Impotente frente aqueles camaradas que me impediam de erguer minha bandeira, singrei rumo ao bar, o que me importava a escravidão da Líbia se nem mais podia erguer minha bandeira. Por Douglas Rodrigues Barros
Sentado de novo sobre os degraus do Velho Theatro municipal, não entendo muito bem a expressão nervosa do homem à minha frente. Na escuridão de um meio dia de verão, no céu e toda sua batalha de nuvens cinzentas indiferentes, lá estava eu com as pernas recolhidas observando os faroletes do carro de polícia brilharem nas costas do homem que ainda gesticulava. Não sei quanto a você, mas eu não sou dado a retórica e argumentação, quando falam alto me recolho como aquele personagem de Angústia do velho Graça.
Uma cena sem dúvida pós-apocalíptica, uma cor cinza com odor, um mendigo com um saco de papai Noel nas costas e eu querendo erguer minha bandeira. Entre o trepidar dos carros sacolejantes, a rua entulhada de gente e lixo, uma moça que sendo muito bonita carregava, contudo, um olhar atarefado, um barulho silencioso de buzinas lá pelos lados da galeria do Rock e uma rouquidão no céu que dava seu alarme de chuva. Me perdia nos detalhes, enquanto eles cuspiam os fardos e depositavam em nossas caras descrentes os mil quilos de crença sobre o retorno às origens.
Não poderíamos erguer nossas bandeiras, e pior, não eram policiais, nem sequer membros da extrema-direita que nos impediam. Diziam-se de esquerda. Monotonia na minha retina, segundo eles, era preciso construir um Estado para os povos originários de matriz africana, afinal eu nem era um negro “retinto”, pior, eu era muito aculturado e europeizado. “Sua organização é muito mista companheiro!”.
Não queria brigar, não queria nem argumentar para que não se sentisse o hálito da fome em minha boca causado por 50 quilômetros de trem. Chorei por dentro, descrente e sem mais entusiasmo. Impotente frente àqueles camaradas que me impediam de erguer minha bandeira, singrei rumo ao bar, o que me importava a escravidão da Líbia se nem mais podia erguer minha bandeira.
Com certeza as nobilitações do meu arrependimento se dariam pelo egoísmo. “Porra cruzei a cidade e não poderei erguer minha bandeira”, pensei. Minhas culpas no poço sem fundo das minhas ignorâncias, um fio de indignação sem nome. Entro no bar, sorri uma garota leve que ganha corpo de madona em seguida. “Uma cerveja amigo!”, peço. Homens passam encharcados, observo o reflexo deles no chão molhado, reflito na fala de meu amigo: “melhor não levar isso para a reunião para não dividir ainda mais o movimento!”, enquanto no alto-falante da televisão o Datena acompanhava a perseguição policial contra dois homens pretos numa CG 150.
Douglas Rodrigues Barros
08 de dezembro de 2017
“Crônica escrita na traseira de folheto socialista
entre cervejas e indagações”
Agora, entendi!