Por Cláudio Almeida Silva Filho

O cinema como qualquer outra expressão artística pode representar a realidade social, seja apontando as contradições presentes na sociedade, discutindo a respeito de temas complexos (violência, revolução, política, opressão, etc) ou de algum modo dialogando com problemas socioculturais de determinado período histórico. No entanto, o campo cinematográfico exerce um papel importante em épocas de rupturas democráticas, a exemplo, do Cinema Novo no regime militar brasileiro. O movimento contribuiu de maneira significativa ao destacar o antagonismo criado pela ascensão do conservadorismo e do retrocesso nos governos militares do país.

Nesse sentido, o cinema ao se engajar politicamente representa um espaço crítico e de resistência em confronto com os processos ideológicos do autoritarismo possibilitando uma tomada de consciência em relação aos sistemas de opressões. Com isso, não quero dizer que os filmes e os seus realizadores necessariamente tenham de tomar posição contra qualquer forma de dominação, mas analisar a importância da arte como elemento de reflexão sobre o mundo objetivo. A história da cinematografia brasileira está demarcada por conflitos, os quais se apresentam como representações da vida cotidiana dialogando de alguma forma com os anseios, desejos, concepções, perspectivas manifestadas pelo meio social.

Deus e o Diabo na Terra do Sol. Glauber Rocha, 1964.

A cinematografia também pode se estabelecer como campo de batalha no enfrentamento às práticas fascistas, discursos de ódio, relações opressivas, etc. Para compreender a leitura do mundo produzida pelo cinema é fundamental estudar o significado que algumas obras cinematográficas exerceram ao longo da história. Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) dirigido por Glauber Rocha é uma película singular para dialogar sobre os processos de dominação ideológica, bem como demonstrar a pauperização realizada pela estratificação social. Roma, Cidade Aberta (1945) de Roberto Rossellini é outro filme onde é representada a ocupação nazista na Itália na década de 1940, e as consequências geradas pela intervenção: sequestros, tortura, mortes, perseguições políticas, repressão, etc.

Ambas as obras são de movimentos cinematográficos que refletiram sobre as problemáticas da sua época. O primeiro construiu no Brasil uma nova forma de lidar com a construção fílmica ao estabelecer a crítica ao modo estético e político de fazer cinema, o segundo, reconfigurou o campo artístico ao inovar esteticamente suas produções em uma Itália devastada pelo nazifascismo. A arte cinematográfica possui uma capacidade de difusão entre os indivíduos, a qual pode criar diversas ideias, sentimentos, percepções a respeito das relações em que vivem, assim como, despertar algum tipo de questionamento a partir das imagens transmitidas através dos filmes.

Roma, Cidade Aberta. Roberto Rossellini, 1945.

Nesse sentido, ao pensar sobre a importância do cinema como instrumento de reflexão em períodos de acirramento de classe não destaco apenas a sua inserção sendo fundamental nessas épocas, mas apontando a capacidade de representar um determinado momento histórico. Dessa maneira, a produção artística pode possuir a potencialidade de demonstrar as mazelas do mundo de modo simplificado, isto é, propiciando ao público representações da vida mais clara, a exemplo, da exploração sofrida pelo vaqueiro Manuel em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964).

Partindo da leitura do espaço cinematográfico enquanto gerador cultural e político, as obras fílmicas, de algum modo viabilizam o pensamento do artista e da sua relação com a materialidade, sendo assim os filmes expressam dialeticamente as apreensões subjetivas dos seus realizadores, bem como as contradições emergidas da sociedade. Portanto, ao se fazer cinema também se realiza um determinado tipo de pensamento sobre o mundo, o qual pode expressar objetivamente diversos modos de enxergar a vida cotidiana.

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