Por Nilton PS

Todos nós já vimos aqueles filmes que começam com uma frase “baseado numa história real”. O que vou contar a seguir não é baseado, realmente aconteceu por mais estranho e singular que pareça. Não tem liberdade criativa neste roteiro da vida real, tampouco estou exagerando ou colorindo os fatos que presenciei. Decerto, todos devem ter presenciado uma experiência semelhante ou ouvido falar de alguma no mundo corporativo.

Foi há mais de vinte anos, quando, recém chegado à cidade para trabalhar numa agência de publicidade, fui encarregado de me reunir com um dos nossos maiores clientes, uma empresa têxtil de origem familiar e gigante no setor com atuação internacional. O objetivo da reunião era apresentar os layouts e organizar a divulgação de uma grande campanha estadual junto aos estudantes do primeiro e segundo grau sobre a segurança no trânsito.

Cheguei na fábrica do cliente poucos minutos antes do horário marcado. Era um prédio gigante e moderno, que reunia a administração e a linha de produção da empresa. O maquinário era o que havia de mais moderno no mundo e a fábrica reunia todos os requisitos da ISO 9000, que estavam obtendo junto aos órgãos internacionais. Fui recebido por um dos diretores da empresa. Sempre gentil, avisou que a reunião teria seu início nos próximos trinta minutos por conta de alterações de última hora. Assim, ele me mostraria a linha de produção até o início da reunião. Ao longo da visita ao chão de fábrica pude comprovar como realmente era uma empresa moderna. Porém, sempre que encontrávamos um gerente ou supervisor, falavam no nome do dono da empresa dizendo Heil! junto ao nome. Como não conhecia nada da região, inocentemente presumi que era o sobrenome do dono, de origem alemã. Mas ao falarem o nome olhavam para mim com um sorriso maroto. Logo percebi que aí tinha alguma coisa, mas realmente não consegui discernir o que seria. Isto aconteceu diversas vezes com todas as pessoas que me apresentaram.

Chegando a hora da reunião fui encaminhado para a antessala da presidência da empresa. Lá tive a impressão de voltar no tempo. Todo o mobiliário era dos anos 50! Não havia nenhum computador nas mesas e a internet ainda não tinha a expressão que tem hoje, mas então ninguém usava mais máquinas de datilografia nos escritórios. Ali usavam! Havia três secretárias, todas com mais de cinquenta anos, correndo atarantadas em torno de suas mesas e arquivos. Nenhuma delas sentou no período em que estive ali. Ao entrar, uma delas muito solícita e gentil, convidou-me a sentar e avisou que estavam finalizando a arrumação da sala de reuniões e que logo me encaminhariam para lá. Então voltou a andar em passos muito ligeiros em torno da sala como as suas duas outras colegas. Pelo modo como agiam pensei: alguma coisa aconteceu na empresa, algum acidente ou emergência.

Quando entrei na sala de reuniões encontrei uma mesa muito longa, facilmente caberiam vinte pessoas em volta. Pediram que sentasse junto a cabeceira da mesa, onde ficaria do lado esquerdo do presidente. Depois chegaram os diretores, num total de doze, todos com idades variando dos trinta aos quarenta anos, conversando animadamente. Por último, chegou o presidente, carrancudo, sem cumprimentar ninguém e de semblante muito sério. O silêncio que se seguiu era tão alto que dava para ouvir. Sentou-se na cabeceira da mesa totalmente mudo, ao meu lado; apresentaram-me a ele que todo o tempo ficou a centímetros de distância. Sequer olhou na minha direção. Era como se eu não existisse!

A reunião começa e ele pega um dos layouts que trouxera comigo. Era um folheto de divulgação. Sem sequer examiná-lo, mostrou-o para os diretores e perguntou, ou melhor, rosnou: O que acham disso? Os diretores disseram algo como: não sei, não sei dizer, hum, ahn e outras frases curtas sem sentido. Pensei: mas que turma sem opinião, sequer um gostei ou não gostei! O presidente rosnou de novo: Eu não gostei! A diretoria começou a dizer: eu também não, não está bom, podia ser melhor etc. Todos concordaram com o chefe.

A reunião prossegue, pois eram várias peças e ações de marketing a serem apresentadas. Meia hora depois, o presidente pega o mesmo folheto de antes e novamente rosna bem alto para todos: Eu gostei disso! A diretoria responde: eu também, está muito bom, gostei, é bonito, ficou legal etc.

Mais do que surpreso, fiquei perplexo! O que estava acontecendo? Perdi parte da reunião e não percebi? Entendi direito? Era uma pegadinha? Eu já tinha visto situações assim em comédias na TV e teatro, mas nunca achei que uma situação cômica de tão ridícula que era poderia acontecer de verdade! Sei que a arte imita a vida, mas…

Durante a reunião compreendi porque as três secretárias estavam atarantadas. O presidente da empresa diversas vezes pegou no telefone para falar com elas, esperava somente atenderem e então dizia: Me liga com Fulano, e desligava. Pegava novamente e dizia: Me liga com Sicrano. Não esperava para conferir se do outro lado da linha tinham entendido o que falara, desligava o telefone imediatamente. A reunião durou mais uns quarenta minutos. Terminada, ele saiu ainda sem olhar para mim e finalizamos os detalhes com os demais integrantes. Em nenhum momento falou comigo, as dúvidas que ele tinha perguntava aos diretores que perguntavam para mim. Eu respondia olhando para ele e aguardava a próxima pergunta.

Figura conhecidíssima na região e em todo Estado, este senhor sempre aparecia em publicações do setor e nos jornais, sendo mostrado como exemplo de empreendedor e cogitado ao prêmio de empresário do ano.

Anos mais tarde um dos engenheiros da empresa contou-me que durante sete anos cruzara com ele nos corredores do prédio e o mesmo sequer o cumprimentara. Nem mesmo um bom dia. Surpreso, com os olhos arregalados, disse-me que no dia anterior o presidente sorrira, perguntara pela sua família, apertou-lhe a mão e lhe desejou um bom dia de trabalho. Detalhe: ele, o presidente, tinha acabado de confirmar sua candidatura à prefeitura da cidade.

Esta não seria a única vez que presenciaria casos que mais se pareciam tirados de um roteiro hilariante. Presenciei situações tão absurdas no mundo corporativo que tinha dificuldades em fazer as pessoas para quem eu contava acreditarem.

As imagens que ilustram o relato são do filme “The Trial” (1962), de Orson Welles — inspirado na obra “O Processo”, de Franz Kafka

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