por Maurice Brinton

1920

JANEIRO

Colapso dos Brancos na Sibéria. Bloqueio levantado pela Grã-Bretanha, França e Itália.

É publicado um decreto pelo Sovnarkom estabelecendo os regulamentos gerais da prestação universal de trabalho “para abastecer a indústria, a agricultura, os transportes e outros ramos da economia nacional com a força de trabalho na base de um plano económico geral”. Qualquer pessoa podia ser recrutada para uma única tarefa ou periodicamente para várias formas de trabalho (agricultura, construção, abertura de estradas, alimentação, abastecimento petrolífero, limpeza de neve nas estradas e “medidas de reparação dos estragos aquando de calamidades públicas”).

Num espantoso à parte o documento afirmava que havia mesmo motivos para lamentar “a destruição do velho aparelho policial que tinha sabido registar os cidadãos não somente nas cidades mas também no campo”[1].

12 DE JANEIRO

Reunião do Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos.

Nas reuniões da fracção bolchevique, Lenine, e Trotsky pediram ambos com insistência a aceitação da militarização do trabalho. Somente 2 dos 60 ou mais dirigentes sindicais bolcheviques os apoiaram. “Até então, nunca Trotsky ou Lenine tinham defrontado tão forte oposição”[2].

10 A 21 DE JANEIRO

Terceiro Congresso dos Conselhos Económicos.

Num discurso ao Congresso, Lenine declara: “O princípio colegial (gestão colectiva)… representa algo de rudimentar, válido num primeiro estágio quando é necessário construir desde o princípio… A transição para o trabalho prático está ligada à autoridade individual. Este é o sistema que melhor do que qualquer outro assegura a utilização óptima dos recursos humanos”[3].

A despeito desta exortação, a oposição aos pontos de vista de Lenine e Trotsky foi ganhando gradualmente terreno. O Congresso adoptou uma resolução a favor da gestão colectiva da produção.

FEVEREIRO

Conferências regionais do Partido em Moscovo e Kharkov pronunciaram-se contra a “gestão de um só indivíduo”. O mesmo fez a facção bolchevique do Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos nas suas reuniões de Janeiro e Março[4]. Tomsky, dirigente sindicalista muito conhecido e membro do CCPRS, apresentou as suas “Teses” (“Sobre as Tarefas dos Sindicatos”) que foram aceites apesar da sua crítica implícita aos pontos de vista de Lenine e Trotsky. As teses de Tomsky anunciavam que “o princípio fundamental que rege o trabalho dos vários corpos executivos e administrativos deve continuar a ser a gestão colectiva. Tal princípio deve ser aplicado desde o Presidium do Vesenka até à gerência das fábricas. Só a gestão colectiva pode garantir por intermédio dos sindicatos a participação da imensa massa trabalhadora dos que não são membros do Partido”. Contudo, a gestão colectiva ainda era vista como um expediente e não um princípio básico. “Os sindicatos”, dizia Tomsky, “são as organizações mais competentes e interessadas na restauração da produção nacional e no seu correcto funcionamento”[5].

A aprovação das teses de Tomsky por uma substancial maioria marca o cume da oposição, dentro do Partido, aos pontos de vista de Lenine. No entanto, era pouco provável que as resoluções solucionassem as divergências. Ambos os lados perceberam isso. Uma ameaça mais séria à liderança do Partido proveio dos esforços de alguns dissidentes do Partido na indústria para estabelecerem um centro independente do controle das organizações do Partido nos sindicatos. Criaram-se atritos entre o Partido e as autoridades sindicais a propósito da designação de membros do Partido para trabalho sindical. A fracção do Partido no Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos, dominada por “esquerdistas”, reivindicou a autoridade directa sobre os membros do Partido nos vários sindicatos industriais. Pouco antes do Novo Congresso a fracção do Partido no CCPR aprovou uma resolução que confirmaria esta reivindicação, fazendo com que todas as fracções do Partido nos sindicatos ficassem directamente subordinadas à fracção do Partido no CCPRS em vez de o estarem às organizações geográficas do Partido. Isto criaria literalmente um Partido dentro do Partido, um corpo semi-autónomo englobando uma porção substancial dos membros do Partido… A simples existência de tal sub-partido interior seria contrária aos princípios centralistas, para não falar da possibilidade do seu domínio pelos adversários esquerdistas da liderança de Lenine… Era inevitável que a reivindicação sindical de autonomia dentro do Partido fosse rejeitada e quando tal resolução foi apresentada ao Orgburo foi precisamente isso que sucedeu”[6].

Todo o episódio teve repercussões interessantes. Confrontados com o conflito entre democracia e centralismo, os “centralistas democráticos” provaram que neste campo, como em tantos outros, as considerações centralistas eram dominantes. Propuseram uma resolução aprovada pela organização moscovita do Partido, com vista a que “a obediência ao Partido tivesse em todos os casos precedência sobre a obediência ao sindicato”[7]. Por outro lado, a Repartição do Sul do CCPR aprovou uma resolução sobre a autonomia dos sindicalistas do Partido semelhante à proposta pelo CCPR, e fê-la aprovar na Quarta Conferência Ucraniana do Partido.

MARÇO

O Segundo Congresso Pan-Russo dos Trabalhadores da Indústria Alimentar (sob a influência sindicalista) reuniu-se em Moscovo.

Censura o regime bolchevique por ter instaurado um “domínio ilimitado e incontrolável sobre o proletariado e o campesinato, um medonho centralismo levado ao absurdo… destruindo no país tudo o que é vivo, espontâneo e livre”. “A chamada ditadura do proletariado é na verdade uma ditadura sobre o proletariado exercida pelo Partido e até mesmo por alguns indivíduos”[8].

29 DE MARÇO A 4 DE ABRIL

Nono Congresso do Partido.

A Guerra Civil está quase ganha. O povo anseia por saborear, enfim, os frutos da sua revolução. Mas o Congresso decretou a continuação e extensão de alguns métodos do comunismo de guerra ao período de paz (recrutamento da força de trabalho, prestação obrigatória de trabalho, racionamento severo dos bens de consumo, pagamento dos salários em espécie, requisição da produção agrícola dos camponeses, em vez dos impostos). Os pontos mais controversos eram “a militarização do trabalho” e a “gestão de um só indivíduo” na indústria. Podem considerar-se as propostas apresentadas ao Congresso como representativas das opiniões de Lenine e de Trotsky relativas ao período da reconstrução industrial.

As opiniões de Trotsky sobre a questão da direcção do trabalho eram fortemente influenciadas pela sua experiência como Comissário da Guerra. Tinham-se usado, em larga escala, na silvicultura e outros trabalhos, batalhões que aguardavam a desmobilização. Segundo Deutscher “mediava apenas um passo entre o emprego das forças armadas como batalhões de trabalho e a organização do trabalho civil em unidades militares”[9]. “Não se pode deixar a classe trabalhadora a vagabundar através da Rússia”, anunciou Trotsky no Congresso. “Devem ser colocados aqui e ali, ordenados, comandados, exactamente como soldados”. “O trabalho obrigatório atingirá o seu zénite durante a transição do capitalismo para o socialismo”. “Os desertores do trabalho devem ser reunidos em batalhões punitivos ou postos em campos de concentração”. Advogava ainda “prémios incentivos para os trabalhadores eficientes”, “emulação socialista” e falava da “necessidade de adoptar a essência progressiva do Taylorismo”[10].

Quanto à gestão industrial, as principais preocupações de Lenine e de Trotsky eram as da “eficiência económica”. Tal como a burguesia (antes e depois deles), identificavam “eficiência” com gestão individual. Compreenderam no entanto que os operários dificilmente engoliriam esta pastilha. Teriam que proceder cuidadosamente.

A “gestão de um só indivíduo”, proclamava delicadamente a moção oficial, “não infringe ou limita em qualquer grau os direitos da classe trabalhadora ou os direitos’ dos sindicatos, porque a classe pode exercer o seu domínio de uma forma ou de outra, conforme as conveniências técnicas. É a classe dominante como um todo (novamente identificada com o Partido — MB) que, em todos os casos, nomeia as pessoas para os cargos de gestão e administração”[11]. Os seus cuidados eram justificados. Os trabalhadores não se tinham esquecido de que o Primeiro Congresso dos Sindicatos (Janeiro de 1919) tinha aprovado uma resolução que proclamava que “é tarefa do controle operário pôr termo à autocracia no terreno económico, tal como o tinha feito no campo político”[12]. Foram delineados em breve vários modelos de gestão industrial[13]. Ao esboçarem-nos, é pouco provável que quer Lenine quer Trotsky se tivessem embaraçado com quaisquer considerações doutrinárias, como as de Kritzman, o teórico do comunismo de “esquerda”, que tinha definido a gestão colectiva como “a marca distintiva e específica do proletariado… distinguindo-o de todas as outras classes sociais… o mais democrático princípio de organização”[14]. Na medida em que tinha uma opinião de princípio sobre o assunto, Trotsky apressou-se a declarar que a gestão colectiva era “uma ideia menchevique”. No Nono Congresso, Lenine e Trotsky foram veementemente atacados pelos Centralistas Democráticos (Osinsky, Sapronov, Preobrazhensky). Smirnov, manifestamente à frente do seu tempo, perguntou por que razão sendo a gestão de um só indivíduo uma ideia tão boa, a não praticavam no Sovnarkom (Conselho dos Comissários do Povo). Lutovinov, o chefe dos metalúrgicos, que iria desempenhar um papel importante no desenvolvimento da Oposição Operária no fim desse ano, acrescentou que “a cabeça responsável por cada ramo da indústria só podia ser o sindicato da produção. E da indústria como um todo só pode ser o Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos; não pode ser doutra maneira”[15]. Chlyapnikov pediu explicitamente uma “separação de poderes” entre o Partido, sovietes e sindicatos[16]. Falando pelos Centralistas Democráticos, Osinsky apoiou a ideia de Chlyapnikov. Observou que se assistia a um “choque de várias culturas” (a cultura “soviético-militar”, a cultura “soviético-civil” e o “movimento sindical que criou a sua própria esfera de cultura”). Era portanto incorrecto aplicar a todas as culturas alguns métodos particulares (como a militarização) que eram correctos apenas para uma delas[17]. Eis um caso flagrante de como se pode cair na armadilha armada por si mesmo.

No que se refere à “gestão de um só indivíduo”, os Centralistas Democráticos também tinham uma posição que não ia ao âmago da questão. Uma resolução que tinham votado na anterior Conferência Provincial de Moscovo do Partido minimizava o assunto. “A questão do sistema colegial (gestão colectiva) e autoridade individual não é uma questão de princípio, mas sim prática. Deve ser decidida em cada caso particular conforme as circunstâncias”[18]. Embora reconhecendo correctamente que a gestão colectiva não tinha por si só virtudes implícitas, não foram capazes de reconhecer que o problema real era o da relação entre a gestão (colectiva ou individual) e os que eram geridos. O problema real era de quem retiravam a sua autoridade “o gerente” ou “os gerentes”.

Lenine estava decidido a não fazer quaisquer concessões no que se referia à autonomia dos sindicatos: “o Partido Comunista Russo não pode concordar, em caso algum, que apenas a direcção política pertença ao Partido, enquanto a direcção económica pertenceria aos sindicatos”[19]. Krestinsky denunciou as ideias de Lutovinov como um “anarco-sindicalismo de contrabando”[20]. Por instigação de Lenine, o Congresso pediu aos sindicatos que “explicassem às grandes massas trabalhadoras que a reconstrução industrial só pode ser levada a cabo reduzindo ao mínimo a administração colectiva e introduzindo a gestão individual em unidades directamente envolvidas na produção”[21].

A gestão individual seria aplicada a todas as instituições desde os Trusts Estatais até às fábricas individuais”. O princípio electivo deve ser, agora, substituído pelo princípio selectivo”[22]. A gestão colectiva era “utópica”, “impraticável” e “prejudicial”[23]. O Congresso apelou também para uma luta “contra os preconceitos ignorantes de elementos demagógicos… que pensam que a classe trabalhadora pode resolver os seus problemas sem recorrer a especialistas burgueses nos postos de maior responsabilidade”. “Não pode haver lugar nas fileiras do Partido do socialismo científico para tais elementos demagógicos que jogam com esse tipo de preconceito das camadas retrógradas dos trabalhadores”[24].

O Nono Congresso decidiu explicitamente que “nenhum grupo de sindicatos poderia intervir directamente na gestão industrial” e que “os Comités de Fábrica devem devotar-se a problemas de disciplina do trabalho, de propaganda e de educação dos trabalhadores”[25].

Para evitar qualquer reincidência de tendências “independentes” entre os dirigentes dos sindicatos, os conhecidos “proletários” Bukharin e Radek foram deslocados para o Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos como representantes da chefia do Partido com a missão de vigiar a actuação do CCPR[26].

Tudo isso, evidentemente, estava em flagrante contradição com o espírito das decisões tomadas um ano antes, no Oitavo Congresso do Partido, e em particular com o famoso Ponto 5 da Secção Económica do Programa do Partido de 1919. Isso ilustra, bastante bem, quanto a classe trabalhadora se tornou vulnerável, uma vez forçada a abandonar o seu poder real, o poder que detinha na produção, em troca de um substituto duvidoso: o poder político representado pelo poder do “seu” Partido. A política advogada por Lenine devia ser rigorosamente seguida. No fim de 1920, das 2051 empresas importantes e de que se dispunham dados, 1783 já estavam sob “gestão de um só indivíduo”[27].

No Nono Congresso do Partido também se efectuaram mudanças relativas ao regime interno do Partido. O Congresso tinha aberto com uma tempestade de protestos relativos a este assunto. Os Comités Locais do Partido (em princípio, democráticos na forma) tornaram-se subservientes para com os “departamentos políticos” locais, burocraticamente constituídos. “Com a instituição de tais corpos, toda a actividade política na oficina, indústria, organização ou localidade sob a sua jurisdição, ficou sob rígido controle de cima… Esta inovação… copiada do exército… foi concebida para transmitir propaganda à base e não para levar as opiniões da base ao topo”[28]. Faziam-se frequentes concessões verbais, entre repetidos apelos à unidade. Tanto no Congresso como mais tarde, ainda esse ano, “os dissidentes cometeram o erro de concentrarem os seus esforços em tentativas de reorganização das instituições políticas de cúpula, para remodelar as formas de controle político ou para introduzir sangue novo entre os dirigentes, deixando, entretanto, as verdadeiras fontes do poder quase intactas… A organização, como ingenuamente acreditavam, era a arma mais eficaz contra a burocracia”[29].

Finalmente, o Nono Congresso deu ao Orgburo (constituído um ano antes e composto por 5 membros do Comité Central) o direito de transferir e nomear membros do Partido sem consultar o Politburo. Como já tinha acontecido, e viria a acontecer várias vezes, as mudanças retrógradas na política industrial andavam a par-e-passo com as mudanças retrógradas na estrutura interna do Partido.

ABRIL

Trotsky foi colocado à cabeça do Comissariado dos Transportes mantendo porém o seu posto na Defesa. “O Politburo prometeu apoiá-lo em qualquer acção por ele empreendida, por mais severa que fosse”[30].

Aqueles que acalentam o mito de uma pretensa oposição leninista aos métodos de Trotsky nesta altura, tomem nota.

6 A 15 DE ABRIL

Terceiro Congresso Pan-Russo dos Sindicatos.

Trotsky declarou que “a militarização do trabalho… é o método básico indispensável à organização da força de trabalho (…) Será verdade que o trabalho obrigatório é sempre improdutivo?… Esse é o preconceito liberal mais vil e miserável: a escravatura também foi produtiva”… “o trabalho… obrigatório para todo o país, compulsivo para todos os trabalhadores, é a base do socialismo”. “Quanto à remuneração… não deve ser considerada sob o ponto de vista de assegurar a existência pessoal do trabalhador individual” mas deve “medir o grau de consciência e eficiência no trabalho de cada trabalhador”[31]. Trotsky acentuou que a coerção, regimentação e militarização do trabalho não eram simples medidas de emergência. O Estado dos trabalhadores tinha o direito, numa situação normal, de coagir qualquer cidadão a fazer qualquer trabalho e em qualquer altura[32]. A filosofia do trabalho do Trotsky foi uma previsão, no verdadeiro sentido da palavra, da política do trabalho praticada por Staline nos anos trinta.

Neste Congresso, Lenine gabou-se publicamente de ter apoiado a gestão de um só indivíduo desde o início. Declarou que em 1918 tinha “assinalado a necessidade de reconhecer a autoridade ditatorial de um indivíduo com o fim de realizar a ideia soviética”[33] e que nessa altura “não havia disputas à volta desse assunto (da gestão de um só indivíduo)”. Esta última afirmação é declaradamente falsa, mesmo se nos restringirmos aos membros do Partido. Para o provar temos os números do Kommunist.

JUNHO A JULHO

Tinha havido muito pouca mudança, se é que houve alguma, na dura realidade da vida da classe operária russa, até meados de 1920. Os anos de guerra, guerra civil e guerras de intervenção, conjugados com a devastação, sabotagem, seca, fome e o nível inicial muito baixo das forças produtivas, tornaram as melhorias materiais difíceis. Mas agora o próprio horizonte se turvava. Na Rússia “Soviética” de 1920 os trabalhadores industriais estavam “de novo sujeitos à autoridade dos gerentes, à disciplina no trabalho, aos incentivos monetários, à gestão “científica”, a todas as formas habituais de organização industrial capitalista com os mesmos gerentes burgueses, só que agora as empresas eram propriedade do Estado”[34].

Um professor “branco” que chegou a Omsk no Outono de 1919 vindo de Moscovo relata que “à cabeça de muitos dos centros e glavki estavam antigos patrões, oficiais responsáveis e homens de negócio. Quem, desprevenidamente, visitasse os centros e estivesse familiarizado com o antigo mundo comercial e industrial, surpreender-se-ia por ver os antigos proprietários de importantes fábricas de curtumes nos Glavkozh, grandes empresários na Central das organizações têxteis, etc”[35].

Nestas circunstâncias, não é de surpreender que a unidade fictícia conseguida no Nono Congresso não durasse senão uns meses. Ao longo do Verão e do Outono, as diferenças de opinião em assuntos como a burocracia no seio do Partido, as relações dos sindicatos com o Estado e mesmo a natureza de classe do próprio Estado, radicalizaram-se. Apareceram grupos de Oposição a quase todos os níveis. No fim deste ano (depois da conclusão da guerra Russo-Polaca) o descontentamento reprimido veio ao de cima. A autoridade de Lenine foi posta em causa em grau nunca atingido desde o movimento dos comunistas de “esquerda” dos princípios de 1918.

JULHO

Publicação do clássico de Trotsky “Terrorismo e Comunismo” (imediatamente antes do Segundo Congresso da Internacional Comunista). Essa obra apresenta o ponto de vista de Trotsky acerca da organização “socialista” do trabalho na sua forma mais acabada, mais lúcida e menos ambígua. “A organização do trabalho é na sua essência a organização da nova sociedade: todas as formas históricas de sociedade são fundamentalmente formas de organização do trabalho”[36]. “A criação da sociedade socialista significa a organização dos trabalhadores em bases novas, a sua adaptação a essas bases e a reeducação do seu trabalho, sempre com o fim de aumentar a produtividade do trabalho”[37]. O “Salário tanto em dinheiro como em espécie deve estar intimamente ligado à produtividade do trabalho individual. Sob o capitalismo, o sistema de trabalho à peça e por empreitada, a aplicação do sistema de Taylor, etc., têm como objectivo aumentar a exploração dos trabalhadores extorquindo-lhes mais-valia. Sob a produção socialista, o trabalho à peça, os prémios, etc., têm como fim o aumento de volume do produto social… os trabalhadores que mais fizerem pelo interesse geral têm o direito de receber maior quantidade do produto social que os preguiçosos, descuidados e desorganizadores”[38]. “O próprio princípio do trabalho obrigatório é para os comunistas uma questão indiscutível… a única solução para as dificuldades económicas, correcta sob o ponto de vista dos princípios e da prática, é tratar a população de todo o país como o reservatório da necessária força de trabalho, um reservatório quase inesgotável, e introduzir uma ordem severa no trabalho, no seu registo, mobilização e utilização”[39]. “A introdução da prestação de trabalho obrigatório é inimaginável sem a aplicação, em maior ou menor grau, dos métodos da militarização do trabalho”[40]. “Os sindicatos devem disciplinar os trabalhadores e ensiná-los a colocar os interesses da produção acima das suas necessidades e reivindicações”. “O jovem Estado dos Trabalhadores necessita de sindicatos, não para lutar por melhores condições de trabalho, essa é a tarefa do conjunto das organizações sociais e estatais, mas para organizar a classe operária com o fim de produzir”[41]. “Seria um erro crasso confundir a questão da supremacia do proletariado com a questão dos conselhos de operários na chefia das fábricas. A ditadura do proletariado é expressa pela abolição da propriedade privada dos meios de produção, pela supremacia sobre todo o mecanismo soviético da vontade colectiva dos trabalhadores (um eufemismo para Partido— M. B.) e de forma alguma pela administração de empresas económicas individuais”[42]. “Considero que se a guerra civil não tivesse eliminado os mais fortes, mais independentes, mais activos dos nossos órgãos económicos, teríamos trilhado o caminho da gestão de um só indivíduo na esfera da administração económica muito mais cedo e de uma maneira muito menos penosa”[43].

AGOSTO

Devido à guerra civil (e a outros factores raramente mencionados, tais como a atitude dos ferroviários para com o “novo” regime), os caminhos de ferro russos tinham praticamente deixado de funcionar. Concederam-se a Trotsky, Comissário dos Transportes, vastos poderes de emergência para experimentar as suas teorias sobre “militarização do trabalho”. Começou por colocar os maquinistas e pessoal das reparações sob a lei marcial. Quando o sindicato dos ferroviários protestou, ele demitiu pura e simplesmente os seus dirigentes e, com o apoio completo e total e a aprovação da chefia do Partido, “nomeou outros, dispostos a sujeitarem-se. Repetiu o processo noutros sindicatos de trabalhadores dos transportes”[44].

PRINCÍPIOS DE SETEMBRO

Constituição do Tsektran (Órgão Administrativo Central dos Caminhos de Ferro). Criação típica de Trotsky, foi conseguida pela fusão forçada do Comissariado dos Transportes, dos sindicatos dos Caminhos de Ferro e dos órgãos do Partido (“departamentos políticos”) com eles relacionados. A totalidade dos transportes ferroviários e sistema de transportes fluviais ficaram sob a autoridade do Tsektran. Trotsky foi nomeado seu chefe. Dirigiu o Tsektran segundo moldes estritamente militares e burocráticos. “O Politburo apoiou-o incondicionalmente, tal como tinha prometido”[45]. Os Caminhos de Ferro voltaram a funcionar. Mas o que isso custou à imagem do Partido for incalculável. Aqueles que se espantam por Trotsky ter sido incapaz, alguns anos mais tarde, de obter o apoio das massas russas para a sua luta no interior do aparelho contra a burocracia “estalinista”, deveriam meditar nestes episódios.

22 A 25 DE SETEMBRO

Nona Conferência do Partido.

Zinoviev apresentou o relatório oficial em nome do Comité Central. Sapronov apresentou um relatório em nome dos “Centralistas-Democráticos” que estavam bem representados. Lutovinov falou pela recém-formada Oposição Operária. Pugnou pela instituição imediata de todas as medidas da democracia proletária. pela rejeição total do sistema de nomeações pelo topo e sua substituição pela eleição nominal, e pela depuração dos elementos carreiristas, que se alistavam aos magotes no Partido. Também pediu que o Comité Central se abstivesse de intervir constantemente e de modo excessivo na vida dos sindicatos e sovietes.

Os dirigentes tiveram que recuar. Zinoviev escusou-se a responder às principais reclamações. Aprovou-se uma resolução que acentuava a necessidade de “igualdade completa no seio do Partido” e denunciava “a dominação dos membros da base por burocratas privilegiados”. A resolução obrigara o Comité Central a utilizar o método das “recomendações” em vez das nomeações pelo topo e a abster-se de “transferências disciplinares por motivos políticos”[46].

Apesar destas concessões verbais, a chefia, por intermédio do seu porta-voz Zinoviev, conseguiu que a Conferência de Setembro aprovasse a constituição das Comissões de Controle Regional e Central. Estas tiveram um papel importante no acréscimo da burocratização do Partido, quando os indivíduos a quem inicialmente coube essa missão (Dzerzhinsky, Preobrazhensky e Muranov) foram substituídos pelos testas de ferro de Staline.

OUTUBRO

Assinatura do Tratado de Paz com a Polónia.

2 A 6 DE NOVEMBRO

Quinta Conferência Pan-Russa dos Sindicatos.

Trotsky declara que a duplicação de sindicatos e órgãos administrativos era responsável pela confusão reinante e que tinha de ser eliminada. Isso só podia ser realizado pela transformação dos sindicatos (professionalny) em uniões de produção (proizvodstvenny). Se os dirigentes sindicais se opusessem seriam “sacudidos” como o tinham sido os dirigentes do sindicato dos Caminhos de Ferro. Tinha sido pronunciada a “palavra chave” (Lenine)!

14 DE NOVEMBRO

O General Wrangel evacua a Crimeia. Fim da guerra civil.

NOVEMBRO

Conferência do Partido na Província de Moscovo.

Os grupos de oposição no seio do Partido crescem rapidamente. A recém-formada Oposição Operária, os Centralistas-Democráticos e o grupo de Ignatov (uma fracção local de Moscovo intimamente relacionada com a Oposição Operária com a qual se fundiria mais tarde) apresentaram 124 delegados a esta Conferência contra 154 favoráveis ao Comité Central[47].

8 A 9 DE NOVEMBRO

Reunião Plenária do Comité Central.

Trotsky submete ao Comité Central um “esboço preliminar de teses intitulado “Os sindicatos e o seu papel futuro”, que seria publicado mais tarde, a 25 de Dezembro, ligeiramente alterado sob a forma de panfleto: “O papel e tarefa dos sindicatos”. “É necessário começar a reorganizar imediatamente os sindicatos, i. e., a escolher o seu pessoal dirigente” (Tese 5). Embriagado com o seu êxito, Trotsky ameaça “sacudir” de novo vários sindicatos da maneira como tinha “sacudido os sindicatos dos transportes”[48].

O que era necessário era “substituir os agitadores irresponsáveis (sicl) por sindicalistas preocupados com a produção”[49]. As teses de Trotsky foram votadas e derrotadas pela margem mínima de 8 votos contra 7. Nessa altura, Lenine “dissociou-se bruscamente de Trotsky e persuadiu o Comité Central a fazer o mesmo”[50]. Como alternativa, Lenine propôs uma resolução que foi aprovada por 10 votos contra 4. Preconizava a “reforma do Tsektran”, advogava “formas concretas de militarização do trabalho”[51] e proclamava que “o Partido devia educar e apoiar um novo tipo de sindicalista, o organizador enérgico e imaginativo da economia que abordaria os assuntos económicos segundo o ponto de vista da expansão da produção e não da distribuição e consumo”[52]. O ponto de vista dominante era nitidamente este último. O “erro” de Trotsky foi tê-lo desenvolvido até à sua conclusão lógica. Mas o Partido necessitava de um bode expiatório. A Reunião Plenária “proibiu Trotsky de falar em público sobre as relações entre os sindicatos e o Estado”[53].

2 DE DEZEMBRO

Trotsky, num discurso à Reunião Plenária alargada do Tsektran, declarou que “um serviço oficial competente e hierarquicamente organizado tinha os seus méritos. A Rússia sofria, não de um excesso de burocracia, mas da falta de uma burocracia eficiente”[54].

“A militarização dos sindicatos e a militarização dos transportes exigia uma militarização ideológica interna”[55]. Posteriormente, Staline descreveria Trotsky como “o patriarca dos burocratas”[56]. Quando o Comité Central o repreendeu de novo, “Trotsky, irritadamente, lembrou a Lenine, aos outros membros, a frequência com que eles tinham instado junto dele, em privado… para que actuasse implacavelmente e sem considerações democráticas. Era desleal da parte deles… pretenderem, em público, estar a defender o princípio democrático contra ele (Trotsky NtfT)”[57].

7 DE DEZEMBRO

Numa Reunião Plenária do Comité Central, Bukharin apresentou uma resolução sobre a “democracia industrial”. Estes termos enfureceram Lenine. Eram “um floreado verbal”, “uma frase ardilosa”, “confusa”, “um pasquim”. “A indústria é sempre necessária. A democracia nem sempre é necessária. O termo democracia industrial dá origem a um sem número de ideias completamente falsas”[58]. “Pode dar a ideia de que se está a repudiar a ditadura e a gestão de um só indivíduo”[59]. “Sem prémios em géneros e tribunais disciplinares era pura e simplesmente uma balela”[60].

A oposição mais dura aos esquemas da “militarização do trabalho de Trotsky” vieram das secções do Partido mais enraizadas nos sindicatos. Alguns destes membros do Partido não só dominavam o Conselho Sindical como também “eram os beneficiários directos da doutrina que advogava a responsabilidade sindical autónoma”[61]. Por outras palavras, já eram, parcialmente, burocratas sindicais. Em parte, foi a partir destes elementos que a Oposição Operária se desenvolveu.

Nesta altura, contudo, o aparelho político-económico dirigente era bastante diferente daquele a cujo aparecimento assistimos em 1918. Apenas em pouco mais de 2 anos o aparelho do Partido tinha conquistado um controle político do Estado incontestado (por intermédio dos sovietes burocratizados). Também tinha conquistado um controle quase completo do aparelho económico (por intermédio dos dirigentes sindicais e gerentes industriais nomeados). Os vários grupos tinham adquirido a competência e experiência necessárias para se tornarem numa categoria social com uma função específica: a de gerir a Rússia. A sua fusão era inevitável.

22 A 29 DE DEZEMBRO

Realizou-se em Moscovo o Oitavo Congresso Pan-Russo dos Sovietes. Ele proporcionou a oportunidade para um debate público de pontos de vista divergentes sobre a questão dos sindicatos, que se tinha desenvolvido no seio do Partido e que já não se podia restringir a ele.

Pode-se avaliar o grau da oposição que se tinha desenvolvido a politica oficial do Partido pelo discurso de Zinoviev: “Estabeleceremos contactos mais íntimos com as massas trabalhadoras. Realizaremos reuniões nos aquartelamentos, no campo e nas fábricas. As massas trabalhadoras… perceberão, então, que não estamos a brincar quando proclamamos que vai começar uma nova era, que, assim que recuperarmos o fôlego, transferiremos as nossas reuniões políticas para as fábricas… Perguntam-nos o que queremos dizer com democracia operária e campesina. Eu respondo nem mais nem menos do que queríamos dizer com essa frase em 1917. Devemos restabelecer o princípio electivo na democracia operária e campesina… Se privámos dos direitos democráticos mais elementares os operários e camponeses, é altura de acabar com esse estado de coisas”[62].

A preocupação de Zinoviev pela democracia pouco contava, visto ser motivada pelas querelas entre facções (fazia parte da campanha para desacreditar Trotsky). Os oradores públicos da época que quisessem provocar o riso da audiência conseguiam-no facilmente escolhendo cuidadosamente afirmações de Zinoviev sobre os direitos democráticos[63].

30 DE DEZEMBRO

Realiza-se uma reunião conjunta da fracção do Partido ao Oitavo Congresso dos Sovietes, de membros do Partido no Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos e de membros do Partido numa série de organizações, no Teatro Bolshoi, Moscovo, para discutir a “questão sindical”. Todos os protagonistas principais estavam presentes para defender a sua causa. Podem resumir-se os vários pontos de vista, tal como foram expostos na reunião (ou apresentados em artigos escritos na altura ou nas semanas seguintes), desta maneira[64]:

Trotsky, e sobretudo Bukharin, modificam as suas propostas originais de modo a formarem um bloco no Congresso.

Para Lenine, os sindicatos eram “reservatórios do poder estatal”. Deviam fornecer uma base social alargada “para a ditadura do proletariado exercida pelo Partido”, base essencial tendo em vista a natureza camponesa predominante do país. Os sindicatos deviam ser a “ligação” ou “correia de transmissão” entre o Partido e a massa de trabalhadores sem partido. Os sindicatos não podiam ser autónomos. Não podiam ter um papel independente em iniciativas ou realizações políticas. Tinham que estar fortemente influenciados pelo pensamento do Partido e empreenderiam a educação política das massas segundo linhas determinadas pelo Partido. Assim transformar-se-iam em “escolas de comunismo” para os seus 7 milhões de membros[a] O Partido seria o professor. “O Partido Comunista Russo, na pessoa das suas organizações regionais e centrais, guia incondicionalmente, como o tem feito até aqui, todo o aspecto ideológico do trabalho dos sindicatos”[65].

Lenine sublinha que os sindicatos não podem ser instrumentos do Estado. A premissa de Trotsky, de que os sindicatos já não precisam de defender os operários visto o Estado ser um estado operário, é falsa. “O nosso Estado está de tal maneira organizado que a totalidade do proletariado organizado deve defender-se: nós (sic) devemos usar estas organizações operárias para defender os operários do seu próprio Estado e também para que os operários defendam o nosso Estado“.

(As palavras em negro são muitas vezes omitidas quando se cita esta famosa passagem).

Segundo Lenine não devia considerar-se a militarização como uma característica permanente da política do trabalho socialista. Tinha de se usar a persuasão tanto como a coerção. Se era normal (sic!) a nomeação de dirigentes pelo Estado (entre isto e as afirmações de 20 de Maio de 1917 medeia uma enorme distância — M.B.) seria pouco prático que os sindicatos fizessem o mesmo. Os sindicatos podiam fazer sugestões para certas tarefas económico-administrativas e deviam cooperar no planeamento. Deviam inspeccionar, por intermédio de departamentos especializados. o trabalho da administração económica.

A fixação das remunerações devia ser transferida para o Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos. No que se refere ao salário, tinha que se combater o igualitarismo extremista da Oposição Operária. A política salarial tinha de ser elaborada com o fim de “disciplinar o trabalho e aumentar a produtividade”[66]. Os membros do Partido “já tinham tido demasiada conversa sobre princípios no (Instituto) Smolny. Agora, 3 anos depois, há decretos que regem todos os aspectos do problema da produção”[67]. “As decisões sobre a militarização do trabalho, etc., foram incontroversas e de modo algum retirarei os meus sarcasmos a propósito das referências à democracia feitas pelos que contestaram essas decisões… estenderemos a democracia às organizações operárias, mas não faremos dela um ídolo…”[68] Trotsky reafirma a sua crença em que “a. transformação dos sindicatos em uniões de produção… constitui a maior tarefa da nossa época”. “Os sindicatos deviam sistematicamente avaliar a qualidade dos seus membros segundo o ponto de vista da produção e deviam possuir uma descrição permanente, completa e precisa da produtividade de cada trabalhador”. Os corpos dirigentes dos sindicatos e da administração económica deviam ter em comum um terço ou metade dos seus membros de modo a evitar qualquer antagonismo entre eles. Deviam-se autorizar os técnicos e administradores burgueses, que se tinham tornado membros de pleno direito de um sindicato, a exercerem cargos de gerência, sem a supervisão de comissários. Depois de se ter assegurado um salário mínimo real para todos os operários, era necessário estimular a concorrência entre os operários no “trabalho de choque” (udarnichestvo) na produção.

Os pontos de vista de Bukharin evoluíram rapidamente. As teses que agora advogava eram uma tentativa de estabelecer uma ponte entre o ponto de vista oficial do Partido e o da Oposição Operária. Tinha que haver “democracia operária na produção”. “A governamentalização dos sindicatos” tinha que ser acompanhada pela “sindicalização do Estado”. “O fim lógico e histórico” desse processo “não será a absorpção dos sindicatos pelo Estado proletário, mas o desaparecimento de ambas as categorias, tanto os sindicatos como o Estado, e a criação de uma terceira: a sociedade organizada em princípios comunistas”[69]. Lenine atacou a plataforma de Bukharin considerando-a como “uma quebra completa com o comunismo e a transição para uma posição sindicalista”[70]. “Destrói a necessidade do Partido”. “Se os sindicatos, em que 9/10 dos membros são trabalhadores que não são do Partido, nomeia os gestores da indústria, para que é que serve o Partido?”[71] “Portanto”, acrescentou ameaçadoramente, “de pequenas divergências ‘passamos’ a um desvio sindicalista, o que significa uma ruptura completa com o comunismo e uma cisão inevitável no Partido”[72]. Podem encontrar-se outros ataques de Lenine a Bukharin no seu famoso artigo “Novamente os Sindicatos…”, que critica as posições de Trotsky[73].

Os pontos de vista da Oposição Operária foram explicitados, na reunião de Moscovo, por Chlyapnikov, operário metalúrgico (e mais tarde elaborados de modo mais completo por Kollontai e outros). Explícita ou implicitamente, a Oposição Operária preconizava o domínio do Estado pelos sindicatos. “A Oposição Operária referia-se, evidentemente, ao ‘Ponto 5’ do Programa de 1919 e acusava os dirigentes do Partido de terem violado as suas promessas aos sindicatos… Nos dois últimos anos, os dirigentes do Partido e dos organismos governamentais restringiram sistematicamente o alcance do trabalho sindical e reduziram quase que a zero a influência da classe operária… O Partido e as autoridades económicas foram invadidos por burgueses e elementos não-proletários, que manifestaram hostilidade aberta para com os sindicatos… O remédio era a concentração da gestão industrial nas mãos dos sindicatos”. A transição deveria ser efectuada a partir da base. “Ao nível de fábrica, os Comités de Fábrica deveriam reconquistar a sua antiga posição dominante”. (Os bolcheviques levaram muito tempo para chegar a essa conclusão! — M.B.) A Oposição Operária propôs maior número de representantes sindicais nos vários organismos de controle. “Não se devia nomear uma única pessoa para qualquer cargo administrativo ou económico sem o consentimento dos sindicatos… Os dirigentes nomeados pelos sindicatos são responsáveis pela sua conduta perante os sindicatos, que também deviam ter o direito de revogá-los em qualquer altura. O programa culmina com a exigência da convocação de um “Congresso Pan-Russo dos Produtores” para eleger a gerência nacional. De modo semelhante deveriam realizar-se Congressos Nacionais dos vários sindicatos para eleger a gerência dos vários ramos da economia. A gerência local e regional devia ser formada por conferências sindicais, enquanto que a gestão das fábricas individuais pertencia aos Comités de Fábrica, que deveriam formar uma parte da organização sindical… “Deste modo” afirma Chlyapnikov, “unifica-se a vontade que é um factor essencial na organização da economia, e também a possibilidade real da influência da iniciativa das mais vastas camadas trabalhadoras na organização e desenvolvimento da nossa economia”[74].

Last but not least, propunha uma revisão radical da política salarial dentro de um espírito extremamente igualitário: a remuneração monetária devia começar a ser progressivamente substituída por remuneração em géneros. A Oposição Operária representava indiscutivelmente — no interior do Partido — uma tentativa tardia para manter os ideais revolucionários de O Estado e a Revolução no campo da participação autónoma e democrática das massas nas funções de direcção da economia.

Notas

[1] Sobraniye Uzakonenii, 1920, N.° 8, Art. 49. E também Treti vserossiiski lyeid professionalnykh soyuzov (Terceiro Congresso Pan-Russo dos Sindicatos), 1920. I, Reuniões Plenárias, pp. 50-51. (Referido daqui em diante como Terceiro Congresso Sindicai).

[2] Ibid., p. 493.

[3] V. I. Lenin, Discurso no Terceiro Congresso dos Conselhos Económicos, Sochineniya, XXV, p. 17.

[4] E. H. Carr. ob. cit., II. p. 193.

[5] Tomsky, Nono Congresso do Partido “Zadachi prosoyuzov” (As Tarefas dos Sindicatos). Apêndice 13. p. 534.

[6] R. V. Daniels, ob. cit., p. 126.

[7] Nono Congresso do Partido, Teses do Comité Provincial de Moscovo do PCR, Apêndice 15 p. 542.

[8] Vmesto programmy: rezolyusisii I i II vserossiskikh konferentsii anarkho-sindikalistov (Berlim, 1922). p. 28.

[9] I. Deuhcher, Soviet Trade Unions, (Sindicatos Soviéticos), p. 36.

[10] L. Trostky, Sochineniya, vol. XV. p. 126.

[11] Nono Congresso do Partido, p. 128.

[12] Primeiro Congresso Sindical, pp. 269-272.

[13] I. Deutscher, ob. cit., p. 35.

[14] L. Kritzman Geroicheski period russkoi revolyutsii (O Período Heróico da Revolução Russa). Moscovo e Leninegrado, 1926. p. 83. 15.

[15] Nono Congresso do Partido, pp. 254-255.

[16] Ibid., p. 564, m. 32.

[17] Ibid., pp. 123-124.

[18] Ibid., p. 571, M. 75.

[19] Ibid., “As organizações do PCR (b) sobre a questão da agenda do Congresso do Partido”. Apêndice 2. p. 474.

[20] Pravda, 12 de Março de 1920.

[21] Nono Congresso do Partido. Povoprosu o professionalnykh soyuzokh i ikh organisatsii (Sobre e questão dos sindicatos e sua organização). Resoluções, I, p. 493.

[22] Ibid., “Os Sindicatos e as suas Tarefas” (teses de Lenine, Apêndice 12, p. 532).

[23] Ibid., pp. 26, 28.

[24] lbid.

[25] No Undécimo Congresso, em 1922, Lenine afirma: “É absolutamente indispensável que toda a autoridade nas fábricas se concentre nas mãos dos gerentes… Nestas condições qualquer intervenção directa dos sindicatos na gestão das empresas será considerada como decididamente prejudicial e não será permitida”, (Resoluções, I, pp. 607 , 610-612).

[26] V. I. Lenine, Nono Congresso do Partido, p. 96.

[27] L. Kritsman, ob. cit., p. 83.

[28] R. V. Daniels, ob. cit., p. 114.

[29] Ibid., pp. 115, 117.

[30] I. Deutscher, The Prophet Armed, p. 498.

[31] Treti vserossiiski s’yezd professionalnykh soyuzov: stenograficheski otchet (Terceiro Congresso Pen-Russo dos Sindicatos: relato estenográfico), Moscovo, 1920. pp. 87-97. (Referido daqui em diante como Terceiro Congresso Sindical).

[32] I. Doutscher, ob. cit., pp. 500-507.

[33] Trade Unions in Soviet Russia (Os Sindicatos na Rússia Soviética) (Labour Research Department and ILP Information Committee), Novembro, 1920, British Museum (Press Mark: 0824-bb-4l).

[34] R. V. Daniels, ob. cit., p. 107.

[35] G. K. Gins, Sibir, Soyuzniki, Kolchak, Pequim, 1921, p. 429.

[36] L. Trotsky. “Terrorism and Communism” (Terrorismo e Comunismo), edição de Ann Arbor, p. 133.

[37] Ibid., p. 146.

[38] Ibid., p. 149.

[39] Ibid., p. 135.

[40] Ibid., p. 137.

[41] Ibid., p. 143.

[42] Ibid., p. 162.

[43] Ibid., pp. 162-163.

[44] I. Deutscher, The Prophet Armed, pp. 501-502.

[45] Ibid., p. 502.

[46] Izvestiya do Comité Central. 12 de outubro de 1920.

[47] Décimo Congresso do Partido, p. 829, nota 2.

[48] I. Deutscher, ob. cit., pp. 502-503.

[49] I. Deutscher. Soviet Trade Unions, p. 41.

[50] I. Deutscher, The Prophet Armed, pp. 502-503

[51] V. I. Lenine, Obras Escolhidas, vol. IX, p. 30 (da ed. inglesa).

[52] G. Zinoviev, Sochineniya, Moscovo 1924-1926, VI pp. 599-600.

[53] I. Deutscher, ob. cit., pp. 502-503. Esta sanção seria levantada pelo Comité Central na sua reunião de 24 de Dezembro, que decidiu também que toda a questão devia ser discutida publicamente.

[54] Ibid., p. 503.

[55] L. Trotsky, Sochinneniya, XV. pp. 422-423.

[56] J. Stalin, Sochineniya, VI. p. 29.

[57] I. Deutscher, ob. cit., p. 503.

[58] V. I. Lenine, Obras Escolhidas, vol. IX, p. 12.

[59] Ibid., p. 53.

[60] Ibid., p. 26.

[61] R. V. Daniels, ob. cit., p. 125.

[62] Vosmoi vserossiisti s’yezd sovetov: stenograficheski otchet (Oitavo Congresso Pan-Russo dos Sovietes: relato estenográfico), Moscovo 1921, p. 324.

[63] L. Schapiro, The Origin of Communist Autocracy (A Origem de Autocracia Comunista). Praeger, New York, 1965, p. 271.

[64] Este sumário é baseado no relato detalhado de Deutscher em Soviet Trade Unions, pp. 42-52. “No decurso das discussões prévias ao Congresso surgiu um grande número de facções e grupos, cada um com o seu ponto de vista e ‘teses’ sobre os sindicatos. As diferenças entre alguns destes grupos eram tão subtis, e atendendo a que quase todos os grupos se referiam a um sem-número de princípios comuns, que por vezes o objecto do debate parecia irreal”. Finalmente só 3 moções foram apresentadas ao Congresso: a de Lenine (A Plataforma dos Dez), a moção de Trotsky-Bukharin e as propostas da Oposição. “Comparando essas moções — observa Deutscher— confunde-se mais do que se esclarece o problema que o Congresso tentava resolver, pois os autores de cada uma das moções tinham, por razões tácticas, incorporado passagens das dos adversários, encobrindo assim até alto ponto as verdadeiras divergências”.

[a] Segundo os números dados por Zinoviev no Décimo Congresso do Partido, o número de membros dos sindicatos era, em Julho de 1917, 1.500.000, em Janeiro de 1918, 2.600.000, em 1919, 3.500.000, em 1920, 4.300.00 e em 1921, 7.000.000.

[65] Décimo Congresso do Partido, O roli i zadachakh profsoyuzov (Sobre o papel e tarefa dos sindicatos), Resoluções. I, pp. 436-542.

[66] I. Deutscher, Soviet Trade Unions, p. 51.

[67] V. I. Lenine, Obras Escolhidas, vol. IX. p. 6. (ed. inglesa).

[68] Ibid.. p. 76.

[69] Bukharin, Décimo Congresso do Partido. O zadachakh i strukture profesoyuzov (Sobre as tarefas e estrutura dos sindicatos), Apêndice 16 . p. 802.

[70] V. I. Lenine, Obras escolhidas, vol. IX, p. 35. (ed. inglesa).

[71] Ibid., p. 36.

[72] V. I. Lenine, Krisis partii (A crise no partido). Pravda, 21 de Janeiro de 1921.

[73] V. I. Lenin, “Novamente sobre os sindicatos, a situação actual e os erros dos camaradas Trotsky e Bukharin“, Obras Escolhidas, vol. IX, pp. 40-80, (ed. inglesa).

[74] M Chlyapnikov, Décimo Congresso do Partido. Organizatsiya narodnogo khoiyaistva i zadaehi soyuzov (A organização da economia e as tarefas dos sindicatos), Discurso de 30 de Dezembro de 1920, Apêndice 2, pp. 789-793.

Fotografias de Alexander Nemenov, feitas em 1991 durante os últimos dias da URSS.

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