendê-los: frente a esta provocação baixa em um momento tão delicado, os trabalhadores entraram em sua cabine e demonstraram fisicamente a grande indignação com sua atitude. O mesmo fizeram com um par de motoristas carneiros que pretendiam seguir trabalhando. A empresa usou estes episódios como desculpa para perseguir e despedir mais de 10 trabalhadores, o que levou a uma paralisação de um dia da linha e o plano de realizar novamente a não-cobrança de passagens – evitado por uma decisão favorável na justiça contra as demissões. Durante os dias em que este conflito ia tomando forma, a casa de um dos delegados da 60 foi incendiada criminosamente; por sorte o fogo foi controlado a tempo pois toda sua família se encontrava dentro.

Outro episódio trágico que ocorreu justamente nas semanas de conflito em Córdoba foi a morte de um motorista no bairro de Claypole, vitimado por uma bala perdida na cabeça durante a madrugada do dia 14 para o 15; 62 linhas da Zona Sul da Grande Buenos Aires paralisaram os serviços em luto pelo companheiro e para reclamar por mais segurança em seus trabalhos. A mídia não perdeu tempo para tentar transformar a recente chama acendida nas bases dos motoristas para pautar a questão da insegurança como bandeira dos motoristas. Mas a enorme presença da polícia em todas as mobilizações gremiais destes mesmos motoristas não deixa muitas dúvidas das prioridades desta instituição que alguns ainda teimam em tomar como “mais um trabalhador”, e na segunda convocatória dos “Motoristas Autoconvocados em Luta” foi feito um minuto de silêncio pelo companheiro falecido, mas a questão da insegurança estava longe de ser a pauta central. Um aumento de acordo com a inflação e um plano de saúde de qualidade eram as demandas econômicas, além de expressões claras de indignação com a atual condução pró-patronal, a famosa burocracia sindical. A forte presença policial no ato tinha como objetivo principal evitar que os motoristas se mobilizassem até a sede da UTA nacional, a umas quatro quadras da praça Once, onde ocorria o ato. Se isso acontecesse, como o foi há poucos dias na primeira convocatória, poderia haver um morto – de qualquer um dos lados.

Este ódio crescente pela condução da UTA e seu secretário geral, Roberto Fernandez, ocorre não por outro motivo que a transmissão do ajuste fiscal macrista para os trabalhadores vinculados de forma indireta com o Estado. Há aproximadamente 2 meses, o sindicato patronal das empresas de ônibus da cidade de Buenos Aires começou a colocar cartazes nos ônibus dizendo, com uma retórica vitimista, que “frente a uma atitude inflexível do Estado, é indispensável reduzir os serviços para sobreviver”. Este e outros cartazes espalhados em diversos ônibus de diversas linhas da cidade eram o resultado de um fracasso nas negociações com o governo Macri visando o incremento dos valores repassados para as empresas. Com a negativa de aumentar os subsídios e a negativa de aumentar o preço da passagem (em pleno ano eleitoral), o sindicato patronal decide então que, para garantir os lucros, deverá piorar os serviços – para os usuários – e ajustar no bolso dos seus trabalhadores, e nada mais útil que um sindicato para essa tarefa – especialmente com um secretário geral tão engajado em solucionar os problemas das empresas.

Desde que Mauricio Macri assumiu o mandato presidencial, foi modificada a distribuição das licitações das linhas de ônibus. Depois de romper o acordo com a brasileira Agrale, foram fechados contratos com duas importantes companhias automotivas: Mercedes Benz e Volkswagen. Com a primeira, após um tratado na Alemanha, foram favorecidos os representantes locais da firma: Prieto e Romero Feris. A escolha da Volkswagen responde aos interesses do Ministro de Transporte da Nação, Guillermo Dietrich, que tem a concessão argentina desta firma e tem impulsionado a renovação da frota de ônibus e caminhões com sua própria companhia. [1] (Anred)

Este novo ambiente de negócios do transporte urbano vai se refletindo em uma reconfiguração das paradas de ônibus em Buenos Aires, cada vez mais distantes entre si, uma menor frequência entre carros e também na precarização das condições de trabalho, com tempos mais apertados entre viagens, viagens não contabilizadas na folha de pagamento e eventuais danos físicos aos trabalhadores, como no caso fatal de David Ramallo. Também vemos que o Estado vai criando suas próprias trincheiras para essa luta de classes: em Córdoba, findadas as jornadas de luta dos motoristas, o parlamento provincial acaba de votar a integração do transporte urbano como “serviço essencial”, restringindo a liberdade de greve no setor. Os trabalhadores respondem com mobilizações e convocatórias – dentro da cultura de luta que cada setor tem em seu repertório, muitas vezes insuficiente ou contando com baixa adesão e pouca solidariedade dos demais trabalhadores. O primeiro inimigo, e dos mais perigosos, é a condução do próprio sindicato, todo cuidado é pouco para encarar os métodos mafiosos que este já demonstrou utilizar. Essa batalha particular se dá num nível de corpo-a-corpo que a maioria das repressões policiais não tem. Se, quando se fala em “tarefas revolucionárias”, a importância de “recuperar os sindicatos” muitas vezes cai na ambiguidade do surgimento ou da aspiração de novas camadas de gestores, fato é que o salto moral e as aprendizagens concretizadas com uma tal “recuperação” feita na prática e numa luta tão renhida expressam de tal maneira a luta proletária que não seria fácil menosprezar seus ganhos.

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