Marcelo de Marchi Mazzoni
Já dizia o jargão: “a revolução não será televisionada”. Aprendemos, nesse final de semana, que sequer a resistência será. Pois, como publicado recentemente na revista Piauí: Protesto Histórico, menos na Tevê. Afinal, o que foi esse dia 29 de setembro se não um dia absurdamente histórico. De um lado, uma minoria andando de carro por aí, em algumas cidades do país, frente uma onda de mulheres, arrastando alguns homens no fluxo, inundando 114 cidades. Citando a Piauí: “Não se sabem números exatos porque a polícia, sintomaticamente, não contou na maioria das cidades. Mas as manifestantes ocuparam densamente amplas áreas da Cinelândia, no Rio, e do Largo da Batata, em São Paulo, para citar só duas”.
Como muitos, fui às ruas. Fui com o coração na mão de ver aquele punhado de arroz de manifestações que existem por todas as cidades, quiçá, com algum provocador para tirar sarro em nome do projetinho canalha de seu Coiso favorito. Mas me surpreendi e como é bom se surpreender. No meu caso, aqui em Rio Preto, a guarda municipal admitiu 1500 pessoas, o que pode-se supor um belo número a mais. Comunicando-me, simultaneamente, com camaradas da capital, fiquei excitado e feliz por ouvir um grande elenão do Largo da Batata. Que momento de luz, em meio a tanta sombra, pensado no efeito cascata que isso poderia ter dado, inclusive pela incontornável divulgação midiática. Mas, aí começou a política da baixaria. A estratégia midiática foi a da equalização dos atos:
“o resultado dessa omissão e falta de contextualização é que coisas diferentes são tratadas como iguais. Uma manifestação de dezenas, no máximo centenas de pessoas em um lugar é apresentada da mesma maneira e com a mesma magnitude que dezenas de milhares de mulheres em dúzias de cidades. Na tela da tevê, o ato solitário pró-Bolzo em Copacabana foi equivalente à maior manifestação popular capitaneada por mulheres na história do Brasil”.
Uma medida de pasteurização pela subtração pura, simples e mecânica de duas forças em campo. Uma estratégia que estabelece que “houve uma manifestação aqui e outra ali, ambas se opunham, de tal modo que, 1 – 1 = 0”. Ou seja, como se na verdade não tivesse ocorrido nada de relevante, pois não há diferença, ambas se anulam, como se simplesmente alguns o apoiassem e outros não o apoiassem. Quando, na verdade, um é ato de grande política, em defesa dos direitos das mulheres e, no limite, a defesa da democracia contra um fascista misógino. De outro, seus já auto-referenciados minions. Não obstante a diferença qualitativa, de um lado, uma luta pela democracia, do outro, a luta contra os trabalhadores e contra a democracia.
Somando-se a isso, como o Fantástico, um dos principais programas de telejornalismo da televisão, retrataria o assunto? O que se escutou, foi o silêncio, o silêncio que só poderia dizer elesim. A pasteurização do dia anterior, foi substituída pela opção de dar voz a um lado das ruas: aquele da minoria. Como pode-se confirmar no programa Fantástico do dia seguinte. Assistimos um trailer de filme, passando pelo fundo do mar, até para um caso de agressão doméstico, mas nada da onda feminista do dia anterior, nenhuma nota. Pelo contrário, uma significativa reportagem ao estilo, direto do forno, sobre o ato na Paulista contra as urnas e a favor do jumento de carga e seu cavaleiro. Entendemos, assim, a linha editorial preestabelecida: é necessário apagar os vestígios da resistência, como se ela não existisse, mas mostrar que a voz da rua tem um só lado.
Caro Marcelo Mazzoni,
a declaração de voto das organizações globo, por meio do silêncio de seus telejornais, se fez ainda mais forte ontem.
A emissora sabotou deliberadamente a cobertura do debate que promoveu.
Tempos atrás, a edição do debate tinha maior importância que o próprio debate, pois a maioria da população assistia o JN e não o debate. 1989 é o caso clássico da manipulação do debate por meio da escolha a dedo dos trechos a serem exibidos, não é mesmo?
Pois bem, ontem fiz questão de assistir os três telejornais da emissora, na manhã, tarde e noite. Foi exibida a mesma reportagem, que mostrava a chegada dos candidatos e trechos de entrevistas após o debate. Nem um mísero segundo das falas dos candidatos durante o debate. Silêncio absoluto.
No Bom dia Brasil e no Jornal Hoje, não se limitaram a silenciar. Logo após exibirem a reportagem citada acima, exibiram um vídeo do Boçal dizendo que não acabará com o Bolsa Família, mas que apenas cortará os pagamentos indevidos para poder aumentar o valor pago a quem necessita.
Pronto, trabalho feito sem qualquer pudor.
Numa campanha que combinou ampla difusão de falsas notícias por meio dos grupos de WhatsApp com o escondimento do Boçal, nada mais previsível que a Globo sabotar o próprio debate em que de Boulos a Meireles o Boçal foi desmascarado como fujão e amarelão.
Que facada providencial para o Boçal.
Então, não bastou silenciar a respeito da resistência de cunho marcadamente culturalista expressa pelo #elenão, as organizações Globo concluiram o serviço ontem.
O destaque final foi a pesquisa do Datafolha que demonstrou que a maioria absoluta dos brasileiros dizzeram considerar a democracia como a melhor forma de governo. Coincidência? Esquizofrenia? Nada disso, quiseram desconstruir o discurso de que votar no Boçal é votar contra a democracia (única chance de vitória do PT se chegar ao segundo turno).
Abraço.