Por Leo Vinicius
Se indivíduos e organizações de esquerda não aprenderam em junho de 2013 que o nacionalismo é inimigo da classe trabalhadora, fazendo parte de um imaginário social que serve para frear o avanço de conquistas sociais e das organizações da classe trabalhadora, certamente nunca aprenderão.
O texto abaixo foi escrito em julho de 2013, como memória descritiva do que havia ocorrido no mês anterior, de alguém de fora dos acontecimentos, a partir da perspectiva da luta contra aumento das tarifas de transporte, que desencadeou o que ficou conhecido posteriormente como “junho de 2013”. Essa memória não foi publicada anteriormente e nenhuma modificação no texto foi feita para a publicação agora.
Nove anos se passaram desde a primeira revolta da catraca de 2004 em Florianópolis. Se nessa primeira revolta que barraria um aumento de tarifa do transporte coletivo numa cidade brasileira nessa geração ou composição de classe, este que escreve era próximo mas não parte da Campanha pelo Passe Livre de Florianópolis; se na segunda revolta em 2005 eu era parte do já denominado Movimento Passe Livre de Florianópolis; em 2013, por outro lado, estou na condição acima de tudo de observador, e de ex-militante do MPL.
Mobilizações massivas que se espalharam pelo país em junho de 2013. Mobilizações de rua como não se via há pelo menos vinte anos no país, num fenômeno que causou surpresa a quase todos os grupos sociais. Não é necessário dizer, pois é de conhecimento geral neste momento da história, que elas tiveram como origem a luta contra o aumento das tarifas em algumas cidades, especialmente em São Paulo, onde o Movimento Passe Livre foi o principal protagonista e mobilizador, fruto de uma militância e de atividades há nove anos. No momento em que escrevo, 100 cidades tiveram tarifas de transporte coletivo reduzidas devido às manifestações, ou antecipando-se a elas.
A história geral das manifestações de junho de 2013 no Brasil é de conhecimento de todo anticapitalista que tenha vivido nessas terras durante o período. E certamente o entendimento da evolução dessas manifestações, dentro da dinâmica da luta de classes e da movimentação de peças no tabuleiro dessa luta, é consensual ou próximo disso entre anticapitalistas. Por isso é desnecessário me alongar sobre aspectos descritivos, embora seja necessário descrever sumariamente momentos importantes para contextualizar possíveis reflexões posteriores [1].
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Em maio deste ano (2013), o aumento das tarifas de ônibus foi revogado em Porto Alegre, fruto das mobilizações que levaram milhares às ruas. Posteriormente em Natal e ainda na primeira quinzena de junho, o mesmo ocorreu em Goiânia, também fruto de mobilizações. Mas essas lutas não tiveram a mesma repercussão na grande imprensa como tiveram as mobilizações contra o aumento ocorridas em São Paulo, e em menor medida, no Rio de Janeiro. É verdade que São Paulo é a maior cidade do país, a que concentra maior população e capital, e o que ocorre nela tende a virar notícia nacional. Mas o fato é que a grande dimensão nacional que ganham os acontecimentos em São Paulo através da grande imprensa são desproporcionais até mesmo em relação ao seu peso relativo em termos de população e capital. Mas não cabe aqui tentar levantar hipóteses para esse fato, até porque não as tenho. O que é certo é que foram as crescentes e contundentes manifestações pela revogação do aumento das tarifas em São Paulo que, na evolução dos acontecimentos, levou à eclosão de protestos pelo país durante o mês de junho, levando estimadamente mais de 1 milhão de pessoas às ruas num único dia.
Até o terceiro ato puxado pelo MPL de São Paulo contra o aumento das tarifas do transporte coletivo, dia 11 de junho, não havia nada propriamente diferente do script de manifestações de rua: violência e arbitrariedade policial e judicial, criminalização efetuada pela grande imprensa e pelos governantes de todos os partidos. Mas havia, sim, de diferente a quantidade de pessoas, crescendo a cada manifestação, passando possivelmente das dez mil, tomando ruas do centro, com confrontos na simbólica Avenida Paulista. E se a imprensa criminalizou é porque elas estavam imprimindo sua marca de anomalia no cotidiano da cidade, e ganhavam, pela sua forma e tamanho, o noticiário dessa mesma imprensa. A opinião pública ia sendo moldada contra os manifestantes. E de longe a impressão que eu tinha era de que conseguir inserção e influenciar a grande imprensa de São Paulo é mais difícil do que em cidades menores: a imprensa de São Paulo não é propriamente local, mas sim a nacional, e por isso o controle sobre seu conteúdo talvez seja maior por parte dos donos e editores…
Mas no quarto ato, quinta-feira, dia 13 de junho, que deve ficar conhecido como um dia de reviravolta nos acontecimentos de “junho de 2013”, a polícia fez o trabalho que era necessário para reverter a opinião pública. A brutalidade policial foi tão grande, incentivada por editoriais dos grandes jornais publicados naquele dia, que resultou em inúmeros feridos, entre eles vários jornalistas, e centenas de presos, muitos dos quais “presos para averiguação” – uma figura jurídica inexistente. Vídeos e relatos da brutalidade não faltaram, que além de tudo vitimaram pessoas da chamada “classe média” na região central de São Paulo, o que tornava a brutalidade menos invisível.
Não é difícil imaginar a tensão que deve ter se instalado dentro das redações dos jornais, especialmente da Folha de São Paulo, que teve sete jornalistas feridos. A indignação dos jornalistas provavelmente fez diminuir o poder dos donos sobre as redações. Até mesmo um vídeo produzido pelo PSTU, como amostra da violência policial no dia anterior, foi publicado como matéria pela Folha.
A opinião pública era rapidamente revertida em favor dos manifestantes, ou do direito de se manifestar, e contra a atuação da polícia. Além disso, como era costume em manifestações com essa composição social predominantemente juvenil, a violência policial costumava levar mais gente para a próxima manifestação.
A rapidez e simultaneidade com que o discurso da grande imprensa sobre as manifestações se alterou em 180 graus [2] e a postura de recuo do uso da polícia nas manifestações por parte do governo de São Paulo levam a crer que esteve em ação a partir de então uma verdadeira tática pensada e organizada por pelo menos uma importante fração da classe capitalista. Essa tática ficou logo clara, até mesmo antes da manifestação seguinte marcada para segunda-feira, dia 17 de junho: transformar as manifestações contra o aumento das tarifas do transporte coletivo, e agora também contra a sua repressão e criminalização, em manifestações cívicas de “descontentamento geral”, direcionadas a “sangrar” ou desgastar a popularidade da presidenta Dilma Rousseff. Um movimento ousado e inédito vindo da classe capitalista, que resultaria num fenômeno também inédito na história da luta de classes.
Essa mudança inédita de tática, em deixar o uso da polícia e tentar “aparelhar” ou “recuperar” as manifestações, possivelmente se deveu em grande parte à tensão e conflito que deve ter se instaurado dentro das redações – e sem o controle das redações, ou seja, sem a cobertura favorável, se tornaria desgastante reprimir as próximas manifestações, que provavelmente seriam ainda maiores. A isso pode ter se adicionado uma cisão no interior do próprio aparato repressivo (polícia) [3]. O fato é que os conflitos e cisões dentro dos aparelhos de controle costumam ter um papel nada desprezível no desenrolar das lutas e nos seus resultados.
Os procedimentos usados para efetivar essa mudança tática podem ser sintetizados no pedido do Comandante da PM de São Paulo para que o MPL incluísse na pauta dos protestos a prisão dos condenados no chamado “mensalão”[4].
A semana que começou no dia 16 de junho teve manifestações por inúmeras cidades do país, com números enormes. Mas já não eram manifestações propriamente de esquerda. A legitimidade que a grande imprensa estava dando para as pessoas irem às ruas se manifestar, ao mesmo que apontavam pautas que já não eram apenas sobre o transporte, levaram centenas de milhares de “caras-pintadas” para as ruas, numa espécie de revival do que ocorrera em 1992 quando do impeachment do então presidente Collor. Muitas sem sequer terem uma pauta que justificasse suas presenças ali. Passara a ser uma espécie de dever cívico ir às ruas. Continuavam em sintonia com o status quo. Saíam às ruas quando a grande imprensa apresentava isso como moral, legítimo e desejável, e quando a polícia não estava mais nas ruas para reprimir; e quando a própria Fiesp cobria a fachada do seu prédio na Avenida Paulista com uma bandeira do Brasil…[5] Em questão de pouquíssimos dias as manifestações deixaram de ser retratas como vandalismo para se tornarem atos cívicos apoiados pela burguesia.
Com uma diluição das pautas operada pela grande imprensa, era ela que tinha o maior poder de dar o sentido geral das manifestações, das pessoas terem ido às ruas como não se via há vinte anos, e assim direcioná-las como uma totalidade ao interesse da sua fração de classe. Mas ela evidentemente não tinha total controle do desenrolar dos acontecimentos e nem dos manifestantes (mesmo dos “caras-pintadas”) [6]. E assim como todos, também não poderia prever exatamente no que aquela onda iria resultar.
Em meio à multidão de “caras-pintadas”, ou “coxinhas” – como foram denominados pela esquerda –, que não eram mais do que a massa de indivíduos resultantes do trabalho de base diário realizado ininterruptamente pelos grandes meios de comunicação, a extrema-direita encontrou campo fértil para atacar até mesmo fisicamente militantes de partidos, sindicatos e movimentos sociais de esquerda. Essa base de “coxinhas”, que superou em muito a esquerda nas manifestações da semana do dia 16 de junho, tendo seu ápice no dia 20 de junho, trazia consigo bandeiras do Brasil, hino nacional, um repúdio aos partidos políticos e também a entidades, movimentos sociais, sindicatos, governos etc. Porém, nas palavras que li em algum lugar, não protestavam contra fatos (contra uma realidade), mas contra notícias. Quando vinham com alguma pauta, eram as dadas pelos noticiários de TV: corrupção, PEC 37 etc.
Pode-se dizer que essa ousada mudança tática dessa fração de classe, da qual os donos dos grandes meios de comunicação fazem parte, foi bastante bem sucedida, transformando uma campanha de mobilização nitidamente com valores e objetivos de esquerda em uma mobilização hegemonizada pela sua base (os “coxinhas”), e cujo sentido geral das manifestações passava em grande medida a estar sob seu controle. Nesse processo contraditório a redução das tarifas do transporte coletivo em São Paulo, no Rio de Janeiro e em diversas outras cidades acabou ocorrendo naquela mesma semana, e nesse sentido pode ter sido facilitada por essa própria mudança tática da classe capitalista que jogou centenas de milhares de pessoas a mais nas ruas, e que legitimou as “vozes das ruas” através de uma mudança de discurso, em vez de criminalizá-las.
No dia 20 de junho ficou muito claro o poder que os grandes meios de comunicação possuem. A polícia não estava mais nas ruas para reprimir (de uma forma geral e tomando principalmente o que ocorreu em São Paulo), mas a esquerda continuava apanhando, dessa vez de milícias e grupos fascistas, que atuavam com respaldo ou conivência da multidão de “coxinhas”, se sentindo à vontade em meio ao tom ufanista presente nas ruas. Nesse dia a TV Globo mudou sua grade de programação e cobriu as manifestações que ocorriam pelo Brasil ao vivo, deixando até mesmo de transmitir uma de suas novelas. Pela primeira vez em uma ou mais gerações, quem esteve nas ruas em grande parte das cidades (Salvador talvez sendo a única exceção dentre as capitais), teve a experiência de conhecer o fascismo (e não simplesmente os fascistas). Não à toa se viu também uma unidade de esquerda praticamente inimaginável não fosse a presença latente e muito real do fascismo. Embora retrospectivamente possa se encontrar razões políticas e principalmente econômicas para que não se encaminhasse um golpe de Estado, o fato é que a maioria da esquerda e dos militantes anticapitalistas devem ter ido dormir naquela noite, como eu, com temor de que os acontecimentos pudessem se encaminhar nesse sentido. E a história quando é feita possui caminhos em aberto, embora alguns sejam mais prováveis de se concretizarem do que outros…
Embora antes do dia 13 de junho tenham havido manifestações em alguns bairros periféricos contra o aumento das tarifas do transporte em São Paulo, como parte da campanha puxada pelo MPL, manifestações nas periferias das cidades só começaram a ocorrer, dentro da onda estimulada pela grande imprensa e pela ausência relativa de repressão policial, apenas no final da semana do dia 16 de junho. Provavelmente sentindo que poderiam protestar sem a particular barbárie policial que os espera, os moradores das periferias dos centros urbanos começaram a ir às ruas, fechar rodovias, com suas pautas em grande parte vindas da sua realidade cotidiana.
Como era de se esperar, na semana do dia 23 de junho as manifestações começaram a diminuir pelo Brasil, pelo menos em tamanho. Em parte pela diminuição de estímulo dado pela grande imprensa [7]. Os “coxinhas” foram então voltando para suas casas, e novamente os militantes de esquerda, os de sempre, voltaram a ter preponderância nas ruas, embora evidentemente com manifestações reduzidas em relação aos números da semana do dia 16 de junho.
Pequenas e grandes lições
Se algo ficou claro no junho de 2013 é o papel reacionário que desempenha o nacionalismo, quando não como base de sustentação do fascismo. Se indivíduos e organizações de esquerda não aprenderam em junho de 2013 que o nacionalismo é inimigo da classe trabalhadora, fazendo parte de um imaginário social que serve para frear o avanço de conquistas sociais e das organizações da classe trabalhadora, certamente nunca aprenderão.
Talvez um avanço maior no pós-13-de-junho pudesse ter ocorrido quanto à discussão do papel da polícia, do uso de bala de borracha, ou mesmo um avanço na discussão dos assassinatos de Maio de 2006. Porém esses temas que emergiram juntamente com a brutalidade da repressão a manifestantes, jornalistas e transeuntes em São Paulo, acabaram abafados pelo desenrolar dos acontecimentos e pelas manifestações posteriores, com suas pautas diluídas e suas guinadas à direita.
Antes de junho, São Paulo era uma cidade em que manifestações sumiam em meio à sua imensidão. Elas eram mal percebidas, pouco noticiadas. Cidade em que o capital e a velocidade que ele imprime à vida cotidiana engolem tudo e todos, e com uma polícia disposta a tudo para não deixar a normalidade cessar. O fato é que o desejável mas quase inimaginável aconteceu. São Paulo parou. Evidentemente o MPL teve papel primordial e protagonista. Talvez ainda mais desejável e menos imaginável é que, como consequência, a Tarifa Zero tenha sido alçada ao debate nacional, ganhando espaço considerável até mesmo na grande imprensa e nos seus telejornais. Um ganho enorme. A partir de agora ela nunca mais voltará a ser um tema de “radicais”, ou de um gueto político. A proposta, por ser racional, muito bem fundamentada e articulada, e tão bem exposta pelo MPL em meio à histórica paralisação de São Paulo, conquistou espaço entre as pessoas e ganhou muita legitimidade. No entanto é de se esperar que ela deixe de ser pauta do debate público pelos canais da grande imprensa à medida que mobilizações em seu favor deixam de mantê-la em evidência. E certamente o interesse da classe capitalista é enterrar esse debate, colocando-o no esquecimento.
O MPL passou a ser conhecido por grande parte da população, e por toda a imprensa. Seu capital político e simbólico deu um salto. E isso significa também maior monitoramento, e perseguição de agora em diante. Momento propício também para uma rearticulação nacional, dos coletivos locais que se mantêm e que voltaram a existir.
O que se viu em junho de 2013, após o dia 13, foi uma disputa entre esquerda e direita nas ruas. O MPL foi protagonista em reabrir as ruas como fonte de poder. Essa fonte de poder esteve na prática, inexistente há décadas. Se a direita foi para lá é porque a esquerda, através principalmente da atuação autônoma do MPL em relação a partidos e governos, tornou novamente as ruas uma fonte de poder. O embate esquerda-direita deixou depois de muito tempo o campo exclusivo das instituições do Estado e foi para as ruas.
Nessa experiência inédita se mostraram de forma explícita as dificuldades em trilhar um caminho de mudanças anticapitalistas: o grande poder que as classes capitalistas ainda exercem através dos seus meios de comunicação; a imensa base social que eles conseguem mobilizar – seja em qual classe econômica –; e como podem contar de imediato não somente com o monopólio da violência do Estado, mas também com milícias e grupos de extrema-direita dispostos a reprimir violentamente as organizações de esquerda. A maioria de nós provavelmente encontre ainda mais alegrias do que dores nas lutas, mas o fato é que à medida que lutamos e avançamos a reação resulta em perdas, sofrimentos, e todos os tipos de violência física e psicológica, a que todos idealmente devem estar preparados.
Existe uma lição histórica no junho de 2013 no Brasil. Um fenômeno nunca visto antes na história da luta de classes – se alguém tem outra referência nesse sentido, peço que compartilhe. E por nunca ter ocorrido antes, nos falta um conceito para nomeá-lo, que sintetize a sua compreensão. Trata-se da “transformação” de mobilizações de esquerda – originadas do campo da esquerda e com bandeiras de esquerda – em mobilizações hegemonizadas e direcionadas de alguma forma pela direita, apontando até mesmo a uma gênese de massas que alicerçam o fascismo. Tratar-se-ia de “ressignificação”, “aparelhamento”, “recuperação”, “manipulação”, “assimilação”? Creio que nenhuma dessas noções ou conceitos dá conta do fenômeno que ocorreu. Que mobilizações populares desencadeadas pela esquerda, com bandeiras de esquerda, possam ser reduzidas a uma espécie de estopim por serem transmutadas em seguida em mobilizações massivas direcionadas pela direita, através dos meios de comunicação, é um dado novo da luta de classes e que terá que ser levado em conta de agora em diante. A “mutação” ocorrida, agora não é mais uma tática desconhecida. Ela entrou no rol das possibilidades, para as quais os anticapitalistas devem estar preparados para lidar ou neutralizar na medida do possível.
Belo Horizonte
5 de julho de 2013
Notas:
[1] Como estive na posição de observador e não de militante do MPL, evidentemente minha descrição dos acontecimentos é a de observador e não de membro do MPL.
[2] A mudança do discurso de Arnaldo Jabor talvez seja o mais simbólico, ou o mais claro, mas refletiu a mudança de postura de toda a grande imprensa na implementação de uma nova tática para lidar com as manifestações e usá-las para seus propósitos.
[3] A seguinte notícia faz levantar essa hipótese. Cisão no comando explica recuo no uso da Tropa de Choque <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,bastidores-cisao-no-comando-explica-recuo-no-uso-da-tropa-de-choque,1043265,0.htm>
[4] Comandante-geral da PM pede protesto contra mensalão < http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2013-06-17/comandante-geral-da-pm-sugere-politizacao-de-protestos-em-sao-paulo.html>
[5] Segundo fui informado, a bandeira do Brasil que revestia o prédio da Fiesp foi uma coincidência, já estaria programada por conta de um evento.
[6] A grande imprensa era invariavelmente hostilizada nas manifestações a muitas das pautas que foram às ruas relacionavam-se aos gastos da Copa do Mundo, se voltando assim contra um evento economicamente importante da própria Rede Globo.
[7] Já haviam “sangrado” o suficiente a presidenta, havendo o receio que se a sangrassem demais, Lula voltaria a ser candidato em 2014. Além disso as manifestações em grande parte se voltavam contra os gastos na Copa do Mundo e na Copa das Confederações, que estava em disputa no momento, ambas sendo produtos que a Rede Globo havia investido muito dinheiro. E por último imagina-se que uma desestabilização do país não seria nada bom para a classe capitalista, pois afinal de contas não viviam crise e nem havia risco de “comunismo iminente”.
Creio que este texto é do acervo que os historiadores do futuro consultarão para entender esta data, cujo trabalho historiográfico será medir em que medida o calor dos eventos afeta a própria análise. Bem, serei eu um historiador do futuro, embora sem diploma e sem tanto futuro.
O texto é de uma data extremamente próximo aos acontecimentos e mostra alguns sinais da época, que se potenciam com a proximidade do autor com a organização: super-estimação do MPL, caracterização do movimento como “anticapitalista”, super-estimação da direita e uma estranha surpresa com o poder dos meios de comunicação burgueses (“No dia 20 de junho ficou muito claro o poder que os grandes meios de comunicação possuem.”)
A natureza “anticapitalista” do MPL, para começo de história, já é uma premissa estranha. Se bem existem sementes em vários rincões da terra, talvez esta super-estimação seja justamente um dos grandes erros da análise final: as mobilizações não eram “de esquerda” e passaram a ser “de direita”. A composição das manifestações do MPL, ao menos em São Paulo, nunca teve uma coesão ideológica e em termos sociais sempre expressaram uma minoria da classe trabalhadora especializada em formação, com pouca ou quase nenhuma inserção nos processos produtivos. A pauta em si mesma sim expressava um interesse de classe, e isso foi o combustível para a radicalidade e para a legitimidade social dos protestos. Se por um lado esta composição frágil facilitava o ambiente de “revolta popular” e o “transbordamento” da frágil direção, era também o que permitia que qualquer “golpe” ou assalto à direção fosse efetuado sem grandes dificuldades. Sim, o país ficou conhecendo a sigla “MPL”, mas a sua força social era verdadeiramente insignificante frente a qualquer investida política de “grandes atores”.
E se a ousadia do MPL e dos manifestantes em realizar atos de rua que inevitavelmente terminavam em confronto com a polícia era admirável, quando o jogo “virou” e as ruas se encheram de caras-pintas-CBF, isso não ocorreu por “uma jogada de mestres dos meios de comunicação”. Essa visão tende a estabelecer uma comparação entre o MPL como mobilizador “da classe trabalhadora” e a midia como mobilizadora dos “coxinhas”. Se sabemos que o MPL essencialmente tinha a iniciativa de mobilizar contra uma realidade vivenciada (o sofrimento e a carestia do e no transporte público), também a midia mobilizou afetos já presentes na sociedade, não os tirou da cartola: o ambiente de reviravolta social descontrolado está bem expressado no vertiginoso aumento de greves no biênio 2011-2012 — mas que força social “de esquerda” liderava esse processo, se o lulopetismo estava mais preocupado em abafar as greves que em liderá-las? (se não me engano, até hoje o DIEESE, petista, se recusa a divulgar os dados sobre greves em 2013). A falta de saídas confiáveis e concretas por esquerda dos impasses sociais do período deram margem para que irrompessem politicamente para qualquer lado, e com especial charme por direita, dado que esta era vista como uma verdadeira oposição ao governo. A midia canalizou uma massa que já estava agitada. Ela não “transformou uma mobilização de esquerda em uma de direita”. Primeiro porque as mobilizações do MPL, em sua forma de “revolta popular”, não eram capazes de aglutinar forças de esquerda a nivel social — o grosso das organizações populares, de esquerda, e mesmo a base social, em geral ficavam à margem, olhando com certa desconfiança por mais que apoiassem a pauta. Em segundo lugar, a invasão da direita também é super-estimada pelos militantes de esquerda por um motivo óbvio: os elementos fascistas iam às ruas para confrontar fisicamente com a esquerda, situação sim completamente inédita nas últimas décadas no país. Mas a massa de pessoas carregando bandeiras nacionais não é em si mesmo uma expressão da direita. Embora eu não negue o caráter reacionário do nacionalismo, podemos pegar fotos das mobilizações dos Cordões Industriais chilenos em 1973, aqueles mesmos que pressionaram Allende por armas para derrotar a burguesia, e nestas fotos não faltarão bandeiras nacionais. As pautas da direita foram oferecidas e apoiadas por pessoas ávidas de uma causa para estar nas ruas. Mas elas estavam nas ruas contra os impostos e a favor dos serviços públicos. Se o MPL não era uma força política capaz de organizar um discurso e uma direção, também a midia era incapaz da fazê-lo da forma tão coerente.