Por Wildcat
Este artigo foi publicado originalmente na revista Alemã Wildcat e traduzida para o inglês no blog Chuang. A tradução em português é de Marco Túlio. Leia também a primeira, a segunda, a terceira e a quarta parte.
Nacionalismo e não igualitarismo
Xi Jinping é Secretário-Geral do PCC e Presidente da Comissão Militar Central desde 2012 e presidente do Estado desde 2013. Sua ascensão ao poder marcou o início da terceira fase da República Popular da China (a primeira foi sob Mao Zedong, a segunda de Deng Xiaoping a Hu Jintao). A “luta contra a corrupção” levada a cabo por Xi eliminou todos os adversários dentro da burocracia e dos seus aparelhos (um milhão e meio de funcionários do partido acabou na prisão). Xi está focado no autoritarismo e no nacionalismo ao invés do bem-estar econômico, como faziam Deng e Hu Jintao. Em 2015 ele desencadeou uma onda de repressão, primeiro contra feministas, depois contra defensores dos direitos humanos, depois contra ONGs de apoio aos trabalhadores. A postura confiante – mais recentemente a gloriosa vitória sobre o coronavírus – deveria passar uma imagem de força. A China está ampliando suas forças militares e interferindo maciçamente na política interna dos países africanos.
Ao mesmo tempo, a China está isolando-se das “influências estrangeiras”, embora, do ponto de vista econômico, o país precise de mais, em vez de menos intercâmbio com países estrangeiros; por exemplo, para continuar a desenvolver as suas indústrias de exportação, para a modernização industrial e, em geral, para melhorar os processos de trabalho e as capacidades linguísticas. O declínio da cooperação internacional terá um impacto negativo nos ganhos de produtividade, incluindo, mas não se limitando a indústrias-chave, como a de microprocessadores. No meu local de trabalho, num departamento de programadores de software composto só por chineses, a metodologia e a organização de trabalho estão atrasadas em relação empresas “ocidentais” em cerca de 15 anos. Isto é menos evidente nos projetos de software geridos da Europa. O desenvolvimento econômico da China está pagando um preço significativo pela escalada dos conflitos externos e pelo crescente isolamento! [1]
A política econômica (recentemente denominada de “modelo de dupla circulação”) incentiva a atividade empresarial, contornando as tendências de equalização de uma parcela crescente do salário disponível. A construção de moradias e indústrias afins representam cerca de um quarto do PIB. Elas criam demanda, empregos e deixam algumas pessoas ricas; mas mantêm divisões de classe agudas e a massa salarial permanece baixa, o que continua a limitar o poder das pessoas sobre suas próprias vidas. Os métodos vão desde poupanças obrigatórias até os empréstimos imobiliários, passando pelas políticas de investimento do Estado e a realocação forçada.
Poupanças obrigatórias: não existe o direito legalmente garantido a benefícios sociais, compensações financeiras e similares. As pessoas dependem dos favores das autoridades locais. Isso as leva a obrigação de economizar para um futuro incerto e a uma taxa de poupança extremamente alta. O dinheiro guardado não é convertido em consumo (é por isso que todas as tentativas de expandir o mercado interno falharam).
Empréstimos imobiliários: os trabalhadores formais possuem um “fundo de habitação”. Se o empregador tiver pago contribuições suficientes, o trabalhador pode solicitar empréstimos baratos para comprar uma casa. Alguns patrões pagam mais para o fundo de habitação dos seus empregados do que diretamente para os trabalhadores para poder economizar nos impostos; os empregados aceitam isso de bom grado e até enxergam como um aumento salarial porque a maior parte dos seus rendimentos vai para a compra de uma casa.
A maioria dos investimentos estatais vão para as cidades ricas e exacerbam a desigualdade entre as metrópoles e a periferia. Eles levam à superexploração da força de trabalho barata na construção (para habitações vazias!) e inflaram uma enorme bolha imobiliária. Atualmente, o valor total dos imóveis é mais de quatro vezes todo o PIB da China. Para por esse dado em perspectiva, no Japão o valor total dos imóveis era 2,7 vezes maior do que o PIB no auge da bolha! Quando uma empresa imobiliária constrói um novo centro de inovação ou um complexo de escritórios para as empresas de TI, o governo local não só paga o aluguel durante os primeiros três anos, mas também subsidia cada trabalhador, por exemplo, com 3000 RMB por mês, enquanto o salário mínimo é inferior a 2500 RMB. Centenas de bilhões de euros são assim transferidos para as metrópoles, fluindo para uma bolha especulativa e para subsídios fraudulentos em áreas como carros elétricos e microprocessadores, para trabalhos de escritório medíocres em P&D, etc. – aumentando assim dos custos de moradia e de vida.
Realocação forçada: como parte da chamada “redução da pobreza extrema”, 2,4 milhões de pessoas, ou 2,4% da população, foram forçosamente realocadas apenas na província de Shandong. A nova cidade é construída como um conjunto habitacional de casas conjugadas em qualquer local adequado ao governo local. Após a conclusão, ou mesmo antes, os aldeões são expulsos de suas casas e a antiga aldeia é completamente destruída. Muitos não teriam se mudado voluntariamente para as novas casas porque não são uma melhoria (por exemplo, eles estão muito longe da terra agrícola). Aqui também a pobreza foi combatida e a riqueza foi criada no papel, mas sem a participação dos habitantes e o seu efeito igualitário. Se eles tivessem sido autorizados a decidir por si mesmos, a “modernização das aldeias” teria exigido concessões muito diferentes do governo.
Agora o Estado cria atividade econômica e crescimento, enquanto a parte disponível real do PIB para os trabalhadores, ou seja, o salário em seus contracheques, estagnou ou mesmo diminuiu e sua dependência pessoal de hipotecas, auxílios estatais, empregos, assembleias de proprietários de casas e da administração aumentou. O autoritarismo do Estado e o modelo econômico baseiam-se na falta de segurança jurídica. E ainda que os jovens chineses sejam orgulhosos e otimistas sobre o futuro da nação, é com grande preocupação que eles olham para o seu próprio futuro econômico.
“Os patriotas mandam em Hong Kong”
Desde a introdução da Lei de Segurança Nacional em 1 de julho de 2020, Hong Kong tem sido gradualmente transformada em uma cidade chinesa qualquer. Desde fevereiro de 2021, os alunos de Hong Kong estão sendo “patrioticamente educados”: desde o jardim de infância e da escola primária, as crianças vão aprender que o separatismo e a influência estrangeira são crimes contra a segurança nacional e que cantar canções com conteúdo político é proibido. Em 4 de março de 2021, o sistema “um país, dois sistemas” chegou ao fim.
E enquanto Pequim sempre alega que a Lei de Extradição de 2019 e a Lei de Segurança Nacional seguem o direito e o espírito das leis, eles não fazem o menor esforço para manter essa pretensão: os primeiros habitantes de Hong Kong a serem julgados na China Continental (por tentarem fugir para Taiwan) desde que as leis foram introduzidas não têm um advogado, pois seu advogado acaba de ser desqualificado.
Enfrentando a repressão e a pandemia, o movimento de protesto em Hong Kong se radicalizou (ao contrário do início, uma parte considerável agora pede a separação da China) e, em grande parte, chegou a um impasse. Muitas pessoas estão planejando deixar a cidade, incluindo alguns dos meus amigos e camaradas. No passado, eles organizaram movimentos sociais contra a privatização, gentrificação, salários precários, em suma, contra o capitalismo liberalizado extremo ao estilo de Hong Kong. Desde o ano passado, a situação em Hong Kong mudou tão radicalmente que eles agora enxergam Xinjiang como uma indicação de como as coisas ainda podem ficar pior.
Notas
[1] Dorcas Wong: China’s City-Tier Classification: How Does it Work? Chinabriefing, 27 de fevereiro, 2019
As artes que ilustram o texto são da autoria de YiFei Chen (1946-2005)