Essas lutas mostram que os trabalhadores não precisam de profissionais (legalizados) nem de grandes aparatos para superar o medo e se organizar. Por Angry Workers of the World
Leia as partes 1 e 2 deste artigo.
5. Observações críticas
Não estamos dizendo que podemos simplesmente copiar as coisas que estão acontecendo em outros lugares, sob condições levemente diferentes. Mas podemos tentar aprender com essas experiências. Além dos aspectos positivos das lutas, podemos conseguir enxergar alguns problemas nas entrelinhas, por exemplo: apoio externo é bom e pode ajudar a fazer as coisas deslancharem, principalmente em termos de dar confiança para que os trabalhadores deem eles próprios passos coletivamente, mas, depois de um tempo, ações de confronto e visibilidade como bloqueios cairão inevitavelmente na mira da polícia. Nós precisamos construir também estruturas dentro do local de trabalho – clandestinas, se necessário – que consigam garantir a pressão de maneiras que as chefias terão dificuldade de reprimir: trabalhar mais devagar, sem que as pessoas precisem expor seus rostos etc. Não podemos depender completamente de apoiadores de tempo integral.
Tentamos conversar com quatro ou cinco militantes do SI Cobas, todos ainda trabalhando em galpões, sobre as estratégias do SI Cobas e a nossa situação no oeste de Londres. Perguntamos aos militantes por quais motivos eles acham que umas lutas são vitoriosas e outras não – se eles veem razões objetivas para isso. Obviamente é difícil ter uma discussão franca se você acabou de conhecer as pessoas, mas a maior parte das respostas foi de que apenas 5% das lutas terminaram “derrotadas” até aquele momento (o que é, sem dúvidas, uma questão de interpretação!) e que o principal motivo para isso era que ou os trabalhadores não foram combativos o suficiente ou a repressão estatal foi forte demais (por exemplo, o caso da IKEA que explicaremos abaixo). Todo mundo dizia, basicamente que a “unidade” é a chave para uma luta ter sucesso e que a disposição a se sacrificar é parte necessária disso. Essas talvez sejam as respostas adequadas quando você quer recrutar mais membros para a sua organização – mas deixam pouca margem para que outros trabalhadores entendam e aprendam as dificuldades das lutas passadas. Até onde soubemos, não há nenhum texto publicado pelo SI Cobas que reflita criticamente sobre as lutas dos últimos sete anos.
“Agora todos sabem que nós podemos conquistar condições de trabalho melhores através da luta, e essa é uma arma essencial: se nós estivermos unidos, podemos superar o medo e vencer qualquer combate.”
Aqui vão alguns pontos mais detalhados:
Repressão estatal
Com o tempo, conforme o SI Cobas cresceu e os trabalhadores foram se mobilizando mais, a polícia e os caribinieri (polícia militar) começaram a aparecer com mais frequência e em número maior. Eles reconheceram os perigos potenciais dessa crescente militância e mobilização de massas, encarando-as, corretamente, como um movimento político. Tem uma série de vídeos no YouTube mostrando a truculência e brutalidade usada contra os manifestantes. Os galpões começaram a enviar pedidos de indenização ao SI Cobas por causa do dinheiro perdido devido a interrupções e invasões. Pouco tempo depois, pela primeira vez na história da Itália, um sindicalista foi condenado à prisão por convocar uma greve. Muitos ativistas foram banidos de cidades inteiras. Sob essa reação estatal, havia ainda o usual emprego de gangues da máfia para aterrorizar e ameaçar figuras-chave das lutas, por exemplo queimando carros e espancando pessoas.
Foi bom ver que os bloqueios realmente pareciam ser, na maioria, organizados pelos próprios trabalhadores, por trabalhadores de outros galpões e com o envolvimento de outros trabalhadores imigrantes que moram nos squats. Mas, por mais que essa tática de bloquear e ter apoio externo para construir uma confiança entre os trabalhadores tenha amplamente dado certo até agora, ela vai atingir um limite inevitável. Nós nunca seremos capazes de desarmar aqueles que têm um monopólio das armas. A pergunta que fizemos aos nossos camaradas de Bolonha foi: que coisas vocês vêm tentando fazer para aplicar a pressão DENTRO dos galpões, no dia a dia, num nível mais invisível? Ainda que saibamos que ações de militantes com bandeiras e faixas cumpram um certo objetivo, especialmente para os sindicatos que querem mostrar força e atrair mais trabalhadores, o lado negativo é que os trabalhadores que expõem seus rostos são perseguidos e acabam, tanto eles quanto os apoiadores, sendo demitidos, condenados à prisão ou com prisão domiciliar.
Delegados
Há um delegado para cada 80 trabalhadores. Os trabalhadores militantes são “delegados” para o SI Cobas, o que significa que eles podem deixar o trabalho para atividades sindicais sem correrem o risco de serem imediatamente demitidos. Não temos certeza de até que ponto se estende essa “proteção legal” nem o quanto os gestores aceitam que uma demissão possa criar mais problemas do que o necessário (talvez haja a esperança de que, se um delegado faz mais agitação fora, então ele vai arranjar menos problema “dentro de casa”). De todo modo, esses delegados são impressionantes. Eles vão a todos os piquetes, conversam com todo mundo, fazem falas, tocam o trabalho organizativo, motivam as pessoas, entretêm os visitantes internacionais. Todo mundo os conhece, e eles conhecem todo mundo. Seu comprometimento nesse sentido não pode ser exagerado. Ainda há o óbvio risco de esgotamento ou de vitimização, e não é coincidência que sejam todos homens jovens, sem filhos para cuidar. Nessa situação, é mais fácil falar em “sacrifício” como a força motriz de uma luta.
Pudemos observar também o potencial da distância entre os delegados e os trabalhadores crescer, na medida em que eles passam menos tempo trabalhando, assumem mais responsabilidades sindicais e são tratados como heróis em todo lugar que vão. Num encontro que fomos do SI Cobas, alguém reclamou que os delegados não organizavam suas reuniões mensais, o que quer dizer que os trabalhadores dependem dos delegados para chamar uma reunião. Quando temos “oradores natos”, pessoas amigáveis e carismáticas assumindo papéis centrais em, por exemplo, negociações, podemos enxergar como o poder pode ficar centralizado. Isso acontece de várias formas, por exemplo: delegados oficiais falam e trabalhadores escutam; no filme e em conversas, é comum que os trabalhadores se refiram ao SI Cobas como um tipo de “ajuda externa”, mais do que como uma coordenação deles próprios. Nos parece haver, no SI Cobas, uma preocupação em distribuir mais amplamente as responsabilidades “militantes”, mas não sabemos de que formas isso acontece.
Dependência da esquerda
Na esteira da questão da dependência exagerada de apoiadores externos, diríamos também que “a esquerda” é um parceiro instável. Na medida em que diferentes grupos políticos chegam juntos durante essas lutas, fragmentações e rachas são inevitáveis, especialmente quando aparecem as questões de estratégia – sem querer mencionar detalhes, depois de apenas seis dias na cidade nós já ficamos preocupados com a crescente tensão entre os diferentes grupos. Uma forma de lidar com isso é construir mais apoio entre os próprios trabalhadores. O SI Cobas parece estar conseguindo fazer isso – muitos piquetes e atos são feitos pelos trabalhadores dos próprios galpões e de outros. Isso exige uma coordenação contínua.
Problema da estrutura sindical oficial
Ainda que enxerguemos horizontes novos nessas lutas, também vemos alguns problemas que são expressões de problemas mais gerais, o que acontece uma vez que a luta ocorre em uma “organização sindical reconhecida”. Ainda que o SI Cobas seja um sindicato dirigido pelos trabalhadores, ele ainda tem as questões de cumprir seu papel como um sindicato registrado, mesmo não possuindo uma equipe remunerada e de tempo integral. Eles precisam lidar não apenas com a coordenação das lutas, mas com trabalho de imprensa, cuidados com trabalhadores individuais, indenizações, batalhas legais e reclamações disciplinares.
Soma-se a isso:
a) Sendo legal e oficial, o sindicato pode ser perseguido, por exemplo com a perda de seu reconhecimento legal; se não prepararmos os trabalhadores para isso, o impacto pode ser devastador.
b) O sindicato favorece certas ações em detrimento de outras, o que, ainda que seja bom para que eles cresçam, pode também ir contra os interesses dos trabalhadores. Isto é, eles fazem mais lutas combativas com visibilidade, como bloqueios para chamar atenção, mas isso também pode fazer com que mais trabalhadores sejam demitidos ou perseguidos. Isso também mostra que “bloqueios” não são simplesmente uma questão tática (do que fazer quando se é uma minoria), mas algo intrinsecamente ligado à forma organizativa de ser principalmente uma “organização de filiados”.
c) A necessidade de atrair mais trabalhadores também significa que há uma tentação em só se falar sobre as vitórias, o que dificulta reflexões abertas e críticas sobre o que os trabalhadores podem conquistar sob diferentes condições.
d) A competição entre organizações é agravada pela estratégia das gerências em fazer acordos com outros sindicatos. Por exemplo, durante a luta na SDA, os gerentes assinaram um contrato com os sindicatos CGIL, CISL e UIL NAZIONALE, que foi um contrato semelhante ao contrato nacional acordado com o SI Cobas, apesar das desvantagens no auxílio-doença e outros pagamentos extras. Nesse sentido, a gerência foi capaz de usar os diferentes interesses dos vários sindicatos para dividir os trabalhadores; “disputa de território” entre as organizações – e finalmente entre grupos de trabalhadores – são comuns, vide o exemplo dos recentes ataques à membros do SI Cobas em Roma.
e) A gestão tenta usar reestruturações para minar a base de poder do SI Cobas (vide o relato do SDA abaixo); quando perguntamos se a “automatização” nos centros de distribuição de correspondências era uma ameaça real ou apenas um blefe dos patrões, tivemos várias respostas diferentes; quando alguns delegados diziam que era apenas um blefe – talvez para manter o moral dos trabalhadores em alta – isso pode sair pela culatra, conduzindo os trabalhadores a uma luta que não poderá ser vencida tão facilmente. Da mesma forma, a terceirização do Poste Italiane para a CDA ou a operação da TNT pela FEDEX eram debatidas mais em termos de como isso iria minar formalmente a base do SI Cobas, e menos no que diz respeito a quais dificuldades ou novas conexões isso poderia criar entre os trabalhadores no interior e fora dessas empresas.
6. Conclusões
Num mar de medo, onde reina a mentalidade de que não há nada a fazer, essas lutas na Itália nos dão um vislumbre de esperança de que essa situação se inverta e podem se tornar uma referência para mais trabalhadores. Elas também mostram que os trabalhadores não precisam de profissionais (legalizados) nem de grandes aparatos para superar o medo e se organizar.
Mas como nada comparável a isso está acontecendo no Reino Unido, a primeira questão é como alguma coisa pode começar? Ter um sindicato de base, dirigido por trabalhadores, pode ser um bom primeiro passo. Trabalhadores talvez se sintam mais seguros sabendo que têm um “apoio sindical”, mas mesmo do ponto de vista da proteção legal, isso é bastante ilusório. Na Itália, por causa das diferenças de como um sindicato pode funcionar, o SI Cobas conseguiu ser, até agora, uma ferramenta útil para construir uma coletividade mais ampla da classe trabalhadora – através de vários locais trabalho, ao mesmo tempo em que abrangeu um campo mais amplo que só as empresas, conectando-se à esquerda em geral e ao meio dos centros sociais.
Mas essa forma tem seus limites. A repressão estatal e a estrutura de delegados indicam que outras formas (mais invisíveis) precisam ser encontradas para colocar mais pressão sobre os patrões e generalizar a luta. Se entrar em um sindicato base significar ter 150 apoiadores que apareçam nos portões e fortaleçam os trabalhadores de dentro, então ótimo. Mas se não for isso, então precisamos pensar em outras coisas. Nesse meio tempo, nós experimentamos e trocamos experiências do que as pessoas estão fazendo no dia a dia para resistir às pressões da gestão e conseguir mais que meras migalhas. E enquanto nós tentamos criar coordenações internacionais de apoio prático, principalmente em empresas como a Amazon, nós queremos também encorajar um debate e reflexão aberto: quais lutas foram de fato efetivas e por quê, o quão auto-organizadas são nossas estruturas etc.?
Esse debate também mostra quais problemas são de fato específicos a uma luta em particular e quais se conectam mais genericamente à forma organizativa, por exemplo, os sindicatos de base. Uma coisa que nós podemos fazer é retomar o desenvolvimento de sindicatos como o SUD na França, que começou como o SI Cobas e se tornou “institucionalizado” num tempo relativamente curto [12].
7. Cronologia das lutas
As informações desse levantamento foram tiradas de várias fontes e, temos que admitir, o material que encontramos era por vezes contraditório e em geral curto demais para podermos realmente entender os pontos fortes e fracos de cada enfrentamento ou as conclusões daqueles que se envolveram. Se alguém tiver mais informações ou adendos, por favor coloque!
Nome da empresa: Bennet (hipermercado)
Quando? 2008
Onde? Origgio, norte de Milão
Principais pautas: Baixos salários e folhas de pagamento falsificadas
O que aconteceu? Alguns trabalhadores entraram em contato com militantes do pequeno sindicato de base SLAI Cobas e, através de sua ligação com a cena política de Milão, organizaram o primeiro piquete fora dos portões do galpão. Eles foram surpreendidos com a esquerda radical de Milão, que normalmente é rachada e heterogênea, reunindo 150 pessoas do lado de fora dos portões para apoiar o piquete. Foram 5 greves em 5 meses.
Desfecho: O resultado foi o aumento de 40 centavos a hora, uma bonificação de 500 euros, a readmissão de um colega demitido, a transferência de dois gerentes racistas e o reconhecimento do sindicato e dos delegados. Houve 28 processos judiciais contra apoiadores, três dos quais foram sentenciados a dois meses de prisão em liberdade condicional. Após o término do conflito na Bennet, mais trabalhadores começaram a se organizar no SI Cobas, saindo dos seus próprios locais de trabalho para ir apoiar trabalhadores de outras “cooperativas” que estavam piquetando.
Nome da empresa: GLS (subsidiária da Royal Mail)
Quando? 2009
Onde? Cerro, Milão
Principais pautas: Não-pagamento de horas extra, pagamento irregular, assédio, carga e ritmo de trabalho exaustivos.
O que aconteceu? O Estado viu o perigo dessas lutas e provavelmente ocorreu um acordo por trás dos panos entre a empresa e o ministro de governo: foi mobilizado um contingente massivo de policiais contra os trabalhadores em greve. Cerca de 50 agentes policiais ficaram em guarda vigiando os portões durante 43 dias, 24 horas. Virou uma zona proibida.
Desfecho: A greve foi derrotada com 16-18 trabalhadores demitidos (ainda que tenham sido reintegrados um ano depois, com compensação). Mas os inúmeros esforços para impedir os bloqueios levaram o conflito à luz da cena pública e fez com que mais trabalhadores e militantes ficassem sabendo do que estava acontecendo. Daí em diante, várias greves proliferaram e os trabalhadores e militantes que se envolveram fundaram o sindicato de base SI Cobas a partir do SLAI Cobas.
Nome da empresa: TNT (entrega de correspondências e encomendas) [13]
Quando? 2011
Onde? Piacenza
Principais pautas: A cooperativa tentou aumentar massivamente a carga e o ritmo de trabalho, ao mesmo tempo que falsificava folhas de pagamento e não garantia as horas. A remuneração mínima era de 6 euros a hora.
O que aconteceu? Cerca de 20 dos 380 começaram a se organizar indo de porta em porta onde eles viviam para conversar com colegas de trabalho sobre os contratos e as folhas de pagamento. Quando reuniram mais gente e concordaram em entrar em greve, eles tentaram obter algum apoio sindical porque sabiam que precisariam de ajuda no processo de negociação. Primeiro entraram em contato com os grandes sindicatos (CGIL, CISL e UIL) e logo se deram conta de que eles não se posicionariam do seu lado.
Desfecho: A luta terminou com uma vitória no atacado. Os trabalhadores conseguiram a implementação de um contrato nacional e um número de horas fixo (168h por mês), o salário mínimo comum, pagamento de férias e Natal, auxílio-doença e, somado a isso, tickets de alimentação. No todo, um aumento salarial incrível. A notícia dessa conquista se espalhou que nem um incêndio em Piacenza e Bolonha. Agora, 80% da força de trabalho da TNT é filiada à SI Cobas, com todo poder organizativo que isso traz.
Após vencer a luta contra a TNT, mobilizações apoiadas pelo SI Cobas rapidamente chegaram a outros galpões: Gesco North GLS, o grupo Antonio Ferrari, Bartolini. A partir daí, as lutas se espalharam para o resto da região norte e centro-sul da Itália, por exemplo a SDA em Roma.
Nome da empresa: IKEA (empresa de móveis) [14]
Quando? Junho de 2012
Onde? Piacenza
Principais pautas: Eles queriam a implementação do acordo salarial nacional. A Ikea também tinha subido a meta de descargas diárias de 12 a 13 para 35 “linhas de armazenagem”.
O que aconteceu? Um delegado do SI Cobas e dois trabalhadores marroquinos da TNT foram à IKEA para convencer os trabalhadores, um por um, a começarem a se organizar. Após a primeira greve, foi firmada uma negociação introduzindo o acordo coletivo nacional, a dignidade dos empregados e o reconhecimento sindical. Mas isso nunca foi posto em prática. Poucos meses depois, a cooperativa tentou voltar às condições anteriores à greve: cortaram a maior parte das horas dos empregados, de forma que eles passaram ser forçados a ficar em casa dois dias por semana e ganhar apenas 400 euros ao mês. Quando a produtividade caiu, todo mundo teve que trabalhar para além do horário. Eles triplicaram a média de cargas por hora e então, em outubro, demitiram 12 trabalhadores e suspenderam 90 que resistiram ao novo ritmo de trabalho. A cada dia, de outubro de 2012 a janeiro de 2013, trabalhadores e apoiadores bloquearam o galpão exigindo a reintegração dos trabalhadores demitidos. Três deles voltaram. Em 2 de novembro, a polícia interveio com extrema violência, deixando 20 pessoas feridas e cerca de 30 foram processadas.
Aconteceram reuniões ao longo desse período, mas a IKEA não se movia. Em 18 de dezembro, estudantes, trabalhadores precários, coletivos políticos e centros sociais de Piacenza e Bolonha organizaram um piquete na loja da IKEA na entrada da cidade. Ainda que a polícia tenha atacado os manifestantes, muitos clientes da IKEA expressaram solidariedade aos trabalhadores, reconhecendo uma condição comum de precariedade. Assim, bloqueios e piquetes no galpão da IKEA em Piacenza se repetiram durante o natal e até o começo de janeiro, quando a empresa aceitou reintegrar os 9 trabalhadores restantes.
Desfecho: Em junho de 2014, 24 trabalhadores foram demitidos novamente. Ambos os portões nos dois galpões de Piacenza foram bloqueados, mas eles ainda não foram reintegrados. Em março de 2015, todos exceto um receberam um pagamento de recisão de 15 mil euros. Os demais 125 membros do SI Cobas dentro do galpão não conseguiram encontrar um jeito de colocar pressão suficiente nos patrões durante a disputa, enquanto a “campanha de solidariedade” internacional sobretudo simbólica naufragava.
Greve nacional dos trabalhadores da logística
Quando? Março de 2013
Onde? Milão (o centro econômico do país) e Bolonha, Pádua, Verona e Treviso (todo norte industrial da Itália)
Principais pautas: A greve reivindicava um novo acordo nacional para os trabalhadores de logística, que incluísse: o direito de ter seus empregos preservados após mudanças de contrato; o reconhecimento do status de empregado (nas cooperativas os trabalhadores são forçados, em geral, a ser associados, arcando com gastos e falta de proteção); aumento nos salários e mais proteção contra lesões e doenças.
Antonio Forlando, um empregado da UPS e gerente de loja em Milão disse: ”A negociação do novo contrato deve se fechar em abril, ‘mas, até agora, o mínimo que eu posso dizer é que os trabalhadores não estão devidamente informados das reivindicações de seus patrões’. Essas reivindicações incluem aumentar a jornada semanal de 39 para 40 horas sem aumentar o pagamento, reduzir as férias e folgas remuneradas, fazer dos domingos um dia de trabalho normal e, para os recém-contratados, tirar o bônus usual. Os empregadores também querem estender de 3 para 4 horas o tempo de espera no intervalo entre os turnos dos trabalhadores de galpões. ‘Hoje, esses trabalhadores podem ser escalados para um turno matutino das, digamos, 6h às 10h da manhã… Depois disso, eles devem voltar a trabalhar entre as 13h e as 17h. Isso já está arrebentando com a vida deles, mas esticar o tempo de intervalo seria ainda pior, porque significaria a possibilidade de um dia de trabalho com 12 horas“
O que aconteceu? Milhares de trabalhadores de empresas de logística e entregas de encomendas como a TNT, UPS, DHL, Polo Logistico e outras paralisaram em uma “greve geral” de 24 horas. Na pequena cidade de Anzola, houve um tumulto com a polícia durante um piquete que os trabalhadores estavam fazendo no galpão da rede de supermercados COOP para barrar quem tentasse furar e impedir a saída das mercadorias. Essa greve foi a primeira tentativa de coordenar à nível nacional, num dia de ação unificado, as lutas de trabalhadores de logística que vinham irrompendo ao longo dos anos.
Nome da empresa: Granarolo (produtora internacional de leite e laticínios que opera na China, Europa e África)
Quando? 2013
Onde? Bolonha
Onde? Bolonha
Formas de subcontratação: Num arranjo subcontratual complicado, os trabalhadores lá trabalhavam através de cooperativas que são integrantes de uma associação de cooperativas chamada Grupo de Serviço Bolonha (SGB). Por sua vez, essas cooperativas trabalham para uma firma de logística chamada CTL que é parte do contratante da Granarolo. A Granarolo é, ela própria, uma empresa cujo dono é uma cooperativa, a Consorzio Granlatte, que integra o Legacoop, uma associação que reúne cerca de 15000 cooperativas, que protege os interesses de grandes grupos como a Granarolo e serve de braço econômico ao Partido Democrático.
Principais pautas: A Legacoop decidiu cortar os salários dos trabalhadores em 35% – a partir de um salário que já estava calculado errado. Eles recebiam cerca de 1000-1200 euros num mês, incluindo horas extras, o que caiu para 600-700 euros. Legacoop culpou a crise financeira global pelo corte, mesmo com os trabalhadores trabalhando para além da jornada!
O que aconteceu? Os trabalhadores da Granarolo decidiram fazer alguma coisa com os trabalhadores da Cogefrin (importação e exportação de plástico), que estavam na mesma cooperativa e sofreram o mesmo corte no pagamento. As associações sindicais maiores e mais estabelecidas disseram a eles que nada podiam ser feito uma vez que o acordo já havia sido assinado e que eles deveriam se considerar sortudos por ainda terem um emprego. Eles se aproximaram do SI Cobas, que disse a eles que se auto-organizassem e entrassem em greve, o que eles fizeram em maio. No dia seguinte à greve, os 51 trabalhadores que tinham participado foram todos demitidos. Eles foram à Delegacia do Trabalho, aos caribineiri (polícia militar) e à polícia para reclamar quanto à sua demissão. Após a inevitável falta de reação, eles bloquearam o galpão junto com trabalhadores de outras empresas. Nesse momento, o Estado interveio imediatamente com violência e intimidação. No dia seguinte os trabalhadores voltaram ao bloqueio. E de novo, no dia seguinte, por um mês, dois, três…
A Legacoop interveio. O galpão que havia demitido as pessoas, as associações sindicais, e os chefes de polícia assinaram um acordo dizendo que alguns dos trabalhadores seriam readmitidos, e futuras negociações discutiriam a volta dos demais se o bloqueio acabasse. Os trabalhadores concordaram. Durante esse período, os trabalhadores sustentaram eles mesmos um fundo de greve pago por trabalhadores de galpões e apoiadores.
Mas, no fim de outubro, ninguém havia sido readmitido. No dia em que o acordo expirou, os trabalhadores voltaram para o que foi chamado de uma “semana de paixão” [15]. O galpão foi bloqueado por um dia inteiro pelos trabalhadores e seus apoiadores, alguns dos centros sociais locais e de squats. Houve um sério ataque à noite, após nove horas de bloqueio, mas no dia seguinte, compareceram o dobro de pessoas e o SI Cobas convocou uma greve regional. Houve outro sério ataque da polícia, e se convocou uma greve nacional.
Em janeiro de 2014, uma nova estratégia de bloqueios selvagens foi posta em prática após a Granarolo tentar adaptar seu planejamento logístico para lidar com os bloqueios da madrugada. Mais repressão policial se seguiu. Dois trabalhadores foram hospitalizados, cinco outros terminaram presos pela polícia, sendo que dois haviam sido detidos sem qualquer evidência. Nesse meio tempo, mais de cem trabalhadores voltaram aos portões, conforme as atividades eram paralisadas em outros galpões na província de Bolonha. Uma marcha de solidariedade caminhou por Milão. O Anonymous se juntou à briga derrubando o site da Granarolo à tarde e mesmo organizando um bombardeio de acessos para obstrtuir os canais da empresa e da polícia. 1000 pessoas da Granarolo e de outros galpões da região marcharam em Bolonha no dia 1º de fevereiro de 2014.
Desfecho: Os trabalhadores na Granarolo conquistaram condições melhores, mas não há mais membros do SI Cobas no interior.
Nome da empresa: Yoox (roupas online)
Quando? 2014
Onde? Bolonha
Principais pautas: Assédio sexual dos chefes homens, pressão por metas, baixos salários e as condições em geral (por exemplo, não permitiam que eles conversassem entre si).
O que aconteceu? Um pequeno grupo de trabalhadoras entrou em greve, foi demitido e, após mais três dias de greve, readmitido.
Desfecho: As pressões por metas foram aliviadas, conseguiram salários melhores, os chefes homens foram substituídos por mulheres. Eles ainda não tem o piso salarial estabelecido no acordo nacional e algumas mulheres do SI Cobas foram transferidas para galpões mais distantes. Essas primeiras greves não se materializaram num aumento significativo de filiados no SI Cobas. Mais recentemente, três mulheres foram suspensas (com pagamento completo) mas houve uma greve para trazê-las de volta ao trabalho em junho de 2015. Como resultado da greve, elas agora voltaram ao emprego, mas outras acabaram sendo suspensas por terem enfrentado os seguranças.
Nome da empresa: SDA (subsidiária da Poste Italiane, distribuição de encomendas)
Quando? 2015
Onde? Bolonha
Principais pautas: Trabalhadores queriam impor o mesmo acordo nacional que fora obtido na TNT, BRT e GLS.
O que aconteceu? Nos dias 23 e 24 de abril de 2015, o SI Cobas e o ADL Cobas organizaram uma greve nacional nos centros de distribuição da SDA (que são alguma das fortalezas do SI Cobas) a fim de impor o mesmo acordo nacional que fora obtido na TNT, BRT e GLS. A SDA só concordou com algumas reivindicações e deixou uma lacuna para caso o contrato com as cooperativas mudasse.
Desfecho: Em resposta à greve nacional, a SDA decidiu fechar o centro de distribuição de Bolonha entre os dias 27 de abril e 12 de maio, afetando cerca de 500 trabalhadores. Militantes nos disseram que o trabalho foi transferido para um centro de distribuição em Florença, que fica a uma distância de cerca de uma hora e meia de carro. Um panfleto do SI Cobas dizia que esse fechamento pretendia quebrar a resistência dos trabalhadores de Bolonha, mas acabou não tendo esse impacto sobre os trabalhadores – mesmo a lei burguesa, acrescentavam, viu o fechamento como ilegítimo. Antes de fechar, a gerência de Bolonha tentara dividir os trabalhadores de várias outras maneiras, por exemplo introduzindo uma segunda cooperativa como sócia de trabalho.
Houveram quatro reuniões na Prefettura (prefeitura municipal, que também acolhe o presidente da polícia) entre os dias 4 e 8 de maio, mas sem resultado. No dia 7 de maio, a SDA assinou com o CGIL, CISL e o UIL NAZIONALE um acordo parecido com o contrato nacional negociado com o SI Cobas, porém com desvantagens na garantia do auxílio-doença e outros pagamentos extra. Então a gestão conseguiu usar os interesses diferentes dos vários sindicatos para dividir os trabalhadores. Outro momento dessa divisão na SDA foi que, durante a greve nacional convocada pelo SI Cobas, membros do USB, outro sindicato de base, foram trabalhar. Ex-delegados do SI Cobas que haviam sido revogados após não representarem os interesses dos trabalhadores tinham entrado para o USB e, junto a eles, mais alguns trabalhadores.
Nós não temos certeza quanto aos acontecimentos seguintes. Pelo que entendemos, a SDA basicamente disse que fará com que a maioria dos 500 trabalhadores do centro de distribuição fique desnecessária em função da mecanização da seleção de encomendas. Alguns militantes questionaram o quanto isso tinha realmente a ver com a mecanização e o quanto isso era uma ameaça ao SI Cobas. O presidente da SDA apresentou uma lista de 300 trabalhadores que poderiam voltar ao trabalho, e a lista excluía os delegados do SI Cobas e os trabalhadores mais ativos. Entre 12 e 14 de maio, ocorreram várias reuniões e protestos que reuniram por volta de 300 trabalhadores da SDA, recusando-se a assinar a lista de excedentes da gestão. No dia 14 de maio, os trabalhadores da SDA de Bolonha entraram em greve contra uma nova lista, que ainda excluía alguns trabalhadores – os caras do USB foram trabalhar. Situação parecida aconteceu no 15 de maio, ainda que dessa vez 200 policiais apareceram no depósito. SI Cobas falou para a polícia que, se eles não se retirassem, haveriam greves de solidariedade em outros depósitos da SDA, o que funcionou.
Quando viajamos à Bolonha no dia 20 de maio, o cenário era ainda de que cerca de dez delegados do SI Cobas tinham sido excluídos da lista. Durante o fim da tarde houve um bloqueio do depósito da SDA nas periferias de Bolonha. Cerca de 150 trabalhadores da SDA participaram. Em Roma, o SI Cobas organizou um bloqueio semelhante, mas quando a polícia recuou por um instante, alguns “motoristas de caminhão” do depósito atacaram o piquete do SI Cobas com bastões e quatro trabalhadores tiveram que ser levados ao hospital. Não ficou claro quem eram esses “motoristas”: alguns disseram que os chefes da cooperativa eram fascistas, outros disseram que eram 40 membros do CGIL.
Perguntamos aos militantes se eles viam a possibilidade de expandir o conflito para o Poste Italiane, mas disseram que esses trabalhadores teriam muito medo. Enquanto isso, estão ocorrendo novas reestruturações em empresas onde o SI Cobas é ativo, por exemplo a TNT da Itália que foi comprada pela FEDEX, e isso pode ter um impacto nos acordos negociados.
Notas
[12] Im Süden nichts Neues – Essa é uma boa entrevista com um ex-ativista do sindicato de base SUD – infelizmente, disponível apenas em francês e alemão. O SUD surgiu na França em fins dos anos 1990. O camarada entrevistado foi um delegado de “tempo integral”, trabalhando nos correios. Ele relata que a estrutura interna era consideravelmente basista durante os primeiros anos, até o ponto em que as eleições para conselhos de trabalho começaram no France Post em 1994: o SUD virou o segundo maior sindicato no setor de telecomunicações, e o terceiro nos correios. Delegados começaram a participar de várias mesas (saúde e segurança etc). Ele também descreve os problemas envolvendo a aliança com a CGT durante as mobilizações do serviço pública de 1995.
[13] The Revolution in Logistics, entrevista com Mohamed Arafat.
[14] Ikea dismisses 24 workers in Piacenza, Italy.
[15] Granarolo, from january 20th to 25h – a week of passion.
Traduzido por Passa Palavra a partir do original inglês publicado pelo grupo Angry Workers of the World em julho de 2015. Este artigo será publicado semanalmente em três partes:
Parte I: Introdução
Parte II: Semelhanças e diferenças entre a Itália e Inglaterra
Parte III: Reflexões críticas e cronologia das lutas