Lula: um estadista

Por Cristiano Fretta

O coletivo do Passa Palavra, entendendo ser necessário promover um debate o mais amplo e plural possível sobre o restabelecimento dos direitos políticos de Lula e a possibilidade de que volte a disputar a Presidência da República, decidiu pedir a alguns de seus colaboradores frequentes que escrevessem textos sobre o assunto. Esperamos que esses textos e o debate por eles suscitado possam estimular a reflexão em torno dos desafios com que depara a esquerda no momento.

O ridículo desfecho do governo Trump representou não só uma simbólica derrota de um tipo de autoritarismo testosterônico e tosco que se apresentou como alternativa global de política de Estado, mas também marcou um ponto de ruptura em que a emergência de líderes progressistas — no sentido mais amplo do termo — pode representar uma superação, mesmo que parcial e ainda incerta, da política do ódio no Ocidente. O ridículo porém grave episódio da invasão do Capitólio já pesa na história da sociedade ocidental como um espetáculo estética e politicamente deplorável, ainda mais por ter ocorrido em uma das democracias em tese mais sólidas do mundo. Mais do que promover mudanças de políticas econômicas e/ou alterar substancialmente a política externa norte-americana, um governo que seja antagônico a Trump pode assim fazê-lo por meio de pautas de costumes baseadas em marcos civilizatórios básicos. Foi neste sentido, por exemplo, que Joe Biden – que está muito longe de ser um político “progressista” — nomeou a transsexual Rachel Levine para o cargo de secretária assistente da saúde e colocou a palavra diversidade no horizonte da política de Estado do novo governo americano. Dessa forma, uma política antitrumpista passa, necessariamente, pelo resgate de marcos civilizatórios básicos — e isso, em tese, não necessita de uma grande mobilização da estrutura da máquina estatal para que aconteça.

Deste lado da América, o Brasil de Jair Bolsonaro se encontra isolado em virtude da inacreditável incompetência e psicopatia de seu líder frente à pior crise sanitária de nossa história. Bolsonaro é hoje um fantasma de qualquer tipo de civilidade, sombra triste na história mundial. O Brasil desenha, todos os dias, páginas disruptivas e projeta para o futuro a certeza de que a “era Covid” será lembrada não só pela carnificina viral, mas também pela explicitação da maldade e da psicopatia do representante máximo de nosso Poder Executivo. Em um futuro breve, teremos que enfrentar a seguinte pergunta: como uma nação se permitiu olhar o semblante do mal todos os dias e ainda assim deixar que a história fosse escrita dessa forma? A incapacidade institucional de se parar Jair Bolsonaro perdurará como um dos mais tristes episódios da história do Brasil. A Covid já tem um lugar de gala ao lado das grandes vergonhas nacionais. Quanto mais Jair Bolsonaro sobe o tom em direção a afirmações explicitamente golpistas, mais se percebe a sua incapacidade de liderar que não seja direcionada à sua turba de lunáticos. O recente episódio da “troca” do ministro da saúde demonstra que o Governo está atolado não só em um mar de maldade, mas também de incompetência. Há um vazio enorme neste país em relação a medidas efetivas de combate ao coronavírus. Ou melhor: há um vazio enorme por uma liderança que seja minimamente empática e humana. Pode-se ponderar, claro, que não há propriamente um vazio, mas sim um projeto genocida em curso. De uma forma ou outra, existe a necessidade de um pacto nacional em torno do bom senso e da saúde.

Lula: um estadista

E é neste contexto que um Lula elegível se projeta. O contexto de ressurgimento de sua figura detentora de direitos políticos legais não poderia ser mais propício. Lula é um estadista nato que traz em si não só o senso de coletividade de que o Brasil precisa neste momento, mas também compreende que sua eleição em 2022 pode ser a cristalização contra os desmandos jurídicos da Lava Jato. Lula é um homem que já viveu várias vidas. De imigrante nordestino a líder sindical. De candidato derrotado a presidente eleito. De esperança da esquerda mundial a protagonista de alianças duvidosas. Dono de uma retórica poderosíssima, sabe como ninguém projetar por meio das palavras os anseios dos mais diversos setores da sociedade brasileira. O ex-presidente é um conciliador. Lula passou meses preso, e isso pareceu ser o fim de sua carreira política e até mesmo pessoal. Em 2018 talvez nem mesmo o mais empedernido dos otimistas ousasse dizer que ele poderia voltar ao jogo eleitoral na próxima eleição. É preciso ressaltar que a Vaza Jato [*] cumpriu papel fundamental no reestabelecimento da verdade e demonstrou, na prática, em uma argumentação que muitas vezes se deu a conta-gotas de cada pequena verdade vazada, que Sérgio Moro e sua turma agiram como uma máquina persecutória que tinha como grande objetivo tirar Lula do cenário eleitoral de 2018. Em suma: a Lava Jato agiu como uma polícia política. Lula levou nos ombros a farsa legal dos processos, dos conluios entre juízes e procuradores, e agora ostenta forte e revigorado uma enorme emergência por justiça jurídica. Além disso, a ascensão de Lula não vem sozinha: está aliada por oposição ao fracasso de Sérgio Moro, que foi em alguns anos de herói nacional a ex-juiz e a ex-ministro julgado por parcialidade pelo STF. Sua carreira está arruinada.

Também é evidente que o antibolsonarismo tenha como consequência uma queda do antilulismo. É claro que uma eleição que tenha Bolsonaro e Lula como protagonistas será um duelo mais de rejeições do que convicções, mas também é certo que o desgaste de Bolsonaro frente à pandemia hoje beneficia Lula e sua natural capacidade de liderança. Acrescente-se a isso a recente porém já desgastada relação de Bolsonaro com o Centrão. Terá Jair em 2022 apoio deste setor político? A Imprensa e o Mercado, no entanto, não têm escondido sua insatisfação frente a uma possível candidatura do petista. Nada mais óbvio, uma vez que foi esta mesma Imprensa e Mercado que gestaram o impeachment de Dilma Roussef e construíram o lavajatismo como força ideológica. Os conglomerados econômicos e midiáticos ainda não se desgrudaram da atmosfera pós-eleição de 2014 e demonstram que, apesar das crescentes críticas ao governo Bolsonaro, ainda operam uma lógica liberal antipetista.

O argumento de que a Economia não reagiria bem no caso de Lula concorrer em 2022 ainda é frágil e meramente especulativo. Que tipo de certeza e solidez existe hoje no Brasil a ponto de que o petista seja uma ressalva em relação ao crescimento econômico do país? A preocupação com a alta do dólar ou taxas de juros soa como um argumento distante e desconectado da realidade do povo brasileiro, enunciado por um mercado liberal, antipetista e que carrega consigo a responsabilidade pelo impeachment de Dilma Roussef. Mais frágil do que a ponderação econômica é o argumento de que a democracia brasileira poderia entrar em colapso com a candidatura de Lula. Por acaso já não vivemos momentos há muito disruptivos no Brasil? O próprio presidente da república trata de incendiar a certeza da democracia brasileira assim que tem uma oportunidade.

Lula: um estadista

O petista deve enfrentar toda a sorte de desafios caso consiga mais uma vez subir a rampa do Palácio do Planalto. Depois da Lava Jato não há nenhuma garantia de que novas farsas jurídicas não surjam com o objetivo de manipular o cenário eleitoral. Além disso, não podemos esquecer que o próprio Lula foi preso, sua sucessora sofreu impeachment e que o atual presidente sofreu um atentado a faca durante a campanha eleitoral. Sem dúvida os nossos últimos presidentes são ligados, de uma forma ou outra, a eventos disruptivos.

A projeção de Lula no cenário eleitoral brasileiro foi vista por muitos líderes e intelectuais de outros países como um evento de justiça jurídica e como uma possibilidade de reinserção do Brasil no hall de países cujas políticas públicas encontrem como base marcos civilizatórios básicos. Uma possível eleição de Lula não será apenas o triunfo do petista, mas também um golpe certeiro — ainda que não definitivo — no obscurantismo que assola este país. E mais do que isso: a eleição de Lula teria a capacidade quase imediata de recolocar o Brasil em termos de política externa, ajudando a “limpar” nossa imagem frente ao mundo. O ex-metalúrgico é e continuará sendo uma das figuras políticas mais respeitadas no cenário mundial, a despeito de todas as acusações de corrupção que pairam sobre ele. O Brasil merece e precisa de um estadista. E hoje não há ninguém mais qualificado do que Luís Inácio Lula da Silva.

 

[*] Referência à publicação de mensagens trocadas entre membros da força-tarefa da operação Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro em 2019, pelo site The Intercept.

 

As obras que ilustram o artigo são da autoria de Luigi Russolo (1883-1947)

54 COMENTÁRIOS

  1. O Passa Palavra virando um “puxadinho” do Brasil 247?
    Voto e votarei no Lula, se voltar a ser candidato, mas este texto, pelo incensamento que lhe é imanente, é bastante constrangedor para estar aqui publicado.
    O que está acontecendo? O Passa Palavra foi “capturado”? Ou esta é uma página fake?

  2. “Brasil merece e precisa” do estadista Lula? Nossa… Concordo quando diz que “Lula é um homem que já viveu várias vidas”. Varias vidas, todas elas vividas na condição de agente do capital. Mas ser agente do capital não é crime do ponto de vista da justiça burguesa. Lula foi condenado não pelo papel que sempre cumpriu, mas sim por ter se tornado obsoleto diante dos desafios enfrentados para se obter um processo continuo e ilimitado de acumulação capitalista. Que Brasil é esse que merece o Lula, um estadista (e por isso invariavelmente um ator a serviço do capital)? É o Brasil do patrão.

  3. Parabéns ao Passa Palavra. Como um texto desse foi liberado pelo coletivo para publicação? Na verdade, ainda bem que foi. Faz perceber que são todos intelectuais hipócritas. Adoram publicar textos “científicos” fazendo críticas violentas ao reformismo (inerente à esquerda) e às instituições capitalistas e estatais, mas agora publica um de um colaborador que diz que “O Brasil merece e precisa de um estadista. E hoje não há ninguém mais qualificado do que Luís Inácio Lula da Silva.”. Que loucura. Com isso não ajudam nenhum pouco para a construção de uma alternativa comunista ao capitalismo. Esse debate “dos desafios da esquerda no momento” já tá saturado desde meados do século XX. Focar em debater esquerda e apoiar candidatos? Em pleno século XXI? Tão zoando com a formação da classe trabalhadora que pertencem. Sempre haverá crises violentas no capitalismo e enquanto o discurso for sempre voltar para o menos pior: Bolsonaros e Lulas irão surgir na eterna dialética dos contrários reforçadores do sistema de exploração. O capitalismo agradece e, consequentemente, a esquerda também. Ah, acho que um texto de um bolsonarista seria melhor que esse ae para se debater.

  4. Toda a história de 12 anos do Passa Palavra contrasta com os anseios do autor por um exímio estatista. É certo que Lula teve muitas vidas, mas é esta última que deve ser analisada. Lula não pode ser tirado da história. Se já foi um operário, não quer dizer que represente um ‘controle operário’ em seu governo. Seu papel hoje é o de outra classe, que vemos crescendo constantemente das burocracias formadas nos movimentos sociais — a classe dos gestores. Na contramão deste artigo vimos análises exemplares do coletivo em apostar nos Movimentos sociais, e não em suas lideranças formadas pelas burocracias. Por isso faço um apelo aos camaradas que leem este artigo com o mesmo espanto que o meu, não julguem o site ou o coletivo editorial por causa de um artigo. Mas, é claro, não deixem de questionar. Jamais.

  5. Será que o coletivo errou ao publicar este texto? Será que os pedidos de censura não são de alguma forma reflexo da escalada autoritária no mundo? Será que o aviso no início da publicação foi lido? Tantas questões…

  6. Flagrante Delito: Passa Palavra… e a saudade de sentir medo do fascismo que não veio…

  7. Ou foi a posição de classe e a escolha suprema pela democracia que ficaram definitivamente marcados agora?

  8. A aba “O que é o Passa Palavra e como se organiza?” [https://passapalavra.info/2020/04/131450/], consta:
    “5. O Passa Palavra está aberto à publicação de textos enviados por colaboradores não pertencentes ao coletivo, tanto relatos de lutas como artigos de reflexão, desde que
    b) adotem perspectivas anticapitalistas;”

    Onde está o anticapitalismo do texto “Lula: um estadista”?

  9. O Passa Palavra tem leitores engraçados. O coletivo resolveu promover um debate sobre o Lula, mas na visão dessas pessoas não pode haver alguém nesse debate que defenda o Lula… O debate estaria interditado logo de início, não? E a Liv resolveu buscar o estatuto editorial do Passa Palavra para jogá-lo na cara do Passa Palavra, mas se esquecendo de prestar atenção no aviso acima que diz que o coletivo “entendendo ser necessário promover um debate o mais amplo e plural possível […] decidiu pedir a alguns de seus colaboradores frequentes que escrevessem textos sobre o assunto”. Se você pede para alguém comparecer a um debate presencial para discutir um assunto e essa pessoa começa a apresentar uma visão que você discorda, você corta o microfone? É assim a esquerda? Será que não seria melhor tais leitores apressados esperarem um pouquinho para ver o que virá em seguida?

  10. Eu li o aviso. E leio os que defendem o Lula. Por sinal, é só o que existe disponível para leitura. Sei que o Passa Palavra já publicou severas críticas ao lulismo. Lamentavelmente, todas elas em academiquês. Felizmente, todas elas (ao menos as que eu li) partindo de uma perspectiva anticapitalista. Eu não “joguei na cara do coletivo” o estatuto editorial do Passa Palavra. Não tenho mais idade para isso. O que eu fiz foi questionar a seriedade dele. A minha expectativa mínima era encontrar aqui publicações anticapitalistas. Mínima. Não é o caso dessa publicação. O Passa Palavra não é um espaço neutro. Tem estatuto. Não se trata de censura. É meramente uma questão de coerência.

  11. Mas veja bem, Liv, coerência é preciso ter consigo mesmo e com sua própria trajetória, e o texto não é do Passa Palavra, e não vi o Passa Palavra defendendo o Lula (basta acompanhar a seção dos textos Autorais). O texto é de um convidado ao debate, na perspectiva de um “debate o mais amplo e plural possível”; não há mais espaço para isso na esquerda? Como é possível fazer um “debate o mais amplo e plural possível” no Brasil, entre pessoas de esquerda, sem que alguém defenda o Lula? Me explique isso, por favor. Como a crítica ao Lula vai chegar aos defensores do Lula se não colocamos uns e outros, críticos e defensores, para debater no mesmo lugar? O policiamento do discurso na esquerda, e a tendência de ficar cada um no seu quadrado, chegou realmente a um nível preocupante…

  12. Incrível como surgem tentativas de salvar o Bolsonaro, por parte de uma certa esquerda, seja de um processo previsto pela constituição (impeachment) que é tanto jurídico quanto político e perfeitamente democrático, ou de um afastamento de Bolsonaro da presidência por vias legais e previstas dado a acumulação de “alucinações”, desmandos e crimes por parte de sua gestão. Exatamente quando o governo está enfraquecido. Justamente quando o tal ditador fascista com qual a esquerda tanto sonhou é colocado na parede. Na hora em que até militares, parte da elite financeira e centrão deixam claramente que estão abertos a debater uma via para que se dê a entrada de um processo de afastamento de um genocida da presidência, surgem aqui e acolá nos 247 da vida, única e exclusivamente uma saída eleitoreira para a crise, uma saída em que devem ainda morrer mais uns 300 mil brasileiros, uma saída para a qual, possivelmente não sobre nem mais o próprio Brasil para contar a história. Começam, aqui e acolá, a chutar cachorro morto (Moro e Lava-Jato) enquanto os ratos destroem tudo quanto podem. Bastam estar Bolsonaro ou Guedes melindrados que uma certa esquerda se engaja no seu salvamento, ao invés de ajudar a população brasileira a dar o golpe final neste governo moribundo penhasco abaixo.

  13. legal é que parte dos colegas que comentaram têm um tesão por censura.
    Em vez de criticar o texto em si, criticam a publicação do texto.

  14. “Eu li o aviso” (todos que comentaram leram) não deveria haver um debate na esquerda “o mais amplo e plural possível” que defenda um membro da classe gestora (e o ponto de vista capitalista, por consequência). Pensando bem, deve haver assim. Afinal, a esquerda é uma engrenagem indispensável para a formação da classe gestorial, criando parte de seus membros. Acho engraçado (e trágico, óbvio) em pleno século XXI os anticapitalistas ainda se designarem ou defenderem a “esquerda”. Nível preocupante seria se, depois de todos os fracassos históricos, parte dos membros da classe trabalhadora não se rebelasse imediata e frontalmente contra o velho discurso de esquerda e seus intelectuais ultrapassados, que ainda querem debater as mesmas coisas num looping sem fim, sem nada acrescentar na práxis da classe trabalhadora e na formação de práticas comunistas (que é o que importa, no fim). Falar em policiamento é mimimi de esquerdinha que não aguenta nem um pouco que mexam com seus ídolos e deuses criados para fornecer bases para o seu discurso de dominação e subjulgação da classe trabalhadora ao capitalismo e seus gestores.

    breno modesto: como uma critica à publicação do texto não é igualmente uma crítica ao texto em si? Faltou tesão em lógica para seu raciocínio (seria por censura sua?).

  15. Mas, camarada que leu o aviso, veja que tudo depende do que você considera ser o marco que diferencia a esquerda e a direita. Eu diferencio da seguinte forma: A esquerda não é, e seria conceitualmente impossível ser, pró-capital. Ser de esquerda é necessariamente ser anticapitalista. Se a demanda é por um debate plural entre integrantes da esquerda, então vale salientar que há uma pularidade de posições imensa entre os anticapitalistas. Esse marco que diferença a esquerda da direita é, consequentemente, o que diferencia o progressismo lulista não da direita, mas sim da esquerda. Não há como defender o Lula, sem defender os bancos e o Estado burguês. Lula é um estadista, está correto isso. Mas o que isso significa? Que Lula é um exímio governante do Estado burguês! Afinal, ‘os bancos nunca lucraram tanto’, e o trabalhador nunca foi tão espoliado quanto no período da inclusão social pela via do consumo e do endividamento. Os lulistas não são representantes da esquerda, são representantes do capital (mesmo que não o saibam) e, portanto, são integrantes da direta. Na direita, podem até estar à esquerda. Mas estar à esquerda permanecendo no campo da direita não é ser de esquerda.

    E mais, caro camarada que leu o aviso e acreditou no bilhete, se o Passa Palavra deseja abrir espaço para um suposto debate plural que inclua os defensores do Lula, o que justifica a série recente de publicações denunciando o que eles chamam de ‘bolsonarismo de esquerda’? Seria… um policiamento? Ou uma prova de incoerência? Entre esses tais bolsonaristas de esquerda há também lulistas, sabia? Então só o que não pode é policiar a posição dos lulistas que escrevem em academiquês?

  16. A indignação em ver um texto com este conteúdo publicado aqui é grande. Eu que estive entre os fundadores do PP e tive que sair por estar abarrotado de compromissos, deixei de me preocupar com um de meus irmãos que neste momento está entubado numa UTI entre a vida e a morte por causa da COVID-19 para escrever este comentário. Não vou me precipitar em dizer que o PP foi recuperado, mas partilho da cobrança de muitos comentadores que me antecederam. Um debate “o mais amplo e plural possível” de uma perspectiva anticapitalista desconsideraria de início qualquer possibilidade em torno desse ex-operário por sua folha de serviços prestados aos inimigos históricos do proletariado desde que entrou para a diretoria do Sindicato de SB do Campo como dirigente assistencialista na chapa do dedo-duro Paulo Vidal em 1972. Por isso foi poupado por Golbery quando das greves da SAAB-SCANIA em 1977/78. O General sabia que ele tinha uma missão de longo prazo a desempenhar…

  17. Para Hipócrita x Hipócritas, não precisa haver debate algum, pois ele (ou ela) já sabe tudo, já tem a verdade toda pronta na cabeça, é de uma onisciência impressionante. O curioso é que Hipócrita x Hipócritas pode, a qualquer momento, mandar um texto com suas ideias para o Passa Palavra, não? Como a Liv (que também pode fazer o mesmo) já colocou acima, o Passa Palavra aceita textos anticapitalistas… Hipócrita x Hipócritas pode, pois, mandar um texto contendo toda a verdade revolucionária que parece ter já completinha na cabeça, incluindo a informação de quem é ou não revolucionário, claro, pois Hipócrita x Hipócritas sabe que todos os que comentaram defendendo a não censura ao texto (pedido pelo Passa Palavra a um autor que já colaborou com o site), de um lado, e a legitimidade de um debate “o mais amplo e plural possível”, de outro, como proposto pelo site, são do perfil “esquerdinha que não aguenta nem um pouco que mexam com seus ídolos e deuses”. Estamos todos aguardando, portanto, aquilo que Hipócrita x Hipócritas tem a acrescentar para a “práxis da classe trabalhadora” e para a “formação de práticas comunistas”. Ou talvez Hipócrita x Hipócritas só esteja presumindo muita coisa sobre outros comentadores que não conhece, não sabe como pensam, nem se têm alguma trajetória de militância anticapitalista, talvez até contra o PT, e tudo isso de maneira muito… hipócrita.

    Liv, você falha em dois sentidos: 1) as pessoas não são seres prontos e acabados, separados eternamente em suas próprias gavetinhas: talvez abrir espaço para um debate, como o coletivo propõe, “o mais amplo e plural possível”, seja uma forma de veicular esse debate para um público maior, fora do quadradinho diminuto onde nos situamos. Há um risco aí, mas toda aposta envolve algum risco. Eu acompanho o Passa Palavra há anos e (quer saber?) estou interessado em saber aonde vai dar esse debate. 2) outra coisa muito diferente é a esquerda convergir, nos seus discursos e práticas, com fascistas. Vários sites de esquerda por aí, como a própria série de flagrantes delitos que você mencionou demonstra, têm publicado coisas que são uma repetição e reformulação, na esquerda, de discursos originados no campo do fascismo.

  18. Camarada que leu o aviso, sobre a série ‘bolsonarismo de esquerda’, copio aqui o que comentei na publicação a respeito do político bolsonarista preso recentemente [https://passapalavra.info/2021/03/136265/#comments]. Acho que esse comentário vale também para responder a questão respeito do “quadradinho diminuto” que o Passa Palavra está supostamente tentando ampliar (na minha opinião, apostando em táticas equivocadas e, consequentemente, em um publico alvo também equivocado):

    “Quanto ao PCO, me parece preguiçoso tratá-los simplesmente na chave do “Bolsonarismo de esquerda”. É mesmo possível apontar para a elasticidade bravateira do PCO, mas é uma elasticidade bravateira sistemática. A aparente inconsequência, por ser sistemática, me parece (posso estar erradíssima) uma escolha calculada. Não existe espaço político vazio e o barulho do PCO não é mais tão cômico quanto foi no passado. Às vezes, chega a ser um barulhinho constrangedor. Por exemplo, quando eles dizem: “Imperialismo elege Boulos um líder mundial” ou “Boulos cria uma autoimagem artificial com objetivos eleitorais”. Constrangedor… Constrangedor porque não é tão absurdo assim tratar a questão nesses termos. Outro exemplo, vejam só como é constrangedora a política pacifista de uma suposta esquerda que aposta em carreatas como tática de resistência: “Toda a esquerda pequeno-burguesa mostra que sua política não é revolucionária. Mais correto seria dizer que a política de Jones Manoel e a esquerda desarmamentista é uma política hippie, cirandeira, pacifista rasteira. Os comunistas não acreditam nas flores vencendo o canhão, porque isso é simplesmente impossível.”
    Se, por um lado, o PCO defende o Lula de forma apaixonada. Por outro lado, os cirandeiros reduziram as oportunidades de debate ao patamar do debate bolsonarista. Se trata de uma redução de linguagem que invariavelmente inviabiliza qualquer embate de ideias. Quem lembra de quando a suposta esquerda reclamava da dificuldade de dialogar com bolsanaristas? Qualquer um que conheça apenas a linguagem dos memes, qualquer um que tenha o virtual como plano principal de sociabilidade, se encontra destituído das ferramentas de linguagem indispensáveis para um debate. Meme não é ideia, não é crítica, é senso comum. Assim como a existência virtual não é existência de fato, pois não passa de um véu. A dificuldade de dialogar com um bolsonarista é a mesma dificuldade de dialogar com um jovem vestido de progressista com seu boné do MST cheirando a OMO. Talvez, o espaço vazio seja o da radicalidade. Que louco vai ser quando se tornar uma radicalidade defender o Lula [e olha aqui o Passa Palavra publicando textos enaltecendo o Lula estadista] e se opor aos [dirigentes com teto dos] sem-teto [como se houvesse qualquer diferença entre o pelego do sindicato e doutor da filantropia solidária] (movimento que a Isadora Guerreiro caracteriza tão bem). Nesse sentido, vejo na aparência cômica do PCO, um constrangimento trágico, e não simplesmente um bolsonarismo de esquerda.”

    Eu acrescentaria mais o seguinte: O amansamento do judiciário em relação ao Lula (operário, mas pelego) abala/retarda as possibilidades de crescimento de um sucessor (tem quem aponte que o doutor com teto dos sem teto seria esse sucessor, e que ele também tem “uma missão de longo prazo a desempenhar”). Por um lado, o Lula-Livre-Para-Falar e para se candidatar abafa a fala de Boulos (que não deu um piu na coletiva de imprensa de uns dias atrás em SBC), de Ciro, e de sei lá quem mais (inclusive a relevância desses atores nas redes). E, por outro lado, a pauta da esquerda pró-capital (especialmente as vendidas pelos psolistas) está cada vez mais desinteressante. Desinteressante porque há um abismo enorme entre essas pautas (frequentemente identitárias e liberais) e a realidade/necessidade concreta dos mais explorados. Lula sabe disso. Bolsonaro sabe disso. Cabo Daciolo com seu discurso religioso, sabe também.
    Expandir o quadradinho para incluir os coleguinhas progressistas da academia, é mais do mesmo. E por isso considero equivocada aposta do Passa Palavra. Dialogar com o bolsonarismo (de esquerda ou de direita) e com o discurso religioso, esse sim é o desafio. Mas é um desafio sujo demais para uma “””esquerda””” iluminada demais.

  19. “Eu li o aviso” obrigado por brincar falando que fui hipócrita, afinal era essa a intenção, visto que todos somos, levando em consideração o nome que coloquei como forma de escárnio. Pois bem.
    Com certeza não tenho verdade pronta na cabeça, visto que a verdade dá-se na práxis histórica, o que você não quer conceber em seu mundinho interno. Não conseguiu tirar a conclusão ainda que o lula, o pt, o lulismo ou qualquer esquerda eleitoreira e institucionalizada não são ou foram práticas anticapitalistas? O que mais precisa ver na história? De acordo com o estatuto do Passa Palavra os textos publicados DEVEM adotar perspectivas anticapitalistas e o que está posto no site para debate vê-se facilmente que não é, pois publicar um texto que defende que o Brasil precisa de um estatista com certeza é muito capitalista (e não é pouco não). É tão fácil a percepção que teve vários comentários imediatos contrários achando um absurdo, o que alguns (incluindo você) consideraram como “tentativa de censura do texto”, conclusão que parece uma piada de mal gosto, mas normal devido ao tempo confuso e sombrio em que vivemos. Confusos todos estamos, mas não deveriamos quanto ao caráter não anticapitalista do texto. E muitos que acompanham o site viram imediatamente (ufa!). Sério que o coletivo que cuida da publicação do “passa” não percebeu que o texto é uma peça praticamente panfletária, com vistas a enaltecer a figura de LUIS INÁCIO LULA DA SILVA (O MAIS QUALIFICADO ESTATISTA POSSÍVEL PARA O BRASIL ETC ETC). Se o site quer começar a comportar textos visando o enaltecimento da classe gestorial, e de seus componentes, que se pronuncie nesse sentido e não somente publique o texto com o aviso de “ser necessário promover um debate o mais amplo e plural possível” sobre um gestor (ah, mas se é considerado de “esquerda” tudo bem né? Tamo junto). Não, a classe trabalhadora nunca estará junto da classe gestorial. Por isso a hipocrisia.

  20. concordo com eu li o aviso . Galera gosta de se enfiar em rótulos e caixinhas , e o pior fazem isso com os outros;
    É por essas e outras que não avançamos ! essa mania de se achar o mais revolucionario , o mais anticapitalista e que nao dialoga em nada com a classe trabalhadora ( ampla, plural e complexa ) é típico dos académicos que falam mal da academia ! ( hipocrisia reina ) .
    eu tenho uma organização revolucionaria, mais já estou selecionando quem vai ser chamado ou não , e assim esse minúsculo grupo ( a minoria ativa ) se debate sozinha e isolada da realidade e das pessoas .

  21. Achei pertinente fazer um recorte sobre o comentário de Liv porque, felizmente ou infelizmente, não gerou tanta discussão na ocasião daquele Flagrante Delito. Eu penso que “constragimento trágico” é, essa sim, uma forma ingênua de encarar a situação. Falo com franqueza. Há poucos meses eu teria caído na gargalhada com os editoriais do PCO, como aquele dizendo que o VAR é imperialista. Da ocupação do Capitólio de Washington em diante, no entanto, todas as análises do coletivo se centram em tentar apontar para uma dificuldade em disputar as bases populares do trumpismo,( ou seja, o fascismo como movimento). Narrativa essa que não fez muito esforço em desvencilhar-se do discurso trumpista. Todos viram quando o Olavo de Carvalho e outras figuras da extrema-direita brasileira foram em defesa do PCO, mas para mim aquilo não é coincidência coisa alguma. Muito menos um “constrangimento trágico”. É uma oportunidade trágica! Mais trágica ainda para aqueles que se veem no dever de compreender e combater as bases do trumpismo/bolsonarismo, ao invés de disputá-las.

  22. Concordo que está mais para uma oportunidade trágica. Mas não compreendo a diferença entre disputar a base e combater a base. O dirigente dos sem teto perdeu as eleições em 2018 não apenas nacionalmente, mas também em número de votos da própria base. A base do MTST votou majoritariamente no Bolsonaro. E não poderia ser diferente, porque a base do MTST tem sua consciência enraizada não nas brevissimas cozinhas coletivas de uma ocasional ocupação. Tem sua consciência enraizada na violenta miséria.
    Antipetista de esquerda, teu cometário me fez lembrar um artigo publicado pelo Justificando contando como foi o rompimento entre o Cabo Daciolo e o MES/PSOL. O MES fez essa mesma diferenciação feita por você: disputar ou combater. Eles optaram por combater. Combater com chaves iluministas. O erro está no seguinte: O discurso religioso do Cabo Daciolo comunica muito mais do que o discurso iluminista. Na miséria, a racionalidade não presta para nada. Não garante a sobrevivência. Na miséria, o mérito está na fé, e não na ciência.
    Para construir o que não existe é necessario partir do que existe ou promover o completo alastramento de tudo o que há (como o Suvarin do ZOLA faria). Se a opção não for pelo alastramento, então a opção é pelo que há. Mas como ir pelo que há, se o que há é apenas miséria e ignorância? Aqui está um outro equivocada dos iluministas, a fé ou o ódio são antes expressões de pragmatismo, do que de ignorância. Mais do que compreender e dialogar com os lulistas, é urgente compreender e aprender a dialogar com esse pragmatismo, disputar o significado desse pragmatismo é uma forma de combater o fascismo que pode surgir em terra de exploração e abandono. É a isso que estou me referindo quando digo que o desafio é sujo demais e a esquerda iluminada demais. Nas comunidades não chega saneamento básico, não chega bibliografia obrigatória, e tampouco chega esse debate entre anticapitalistas e lulistas. Mas o lulismo, o bolsonarismo e a religião, chegam.

    Segue trecho do artigo citado:
    “Dizem que filho feio não tem pai, mas isso só vale para os fracos. Votei e fiz campanha para Daciolo nas eleições de 2014. Conheci o Cabo Benevenutto Daciolo em 2011 quando ele surgiu como a principal liderança do movimento dos bombeiros do estado do Rio de Janeiro.”
    “Os bombeiros recebiam de salário base R$1.198 no Rio enquanto em Brasília o piso era de R$3.453. O movimento buscava um piso de R$2.000 de imediato e a aprovação da PEC 300 que estabelecia um piso nacional salarial para Bombeiros e Policiais Militares. O movimento surpreendeu a todos com a extraordinária organização e imediatamente contou com a solidariedade da população.”
    “Milhares de bombeiros marchavam pelas ruas, sempre fora dos seus plantões para não serem acusados de motim, gritando suas palavras de ordem e parando para rezar e pedir o apoio de Deus com frequência.” “Compreensivelmente é uma categoria com forte religiosidade sendo na sua maioria evangélicos. Afinal, para nadar 200 metros mar revolto adentro para resgatar alguém de afogamento, ou entrar em um edifício em chamas para salvar uma criancinha no terceiro andar é preciso acreditar que Deus está no comando. Só na racionalidade e no profissionalismo é mais difícil.”
    Link: https://www.justificando.com/2018/08/14/porque-votei-no-cabo-daciolo-em-2014/

  23. Liv, acho pertinente a sua preocupação. Mas eu faço questão de reafirmar que haja, sim, uma contraposição clara. Você coloca, e perfeitamente, que a esquerda não tem vencido moralmente. por ser mais ou menos científica; por estar certa ou errada em ir para a rua em meio à pandemia, ou por ter fé ou não nas instituições do Estado capitalista. É outra questão que eu coloco aqui: não tem havido disputa nos problemas que pesam a essa classe trabalhadora.

    O Tratamento Precoce (kit-covid) vem com força em um momento em que a orientação científica é ficar em casa até que os sintomas se agravem. Paralelo à isso há aqueles médicos iluminados, insurgentes com relação à medicina tradicional, que trazem Ivermectinas, Cloroquinas e Vitaminas especiais que permitem (na teoria) te prevenir da eventual entubação, decorrente da Sars-CoV-2, e que ainda te permitem retornar ao trabalho e ao lazer. Ponto para o negacionismo. Os bolsonaristas de esquerda ainda por cima fomentam as críticas à big pharma e à qualidade das vacinas. Ainda aparecem aqueles libertários que recusam-se a tomar vacinas do Estado opressor!

    Os lockdowns inserem-se novamente em um contexto de ausência de auxílio emergencial ou qualquer outra renda que previna, na prática, que pessoas tenham que arriscar-se em prol da comida na mesa. AS restrições focam em praias, parques, e pracinhas. Só que o espaço público não tem lobby. Mantém-se abertos os shoppings, os restaurantes, o turismo, as escolas e as igrejas. Mas antes de ir em direção ao inferno, a classe trabalhadora ainda tem que passar pelo limbo, que é o transporte público lotado. os governadores colocam-se em um xadrez com os empresários locais que não querem interromper suas atividades presenciais de forma alguma. Resultado: um lockdown-faz-quem-quer, mantém os governadores e prefeitos no seu pódio de “pró-ciência”, culpam a população por aglomerar-se e delega os protocolos sanitários a esses empresários. Os bolsonaristas de esquerda acabam por dizer que o problema é o lockdown e o cerceamento de direitos (dos patrões).

    E por fim, não temos tomado para nós essa agenda de combate à pandemia e de desagregar o fascismo com nossas próprias mãos. Os maiores autores dessa luta, hoje, infelizmente, são os gestores que foram ou virão a ser nossos carrascos de amanhã. Mas deles não dá pra esperar uma saída proletária. É por isso que quando os bolsonaristas de esquerda questionam processos eleitorais, questionam isolamento social, questionam a prisão de lideranças extremistas que disputam o governo com a intenção de dar um golpe neste, sempre que tomam rumos que soam estranhos — ou deveriam soar — para o enfrentamento de nossas mazelas, eles estão dando um tiro em seu próprio pé.

    Mas seria isso disputar a base ou combatê-la? Eu defendo que estão à disputá-la, inclusive tão bem que as palavras de ordem populistas passam a ser suas. Há uma diferença entre, dentro de um movimento, marcar posições em pautas concretas ou surfar na onda de movimentos problemáticos em sua origem. Essa esquerda quer disputar essas bases através do populismo, é por isso que seus resultados não são uma “esquerdização” do bolsonarismo, mas a bolsonarização da esquerda. Por sorte são iniciativas tão insignificantes que não merecem outra coisa senão o deboche.

  24. O anticapitalismo virou identidade e precisa de espaços exclusivos agora?

  25. É uma bobagem falar em bolsonarismo de esquerda ou de direita. Existe o Bolsonaro, e existe uma fatia expressiva da população que compreender, que acessa o que Bolsonaro diz. Uma fatia que no passado foi lulista. Para essa fatia pouco importa o selo de autenticidade que indica se o grupo é de direita ou de esquerda. O pragmatismo transita facilmente entre um e outro. Transita porque o pragmatismo responde as necessidades imediatas inerentes a situação de miserável. Quem mobiliza a fé (a fé no mito ou a fé na luta e no empreendedorismo), o ódio (contra o policial ou contra o bandido) ou os problemas imediatos (a fome, a casa, as cotas, etc) mobilizam o que há de mais superficial pois sabem que o pragmatismo das consciências enraizadas na miséria buscam desesperadamente comer hoje. Hoje: nem antes, nem depois. Hoje, porque antes ainda não é demanda e porque depois já é tarde demais. Mobilizam, e sabem disso, uma geração que já nasceu condenada. Mobilizam, e o fazem propositalmente, para que a próxima geração nasça igualmente condenada. Essa é a tarefa de longo prazo de indivíduos como Lula, Bolsonaro e outros do gênero. Qual é a tarefa de longo prazo de quem se diz anticapitalista?
    Ir a reboque do capital é gastar tempo formulando um debate preocupado meramente com o imediato, limitando os esforços ao debate permitindo pelo capital. Discutir uma solução proletária para a pandemia, uma alternativa fora do bolsonarismo ou do lulismo, ou mesmo se Biden está mais à esquerda ou mais à direita dentro da própria direita, é um falso debate. Não tem valor prático e futuro algum porque pula uma etapa importante, pula o proletariado. Quando muito, é prazeroso para quem escreve, para o ego do intelectual.
    Antipetista de esquerda, o problema tem a ver com ponto de vista, com território de luta e com tempo histórico. Pode até parecer que a crise fecha-se na questão do combate a pandemia. Mas não é bem isso. A pandemia é a expressão mais recente (trágico agravante) de uma crise que vem se arrastando por anos. Não me interessa quem esteja ganhando a disputada narrativa da Pandemia. Isso faz parte de um cenário que já aconteceu, que já se consolidou. Geralmente, o destino das crises do capitalismo consolida-se antes que gente consiga enxergar o efeito concreto dessa acomodação. O atestado de óbito que será emitido amanhã, é de um companheiro que morreu na semana passada e não sabia. Os miseráveis que sofrem hoje desse profundo e violento processo de exploração, foram condenados no instante em que nasceram. Tempo.
    A pandemia compõe um cenário imediato. O Lulismo e o bolsonarismo compõe um cenário já não tão imediato. Já religião compõe de longuíssimo prazo! As pessoas vão seguir morrendo, tanto mais ou tanto menos, mas sempre morrendo como sempre morreram. Hoje por covid, ontem por tiro da polícia, anteontem por aids, por tortura legal, por pestes diversas. A causa da morte imediata não importa porque a causa real das mortes é outra, é uma constância, é sempre a morte causada pela miséria. As vacinas vão chegar. O cenário nacional indica que Bolsonaro deseja estourar a corda esticada pelo judiciário e pelo seu rival moral imediato (que estamos chamando aqui de lulismo) e implementar um autogolpe. Mas indica também a possibilidade de um Lulalá acenando para diversos setores do capitalismo global. E o cenário internacional indica o que? Um capitalismo todex premiado pela Time? Biden, Tabata Amaral e Guilherme Boulos? Todex apenas na aparência e que, quando muito, irá colocar uma mulher negra como chefe das forças armadas. Mas isso não significa menos miséria ou menos repressão, significa o contrário disso. Significa que agora não há mais racismo, que agora não há mais questões de gênero. Todos os livres e iguais. Livres e iguais para morrer como sempre morreram. É essa a disputa que vocês querem fazer? Se é lulalá ou se é Bolsonaro já? Se tem auxílio emergencial de 600 ou de 200? Se o médico do Bolsonaro vai ganhar do médico do Sírio Libanês? Nessa camada de debate, qualquer tentativa já nasce igualmente morta sufocada pelo imediato. É uma disputa absolutamente irrelevante para o futuro, porque antes dessa disputa há uma tarefa mais urgente. A ciência os intelectuais da esquerda (dane-se a esquerda pró-capital) já conhecem, mas o comportamento pragmático de quem vive o desespero do hoje é vergonhosamente desconhecido. Mas para conhecer, é preciso abrir mão dos selos e da missão messiânica de quem busca levar a palavra, a luz da ciência, para uma fatia que se for para contar só com as chaves da racionalidade irá preferir morrer já e junto com toda sua prole. É uma tarefa para amanhã, não para hoje.

  26. Liv, acho que seu comentário tem um enorme problema. Mas não reside apenas numa linha de pensamento pessoal sua, pois é assim que pensa também grande parte da extrema-esquerda: essa teoria admite que não tem o que fazer, a não ser, lutar como sempre fez, porque é impossível reverter essas mortes decorrentes do Sars-CoV-2, porque “trabalhadores sempre morreram”, “É só mais um capítulo do capitalismo”; Com qual discurso parece esse? Mas não levantaria meu espanto se fosse apenas uma nota de rodapé das lutas na pandemia. Não, esse pensamento denuncia um negacionismo da esquerda em conceber as tarefas da conjuntura. Por “bolsonarismo de esquerda” me parece claro que o título dos flagrantes se trata apenas de uma piada, nem por isso de pouca gravidade.

  27. Não transfira a falta de criatividade geral para o conteúdo do comentário que fiz aqui mais cedo. Há outras formas de luta. Formas subterrâneas de luta. Formas impossíveis de enxergar por quem se dedida apenas a discutir o imediato. Eu não nego o covid. Eu não sou insensível às mortes. Mas é justamente porque eu não sou insensivel às mortes que eu não consigo deixar de tratar as mortes por covid na exata chave de todas as outras mortes: a miséria. A miséria não é só mais um capítulo do capitalismo. A miseria é elemento constitutivo do capitalismo. Qual é a missão de longo prazo de quem se fiz anticapitalistas para que deixe de ser só mais um capítulo? Debater o imediato? É então construir o debate sempre a reboque do cenário posto pelo capital? Ou é construir, a revelia do capital, uma camada de debate (e de ação, sempre bom lembrar) que trate da realidade escondida pelas imagens/narrativas superficiais?
    Falar em gravidade sem compreender que há um pragmatismo envolvido, é desistir sem nem tentar entender o há de mais profundo na barbárie.
    Paro por aqui.

  28. Liv, não usei o termo insensibilidade. Não pretendo usá-lo como argumento para vencer em um debate. Tampouco faz-se aqui uma apologia ao espontaneísmo. É que o “imediatismo” do qual denuncia é tarefa primordial para que trabalhadores mantenham-se vivos para almejar os objetivos “de longo prazo”.

  29. No início do ano passado nos ressentíamos com a marca de na última década temos ultrapassado 500mil mortes por arma de fogo. Este ano vislumbramos ultrapassar esta marca já nos próximos meses, no lapso temporal de apenas 1 ano e meio, desde o início da pandemia de covid-19. A economia no tempo, ou aceleração na matança, deveria preocupar qualquer que acredita que as vidas das pessoas importam. Com esse ritmo a preocupação será só a longo prazo mesmo, em como repovoar algumas regiões do país.

  30. Parabéns ao PASSA PALAVRA pela publicaçao corajosa. A conjuntura evolui e as velhas posiçoes mudam de lugar, isso é a POLÍTICA. Nao é momento de se apegar a princípios e identidades com sectarismo, estamos em um governo FASCISTA com projeto GENOCÍDA. Acompanho o site há muitos anos, há 5 anos esse texto seria inadimissível ,hoje a conjuntura é outra, até nós autonomistas estamos no mesmo lado da barricada do que os Lulistas, nao adianta interditar e censurar esse debate,é necessário ENFRENTÁ-LO (ENCARAR DE FRENTE).

  31. Lula teve ampla aprovação popular, sequer tentou passar a ditadura empresarial-militar a limpo, o resultado é o que estamos vivendo atualmente: os ratos saindo do esgoto e atacando. Mesmo aceitando os termos do texto, o democratismo bem comportado, não dá para concordar que Lula seja um estadista. Lula teve ampla aprovação popular, sequer tentou reformar a mídia, acabou vitimado por ela, o pior é que o conciliador não foi nem é a única vítima.

    Há um outro fato que precisa ser lembrado, sempre. Em 2004, Lula mandou tropas brasileiras para comandar a invasão do Haiti. Na época dizíamos que iam treinar lá para depois colocar em prática por aqui. Em 2007, com apoio do exército brasileiro, foi ocupado o Morro do Alemão. Muitos militares que ganharam projeção a partir da invasão do Haiti hoje estão no governo genocida. O próprio capetão chegou a compor a base de apoio do Lula. A política lulista de alianças com partidos fisiológicos ajudou a projetar figuras perversas como Severino Cavalcanti, Eduardo Cunha, Michel Temer.

    A desindustrialização começou nos anos 1990 e se manteve nos governos Lula e Dilma, ou seja, a reconversão do país em economia exportadora de produtos primários ocorreu também nos governos petistas. A diferença é que, com Lula, houve um movimento de elevação dos preços das commodities, que criou certa ilusão de riqueza.

    O encarceramento em massa da população pobre ganhou força nos governos petistas. Dilma sancionou a lei antiterrorismo.

    Não dá para separar o bolsonarismo do lulismo, aquele se aproveitou da frustração causada por este. Diziam que a esperança havia vencido o medo. Só que a esperança traída reposicionou e reforçou o medo. O resultado é o que estamos vivendo.

    Ao ignorar os fatos narrados acima e outros, o texto contribui para criar ilusões e confusões. Além de definir Lula como um estadista, o autor afirma que o petista é “dono de uma retórica poderosíssima”, sendo capaz de “projetar por meio das palavras os anseios dos mais diversos setores da sociedade brasileira.” Podia, então, denunciar o genocídio que está sendo praticado contra o povo brasileiro. O que faria um “estadista” diante das mortes evitáveis? Podia, também, denunciar as contrarreformas que retiram direitos dos trabalhadores: previdenciária, trabalhista, administrativa. Mas nenhuma palavra. A explicação é simples. Lula não é um estadista, é apenas um candidato a gestor do capital querendo voltar ao posto: um conciliador num tempo que não permite conciliações. A tragédia se repete como farsa.

  32. Olá. Sou o autor do texto. Por entender que a interlocução é essencial ao debate, agradeço às críticas e ponderações feitas até então em relação ao que escrevi. Eu o pensei com um raciocínio baseado em um pragmatismo amplo, dentro de um hall de possíveis candidatos para 2022. Agradeço, mais uma vez, a todas as leituras e ponderações. Com certeza os argumentos aqui apresentados me fizeram e me fazem refletir. De verdade.
    Eu o li e reli inúmeras vezes nos últimos dias. Como já disse, compreendo e aceito as críticas feitas a ele. Ou melhor: compreendo e aceito as críticas feitas às ideias e à minha subjetividade fortemente presentes nele. O que escrevi cumpre antes aquilo que se chama de função emotiva da linguagem (repleta de marcas de subjetividade e cuja ideologia do emissor é facilmente diagnosticada) do que uma função baseada na mensagem (como seria de se esperar de um texto mais jornalístico e informativo). Este também foi um propósito de escrita.
    Preciso deixar aqui registrado, no entanto, a minha discordância quanto à ideia de que sua publicação está equivocada. O debate democrático precisa estar garantido. Quando me propus a escrever sobre Lula, sabia que este assunto dificilmente passaria sem críticas. O que me espanta, no entanto, é a não compreensão de alguns leitores quanto ao real propósito da publicação. O aviso está ali, antes do texto, em letras vermelhas. Como foi dito pelo Passa Palavra, é necessário “promover um debate o mais amplo e plural possível”. Aqui está o debate – e o texto cumpriu sua função, portanto.
    É claro que a liberdade enunciativa não dá aval para que todo e qualquer conteúdo seja defendido. No entanto, não acredito que o que escrevi fira qualquer tipo de liberdade de expressão e/ou faça apologia a qualquer tipo de transgressão em relação aos direitos humanos. Muitos ponderam que eu estaria defendendo um agente do capital. Respeito a crítica e não vou, por ora, discorrer sobre ela, mas sinceramente não a compreendo como suficiente para inviabilizar a publicação do material e o consequente debate em torno dele gerado. Novamente: acato e agradeço todas as críticas. Mas o espaço e os objetivos da publicação foram muito bem explicitados pelo Passa Palavra. Um texto é bem mais do que simplesmente um texto, mas também o contexto em torno do qual está envolto. Agradeço imensamente ao Passa Palavra pelo espaço. Abraço a todos.

  33. FESTINA LENTE
    Sem que lhe pese o sobrenome, Cristiano faz a apologia do gradual-possibilismo como estratégia da contrarrevolução democrática…

  34. Basta dizer que é ” O capital” que está explicada a conjuntura! Respeito a escolha do Cristiano Fretta em driblar essa simplificação. Por outro lado, não parece que o autor esteve verdadeiramente interessado em explicar como o Lula pretende gerir o Capital em contrapartida ao projeto econômico de Paulo Guedes. E qual a possibilidade de esse governo conseguir aperfeiçoar o regime de acumulação através da mais-valia relativa. Uma conclusão que se pode chegar é que já basta o lulismo para apresentar ali, uma solução para a classe trabalhadora. Eu digo que não, com Lula, a classe trabalhadora deve aproveitar a abertura democrática para reivindicar e fortalecer suas organizações paralelamente às iniciativas de incorporação das lutas pelo Capital. É com este olhar que devemos ver o lulismo (isto é, o governo Lula), não como o próprio Deus. Além do mais, se projeta forçosamente um novo amanhã anacrônico. O fatalismo de Bolsonaro promete uma gestão problemática para os próximos gestores, do qual nem o ‘lulinha paz e amor’ poderá escapar. Se o período de 2002 à 2010 se repetir, será como farsa.

  35. Enquanto o Passa Palavra lança um debate sobre a candidatura de Lula, o Zé nem se propõe a debater o assunto, nem propõe um contraponto à ação direta dos comerciantes.

  36. Nesse ritmo plural e democrático que se sugere em breve estaremos discutindo o estatismo de Doria e seus consortes. De mídia combativa o PP corre o risco de ser apenas mais uma reprodutora do Capital. Faço uma pergunta para os camaradas, incluindo o autor do texto que se manifestou: qual parte desse texto do PP seria suprimida por uma Folha de São Paulo da vida? Se esse texto pode ser publicado na Folha de São Paulo, que inclusive tem maior capacidade de alcance no proletariado, para que serve o Passa-Palavra? Abraços.

  37. Tenho assistido com um misto de perplexidade e de divertimento às reacções de numerosos leitores do Passa Palavra, expressas nos comentários. O Passa Palavra anuncia a abertura de um debate sobre o regresso do ex-presidente Lula à disputa eleitoral. Ninguém pode negar a pertinência do tema, ele está aí, não se fala de outra coisa na esquerda brasileira. Então, de que reclamam? Protestam pelo facto de o debate ter sido aberto por um artigo que sustenta uma oposição oposta àquela que, visivelmente, o Passa Palavra defende. Ou seja, reclamam pelo facto de o debate ser um debate — e, espero, continuar a sê-lo. É que um debate, para quem não o saiba, é isto mesmo, é um confronto entre opiniões diferentes. O dicionário on line que uso, o da Infopédia, que me parece o melhor para a língua portuguesa, indica como uma das definições de debate «troca de opiniões sobre determinado assunto». Ora, não há troca se tudo for igual.

    Antigamente a extrema-esquerda tinha um símbolo, o martelo a e foice. Por vezes passaram a colocar um algarismo no meio dos instrumentos. O martelo continua a servir de símbolo, não já no ofício de ferreiro, porque esse passou de moda, mas para dar marteladas nas cabeças alheias. Quanto à foice, foi substituída pela tesoura.

  38. As pessoas de esquerda ficam na internet e nas reuniões de suas organizações fazendo grandes discursos – muitas vezes, elas falam para si mesmas.
    Sempre haverá alguém dizendo que fulano acha que está lutando, mas não está; que beltrano militante só está colaborando com o sistema; que sicrano se acha revolucionário, mas na verdade é só gogó.
    Vejam, nós não lutamos diretamente contra o capitalismo, o racismo ou o machismo em suas formas abstratas.
    Então, não queremos radicalidade de boca, queremos uma radicalidade poderosa, vinda da terra, com raízes verdadeiras em nossos povos, com disposição para o combate.
    E, para isso, não há dúvida, é preciso organização. E a ação concreta organiza o povo mais do que os debates político-teóricos.
    Nossos povos, organizações, movimentos, territórios só podem se manter unidos na prática.
    Apenas se tiverem realizando a construção de um outro mundo será possível manter a aliança.
    Todo palavrório a mais sem a construção real é perdição, desorientação. 
    A luta dos povos está mais perto de ti do que tua veia jugular.
    Teia dos Povos

  39. João Bernardo: não podemos criticar o Passa Palavra em ter publicado o texto? Censura/tesoura? Está de brincadeira? Para disso. Posso muito bem usar uma linha de argumentação arguindo que são vocês que estão tentando censurar/tesourar os comentadores contrários ao texto. Sério que vocês ficaram surpresos pelo fato de vários comentadores/leitores do site ficarem estarrecidos pelo fato de o Passa Palavra ter publicado um texto apoiando a classe gestorial/social democracia/reformismo? Não é somente “uma oposição oposta àquela que, visivelmente, o Passa Palavra defende”: é uma publicação apoiando o ponto de vista da classe capitalista. Da próxima vez, além da notinha, coloquem que é proibido ir contra as publicações pró-capitalistas do site (pelo jeito virá mais).

  40. Nossa, engraçado você acusar (hipocritamente?) o PP de censurar os comentadores, sendo que todos os comentários com ataques, ao autor do texto e ao site, foram publicados…

  41. Para João Bernardo, as críticas lhe serviram de divertimento. E para Cristiano Fretta, autor do texto, as críticas lhe serviram como fonte de reflexões. Que bom, Cristiano, louvável.
    Cristiano refletiu, João Bernardo se divertiu.
    João Bernardo, obrigada por compartilhar conosco a tua impressão a respeito do debate feito aqui. Sempre bom saber que divertimos as pessoas com as nossas opiniões.
    João Bernardo e seu espírito encharcado de divertimento, põe às avessas o sentido dos comentários contrários ao texto e à escolha editorial do Passa Palavra ao afirmar que elas substituem o martelo pela tesoura e, portanto, corrompem a composição original do símbolo comunista. João Bernardo e seu espírito divertido acusa os críticos de perversão da bandeira comunista pervertendo ele mesmo o sentido das críticas. Ora ora ora…
    Você diz que “não há troca se for tudo igual” supondo que em algum universo existe algo como “igualdade”. Mesmo entre iguais não há igualdade, pervertido companheiro. Mas é verdade que há um desejo capitalista por igualdade, ou melhor, por anulação de quem pensa diferente, de quem cria em pleno deserto de ideias (à revelia).
    Como peixinhos convidando tubarões para o jantar, vocês justificam a passo convidativo (e muito pouco criativo, por isso, à reboque) dado por um coletivo anticapitalista em direção à ala progressista (pro-capital), na chave da busca por uma tal pluralidade, como se no mundo capitalista houvesse reais oportunidades de criatividade, ou seja, de não-mediocridades contagiosas. Os medíocres (que são aqueles disciplinados pela força hegemônica para reproduzir acriticamente o que foi gestado em instancias superiores) ganham não pela força que (não) possuem, mas sim pela anulação da força contrário. Por isso, a pluralidade que vocês dizem buscam não passa de uma aparente pluralidade, ou melhor, é a busca pelo sentido mais perverso possível de pluralidade. Ora, João Bernardo, a pertinência do tema é uma questão. Ora bolas, João Bernardo, o debate pertinente a respeito de um tema pertinente, é outra. O tema é pertinente, o elogio ao Lula não. Não é pertinente do ponto de vista anticapitalista. Elogios ao Lula encontramos em abundância. A mediocridade está ganhando não por sua capacidade de fazer debates plurais, mas sim por sua capacidade de hegemonizar argumentações acríticas (de quem recria sem jamais criar). Críticas anticapitalistas escritas com alguma honestidade intelectual, essas são raras. São raras, mas a confluência de perspectivas anticapitalistas não significa convergência total de conteúdo. Repito, mesmo entre iguais não há igualdade. Não é preciso acionar a ala pró-capital para construir um debate plural. E que fracasso seria se fosse preciso!
    O que você chama perversamente de tesourada, eu chamo honestamente de coerência. Qualquer um que busque manter um vínculo constante de coerência já sentiu diversas vezes a pele sangrando pelas tesouradas da mediocridade. Qualquer um que busque manter um vínculo de coerência entre todas as esferas da própria vida já sentiu o peso da censura (que você chama de “tesoura” como se mudar a palavra fosse suficiente para amenizar o peso da posição que assume ao se divertir com comentários o contrariam). Usar as armas da tesoura é fácil, é medíocre. Usar as armas da coerência, é bem mais difícil.
    Obs:
    1. Perverso 1: adj. Do latim, perversu: posto de cima para baixo, virado, confundido, transtornado, desordenado (MACHADO, José Pedro. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. 2 ed. Vol. III. Editorial Confluência, p. 1806).
    2. Perverso 2: Do latim: Perversus: part. pas. de pervertere: pôr às avessas; derribar, destruir. Fig.: estragar, profanar, infringir, arruinar totalmente; modificar inteiramente. Cf. vertere: voltar, virar, fazer girar, resolver, derrubar, destruir; atribuir, imputar; desviar, mudar, trocar, traduzir, verter, correr, decorrer. (LEITE, Marques; JORDÃO, Novaes. Dicionário Latino Vernáculo. 3 ed. Editora Lux, 1958, p. 512).
    3. Perversão: ato ou efeito de perverter(-se); condição de corrupto, de devasso; mudança do estado normal (Houaiss).

  42. “Bela linha de argumentação” aprenda a raciocinar. Não acusei o Passa Palavra disso. Poderia (usando alguma linha de argumentação estapafúrdia nesse sentido, como as da acusações de que estaríamos tentando censurar o texto), mas óbvio que não fiz. Seria ridículo, tal qual a publicação de um artigo elogiando um agente pró-capital num site anticapitalista.
    E seguimos as notícias do estadista que merecemos e necessitamos (rs):
    https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/03/10/pt-quer-reviver-2022-e-reestruturar-alianca-com-centrao

  43. Bela linha de raciocínio (ou não tão bela): então, se você não falava do PP, que publicou os comentários, falava dos outros comentadores, mas como poderiam censurar alguma coisa? Pelo contrário, debateram, apresentando argumentos em defesa da publicação do texto (não do texto) e da necessidade do debate, enquanto você argumentou contra a publicação do texto e contra o debate. Então foi você que, intervindo no debate, confundiu debate (os comentários dos outros comentadores) com censura, ao mesmo tempo em que você defendeu que o PP devia ter censurado (não publicar) o texto. A única conclusão possível é: ninguém censurou nada (nem o PP, nem os outros comentadores), mas alguns (incluindo você) defenderam isso. Aprenda a raciocinar.

  44. O texto é ruim, eu concordo. Mas só desse pessoal que vive entre seitas e cultos ‘anticapitalistas’ terem ficado pererecas da vida, de terem sido incomodados com uma imagem diferente da refletida nos próprios espelhos, só isso já fez valer a publicação. Poderiam apontar perspectivas de luta com a eventualidade do novo contexto (cenário ótimo), poderiam focar nos aspectos criticáveis do texto (cenário medíocre mas ainda útil). Mas isso aí? É sintomático que os outros textos que estão sendo publicados quase não tenham comentários. Meu palpite é que o coração dessa gente pura leia aquilo como quem escuta a homilia das missas dominicais e ao término do exercício sintam o peso no coração diminuir (quem sabe não escape um breve sorriso de regozijo)? Amém irmão.

  45. Por falar em Estadistas – natos, que precisamos ou merecemos -, uma dúvida: Luigi Russolo, o autor das belas obras que ilustram o texto, como Futurista, também aderiu ao Fascismo? Numa pesquisa rápida, vi que há um prêmio de música eletrônica que leva seu nome atualmente, por ele ser uma espécie de precursor desta, e achei curioso. Confesso, não sem algum incômodo, que as obras futuristas me agradam.
    Parabéns ao Passa Palavra pela iniciativa, os textos estão rendendo bons debates.

  46. Bruno AP,

    Com efeito, os futuristas foram uma das três correntes constitutivas do fascismo italiano, e até ao fim se mantiveram como promotores de um fascismo radical. Não é difícil ver a relação entre a estética do dinamismo, que os futuristas foram os primeiros a aplicar, e a táctica fascista da política enquanto agressão. Contudo, nenhuma arte que seja arte fica confinada a uma corrente política, e a arte contemporânea não seria o que é sem as múltiplas inovações dos futuristas. A política nunca limita a arte, a não ser para quem não saiba ver ou ouvir a arte.

    Aliás, a importância do fascismo italiano no meio artístico não se limitou aos futuristas. Basta pensar em Chirico, por exemplo, ou em Mario Sironi. É que uma das amantes mais duráveis de Mussolini, Margherita Sarfatti, teve um papel central no meio artístico italiano, não como artista, mas como crítica de arte e como organizadora. Depois, em 1938, quando Mussolini promulgou a legislação anti-semita, Margherita Sarfatti, que era judia, teve de sair do país, mas, entretanto, começou a guerra e a arte passou para terceiro ou quarto plano.

    Quanto a Luigi Russolo enquanto precursor da introdução do ruído na música, conheço um livro interessante organizado por Giovanni Lista, Luigi Russolo. L’Art des Bruits. Mas neste âmbito o valor de Russolo foi só o de precursor, o primeiro a anunciar um caminho que em seguida outros percorreram com génio. Basta citar Edgard Varèse para uma música do ruído e Pierre Henry como pioneiro da música electroacústica. São dois grandes pilares da música contemporânea. Mas convém lembrar que já em 1918, na Rússia soviética, em São Petersburgo e em Nizhny Novgorod, Aleksei Gastev e Mayakovsky organizaram «sinfonias industriais» à escala urbana, mobilizando para isso sirenes de fábrica e ruído de motores. Tanto quanto sei, não existem registos sonoros dessas experiências, mas é possível hoje escutar uma reconstituição sonora da Sinfonia de Sirenes de Fábrica, de Arseny Avraamov, executada pela primeira vez em Baku em 1922, em homenagem ao quinto aniversário da tomada do poder pelos bolchevistas, e em que participaram sirenes de fábrica, sirenes de navios, baterias de artilharia, regimentos de infantaria com armas automáticas, motores de hidroavião, buzinas de automóveis e coros formados pelos espectadores.

    Com frequência, naquela época, as vanguardas artísticas estiveram estreitamente relacionadas com as movimentações políticas extremistas, sem que, no entanto, umas se limitassem às outras.

  47. Ora, curioso o ataque aqueles que defendem a tomada de posição do PP, com um singelo “não há troca entre iguais”. Como não, JB? O princípio constitutivo da mercadoria é fazer com que toda particularidade naufrague na geleia do valor, a forma dinheiro é dependente de uma troca entre iguais. Ainda que abstrato, o critério de igualdade está posto e produz a máquina tenebrosa a qual estamos submetidos: a igualdade jurídica, ou o direito do diferente, está pautado na lógica da mercadoria, coisa que a Infopédia talvez não saiba, mas o marxismo já tratou de decifrar. Isto dito, não se pode crer muito na defesa da diferença, essa mera convocação de posições “distoantes” que possibilitam o debate é falsa, pois não se trata de um debate, mas de convicções políticas que o site em questão se diz contrário. Lula é um problema político, não uma solução. Essa defesa semi inocente ou “delicada” das diferenças pode, sim, ser um termômetro de capitulação. O Brasil não precisa de um estadista, tampouco a esquerda precisa voltar a esse ponto do debate para construir alguma crítica, poderia, como foi dito em algum comentário anterior, apenas analisar o bolsonarismo a sério, ou dar margem para que um deles fale. Aliás, seria mais coerente com a proposta do PP dar voz ao problema, não forjar uma saída com carinha de panfleto pró-Lula 2022. O problema é esse, chega a ser inaceitável, depois de anos de construção teórica, ver entre nós alguém que soma com posições que combatemos no interior da esquerda.

    E ainda faço coro com a Liv: por favor, guarde o martelo e a foice com a modernização que o originou e hoje declina. Cheira a naftalina a comparação, cheira a dogmatismo e semiótica, estamos também cansados desse ícone pop do socialismo, tanto quanto do populismo estatal de Lula, ambos convergentes no declínio da crítica materialista à capitulação do imediato. Realpolitik! A gente vê por aqui.

  48. João Bernardo,

    Obrigado pela resposta com tantas referências. Irei pesquisá-las. Aliás, ler o seu ensaio Arte e espelho e pesquisar as referências e citações tem sido a mais prazerosa atividade do meu sábado.
    É que ao ler no artigo a ideia da necessidade de um estadista em tempos de crise, com as ilustrações futuristas, veio-me à mente a associação, de ambas as coisas, com o fascismo. Fui pesquisar sobre as obras e o autor e, ao ver que ele dá nome a um prêmio, imaginei que de alguma forma sua reputação se salvou. Daí a minha pergunta.
    Mas como você bem desenvolveu na parte 5 do ensaio, “A arte que não for susceptível de ser tornada independente do criador não é arte”. Fascistas ou não, as obras dos futuristas são notáveis, ajudam a compreender a agitação daquele período e podem fomentar reflexões e sensações sobre este estado contínuo de urgência e aflição em que vivemos atualmente.
    Um abraço de um leitor seu que segue com afinco as suas lições sobre arte.

  49. Vade retro, Satanás!
    Juntastes-vos, Passa Palavra, aos idólatras do Espírito Maligno, e inscrevestes-vos no caudaloso cortejo dos apóstatas. Oh! Três vezes amaldiçoado Passa Palavra! Maculastes o alvo linho dos altares do proletariado. Como ousastes inscrever nas tuas páginas o nome desse íncubo enviado pela burguesia, cujas duas sílabas jamais devem ser pronunciadas entre nós, os fiéis? Confundistes um debate, que só deve efectuar-se no meio de castos e puros, com a fornicação demoníaca dos poluídos de Sodoma e Gomorra. Não sabeis que basta uma nódoa caída uma vez para destruir até ao fim dos tempos a pureza da alma revolucionária? Que doravante o vosso nome, Passa Palavra, faça corar de pejo todos aqueles que em tempos idos procuraram nas vossas páginas a mensagem salvadora que agora lhes sonegais! Renego-vos, Passa Palavra, sacudo sobre vós a poeira das minhas sandálias, que me conduzirão às terras virtuais onde impera o dicionário das palavras admissíveis. Oh! Três vezes amaldiçoado Passa Palavra!

  50. Aproveitando a abertura do debate amplo, o PP não pode perder a oportunidade de republicar o texto do Washington Siqueira ( o Quaquá) intitulado “Por um partido lulista, burguês e reformista!”. A contribuição seria valorosa demais pro debate, ainda mais se tratando de um grande expoente do “Comunismo em um só município”. Dizem as más línguas, inclusive, que Maricá – a cidade mais petista do Brasil – está em processo de mudança de nome para Mariquaquá. Há, no entanto, aqueles que lutam para que se chame Quaqualingrado.

  51. Meu caro Éz:
    te devo um pedido de desculpas e um agradecimento. Desculpas pela demora na resposta, pois ando “apertado de costura” (aos portugueses: expressão que significa “sem tempo”), mas acabou tendo seu lado bom, pois permitiu-nos enxergar os textos que viriam depois e reforçar certas impressões . Agradecimento por me estimular a “propor um contraponto à ação direta dos comerciantes”. Antes porém, esclareço que você está correto ao afirmar que “o Zé nem se propõe a debater o assunto”. De fato, não debato Lula/PT como alternativa de voto, nem mesmo contra Bolsonaro em um eventual segundo turno. Tenho toneladas de argumentos, mas para não me alongar muito, basta relembrar a síntese de Pannekoek quando afirmou que – mutatis mutandis – “a diferença entre a direita e a esquerda do capital é que enquanto a primeira nos dá uma paulada sorrindo, a segunda nos dá a mesma paulada chorando”. Quanto ao contraponto, penso que tomar medidas concretas para romper com a dispersão daquele campo que começou a se desenhar no Primeiro Junho de 2013 seria o mais importante que o Passa Palavra poderia fazer. Nesse sentido porque não preparar um encontro de apoiadores escolhidos pelo Coletivo Editorial – note bem: não me refiro a leitores e nem a colaboradores – para debater e dar forma prática ao tão necessário contraponto? Fica a sugestão. Na próxima janela de tempo, comentando em outro texto dessa série, desenvolverei melhor essa ideia, mas sempre evitando comentários longos, que considero inadequados. Se o comentário precisa ser longo, porque não transforma-lo em texto?

  52. Zé. como um leitor constante do Passa Palavra, posso dizer que semanalmente estou vendo muitos debates sendo feitos. Alguns deles, sim, sobre o Lula. Mas repare que não são textos (com exceção deste) defendendo o voto ou não em Lula, mas o que é ou o que representa para as lutas sociais. Não há polêmica entre nós. A questão é que o Passa Palavra não está debatendo muitas coisas, o que não justifica interromper os debates já existentes. É por isso que encorajo você a escrever sobre o contraponto à ação direta dos comerciantes. Porque aí será responsabilidade sua de escrever, e do Passa Palavra em publicar. Mais justo, não? Além disso, concordo com você de que para a conjuntura é o debate mais urgente.

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