Por Alfredo Lima

Há 3 anos ocupamos dezenas de escolas estaduais no estado do Rio de Janeiro. Não conseguimos sozinhos. O que nos fez segurar tal movimento por tantos meses foi a solidariedade que estabelecemos com a comunidade e principalmente os professores. Hoje, 2019, pouco se fala do sentido político das ocupações sem ser naquele tom de saudade, infelizmente parece que ficou só isso. Em 2018 a Otimização Escolar foi a porrada do governo estadual nas direções das escolas que ainda se diziam progressistas. Os diretores eleitos que não se corromperam, com muita dificuldade tentaram um contato com professores e outros profissionais de escolas de todo estado para elaborar uma carta pública contra o que chamavam, e com razão, de sucateamento da educação pública, quando a “otimização” era uma metodologia burocrática para superlotar as salas de aula e dificultar a abertura de turmas. Isso mesmo, estávamos ocupados demais comemorando 2 anos da primeira ocupação de escola em 2016 que confiamos aos gestores das escolas a tarefa de articular qualquer movimento contra o sucateamento das escolas que juramos combater.

Nossa luta, afinal, mal se mantinha logo depois da ocupação da SEEDUC. O que tiramos de 2016? Formamos grêmios. Foda! Muitos dos nossos grêmios voltaram a ser como existiam antes das ocupações: grêmios inativos. Você só sabia que existiam porque eles passavam em sala de aula informando o que a diretoria lhes ordenava. Acabava que o grêmio não sentia necessidade de criar estruturas de deliberação entre os alunos e debater conjuntura com eles. Afinal, os problemas haviam acabado! Agora que elegemos nossos diretores não teremos mais conflitos em nossas escolas, certo? Errado! São incontáveis os relatos de alunos que ocuparam suas escolas e viram os agora diretores, antigos professores grevistas, agirem com arbitrariedade. O auge da existência do grêmio passou a ser a organização da formatura. Ora, nem precisávamos das ocupações e dos grêmios para isso! Pena para os alunos do primeiro ano do ano seguinte. Vão entrar crus na escola e não há nada que lhes prove que é possível ser ouvido pelos gestores da escola. Façam as contas. Se há 3 anos ocupamos escolas e o grosso das escolas estaduais só tem ensino médio (1º, 2º e 3º ano), quer dizer que quem já estava no 1º ano quando ocupou sua escola já se formou há um ano, se não tiver reprovado nesses três anos.

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Mas não falemos só de grêmio. Quem dirá que todos são legítimos frutos da mobilização estudantil? Nada sobrou de estrutura central para debate de secundaristas para discutir como reagir a retrocessos em todas as escolas estaduais a nível propriamente estadual e não local. Tínhamos em 2016 o Comando de Escolas Ocupadas e a Unidade Secundarista — racha autônomo da degeneração do anterior. A Unidade Secundarista já não tinha potência de expansão devido ao ambiente coleguista que havia se tornado. Coleguismo esse porque após a ocupação da SEEDUC, uma vez que as escolas decidiram em peso desocupar, a quase extinta Unidade Secundarista não fez esforços para deixar de ser o que se tornou: um encontro dos estudantes que fizeram amizade na ocupação da SEEDUC e faziam reunião. Após o desgaste, a falta de sentido nas táticas fez morrerem as ocupações que prometiam desenvolver relações novas na escola porque elas também estavam em xeque no momento mais crucial da luta!

Chamamos esse processo de luta de ocupação, e não de invasão, pela sua legitimidade intrínseca. Falar de invasão é falar de adentrar em um espaço que não é seu e tomá-lo de assalto. Dito isso podemos entender o papel das ocupações para além das pautas imediatas do movimento. Quando assim o fazem, os estudantes se comprometem com a gestão da escola à sua maneira. Quando estudantes estão dispostos a interromper seus estudos, seu videogame, às vezes seus compromissos com amigos e namoradas, para irem ocupar sua escola, eles se comprometem em ressignificar seu ambiente escolar com a sua subjetividade. Não se fala de invasão porque é imprescindível para o jovem que ele entenda que o espaço escolar lhe pertence. Mas que as relações sociais em que estão impostos lhes impedem de controlar a gestão da escola — assim como os demais trabalhadores da escola, os professores, zeladores, terceirizados, entre outros. Quando participamos da gestão da escola de forma horizontal tornamo-nos parte constitutiva da unidade. Dentre os muitos relatos que escutei um deles é o de que os alunos que eram “bagunceiros”, “vagabundos”, “desleixados”, no período das ocupações sentiram ímpeto em contribuir com todas as funções da escola, desde varrer o chão, fazer o almoço e organizar as atividades pedagógicas com professores voluntários.

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Perdemos esse norte. Tínhamos nossas pautas do movimento, mas o mais importante já tínhamos conquistado. Um ambiente em que os estudantes se ouvissem e fossem ouvidos. Aos poucos, com as pautas sendo conquistadas, as escolas foram desocupando e os estudantes mais envolvidos politicamente, ao invés de proporem a autogestão estudantil no grêmio e nas atividades da escola, se acomodaram na estrutura de grêmio oferecida pela SEEDUC ou foram se desgastando com atividades que envolviam militância mais ativista. Solidarizar-se às outras lutas é fundamental, mas o que estava havendo muitas vezes eram estudantes querendo participar de outras ocupações de forma voluntarista. Muitas vezes até de forma invasiva, cobrando uma “combatividade” sem critério. Relembro, em outro texto que escrevi sobre as ocupações de escola neste site, que após a ocupação da SEEDUC os autores das últimas ocupações autônomas, ao invés de reconstruírem a Unidade Secundarista como algo mais parecido com um Comando de Escolas Ocupadas (que tinha 60 escolas participando, enquanto na Unidade Secundarista havia apenas menos de uma dezena de representantes de escola participando), trataram de reafirmar seu papel de força-tarefa na luta pela educação, e dali para a frente só tiveram tentativas frustradas de “continuar a luta”.

Poucas escolas adotaram o grêmio autogestionado. Ainda assim, nunca soubemos encontrar uma fórmula mágica para que esses espaços de mobilização se propagassem e não tivessem curta duração de atividade. A luta secundarista é um desafio, tendo em vista a rotatividade dinâmica nas escolas por conta de formação curta de 3 anos. Não tivemos capacidade de manter vivo (e amplo) o debate sobre a conjuntura da educação nessas escolas que foram ocupadas e tampouco achar um espaço de solidariedade entre estudantes de escolas de diferentes bairros. Ficamos reféns da espontaneidade das próximas gerações. Hoje, 3 anos depois das ocupações, nossa luta ficou nos nossos sonhos. Conseguimos dormir com a consciência limpa de que lutamos pelo que é nosso, mas me preocupa é que sejam poucos os que se lamentam por não terem deixado um saldo organizativo para os próximos filhos da classe trabalhadora.

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As fotografias que ilustram este texto são do Coletivo Fotoguerrilha.

2 COMENTÁRIOS

  1. Alfredo, tenho duas experiências muito diferentes de ativismo no âmbito estudantil, ambas em universidades. O que eu hoje entendo sobre este meio é o seguinte. As ondas de forte mobilização e ocupações tem um potencial enorme para forjar ativistas e militantes, mas isso só se concreta quando se vence o tempo e os laços criados se solidificam para além do ambiente estudantil. Isso por um lado. Por outro, também vejo a importância de companheiros e companheiras que se formam em outros âmbitos – geralmente partidos e movimentos sociais – para dar um dinamismo ao movimento estudantil (claro que não estou falando naqueles que se formam em práticas de engessamento, muito comum também).

    Neste pequeno esquema, para que exista um movimento estudantil potente, é necessário um fluxo para dentro e para fora do mesmo. Essa minha impressão também se fortaleceu quando li os relatos das ocupações em São Paulo, dos e das companheiras do Mal Educado, e os debates sobre o “nós por nós”, isto é, um certo corporativismo estudantil.

    Acredito ser tarefa nossa atrair companheiros e companheiras estudantes de todas as idades, por meio de conversas e atividades, e promover sua formação como ativistas de maneira geral, não para que se torne um/a militante estudantil exclusivamente, mas para que quando haja um ambiente propício em seu local de estudos, possa dinamizar o processo com seus companheiros e companheiras de lá. Da mesma forma, após os processos mais intensos de luta, é necessário pensar formas de manter os vínculos e a formação, para que não acabe tudo em uma faísca de luta.

    Com isso quero dizer que a constância do movimento estudantil depende menos da constância dos próprios órgãos de luta estudantis desenvolvidos no calor da luta, que de uma cultura generalizada de luta, que permeie escolas, universidades, bairros, grupos de afinidade, etc. Um “estudantismo” voltado para si mesmo, ao invés de replicar uma lógica obrerista de auto-gestão e de luta em lugar de trabalho, tende a gerar desmobilização nas camadas que terminam o ciclo estudantil, que se veem “soltas” e “desorganizadas” no mundo exterior aos muros da escola e da universidade ao invés de sentir-se identificadas com uma militância desterritorializada (ou seja, uma militância que possa enraizar-se em todo e qualquer território da classe).

  2. Estudante, tenho muitíssimos acordos com sua ponderação, de modo geral. Todavia queria enfatizar algumas coisas.

    Pelo menos da experiência que eu vivenciei nas ocupações, os estudantes que mantiveram uma postura política ativa em generosa maioria, ou adentraram em partidos políticos com propostas muito destoantes da pauta das ocupações, ou cairam no ativismo pelo ativismo. Em ambos os casos não se consolidou uma cultura da politização na escola. Então é preciso também apontar para os limites da ação para além do meio estudantil, tendo claro que ele não se basta por si só. a greve de 2016 só teve vitória porque a luta era estudantil, dos professores e (pelo menos algumas que eu conheço) mantinham solidariedade com os terceirizados das escolas e com a comunidade. Outro ponto e que eu não tive a sensibilidade de comentar no meu texto é que esse empoderamento nas escolas após as ocupações não se traduziu em um grande debate entre a comunidade escolar, pensando nas famílias e nos terceirizados da escola. Um debate sobre relações de trabalho na escola, por exemplo. Talvez eu esteja sonhando demais. um camarada fez o bendito serviço de publicar um texto sobre https://passapalavra.info/2016/05/108235/ em que ele destrincha melhor essas questões. No mais, ainda não tenho uma fórmula mágica para que se edifique uma cultura de luta nas escolas e sob a reflexão delas, relações sociais de uma outra maneira, para além do sindicalismo estudantil.

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