Por Legume Lucas

Ao apreciar as obras de Alfredo Jaar, percebe-se que jogo de claro-escuro, além de explícito em uma obra que reproduz uma famosa citação de Gramsci, marca a exposição como um todo. O artista optou por trabalhar com a claridade de telas, por vezes apostando no máximo de iluminação possível, a ponto da luz tornar completamente impossível a visão. Daí viria a ausência de imagens, justamente em um momento em que há muitas imagens circulando. Discute-se assim o vazio das imagens e também de ideias.

Espalhadas pelo espaço estão as fotografias no vazio dos trabalhadores da Serra Pelada. Representados no fundo branco e deslocados do centro da imagem parecem fora do lugar, sua imagem coberta de lama desespacializada pode ser a de qualquer trabalhador de minas pelo mundo. As escolhas estéticas de Jaar escapam da forma padrão de representação desses trabalhadores que costuma situá-los na imensidão da mina. Ao deslocá-los se consegue universalizá-los, ao mesmo tempo em que o retrato individualizado dá a cada um deles um destaque único.

A instalação Geografia=Guerra destaca-se pela enormidade da centena de tonéis em meio ao espaço expositivo. Colocados em uma plataforma, remetem ao transporte de carga. O pigmento presente no líquido dentro dos tonéis trabalha com a noção de escuridão que serve de reflexo às imagens que pairam sobre os tonéis. O público pode ver as pessoas que conviveram com aqueles tonéis, em fotografias que expressam sua vida cotidiana, as brincadeiras infantis, em meio à precariedade de dividir o espaço com o lixo tóxico. Àquelas pessoas a visibilidade é dada na medida em que compartilham suas moradas com o lixo, é a partir dele que se as enxerga. Parte do público procura olhar os painéis diretamente, como se ali fosse revelada a verdadeira imagem, procurando ignorar justamente a composição de reflexos.

A imagem obtida pelos reflexos é cara ao autor que a utiliza, novamente, na obra Caminhando sobre às águas. Para perceber algo além das pernas que caminham dentro do Rio Grande é necessário olhar para as pequenas caixas que nos permitem ver fragmentos do homem que busca chegar aos Estados Unidos. Salta aos olhos a referência bíblica onde Jesuses caminham pela água, agora com cruzes tatuadas no braço, entretanto, sendo revelados apenas pelo jogo de espelhos.

As águas e a luz refletida nelas compõem a impactante imagem Um milhão de pontos de luz. Com o reflexo do sol no majestoso Oceano Atlântico, visto de Luanda, o artista faz referência aos milhões de escravizados saídos daquelas águas. Entretanto, o efeito da imagem no público parece ser outro ao optar pela projeção como fundo para suas fotografias sorridentes.

Jaar propõe que Você não tira uma fotografia. Você faz uma fotografia. A ideia parece ser colocar o fotógrafo como agente, por sua escolha, pelas opções éticas e estéticas que toma ao clicar na câmera. O observador atento sente o contraste com a maneira que o próprio público consome as imagens, disparando uma série de fotos que não serão vistas, fotos de si mesmos com as obras, que poderão alimentar a proliferação de imagens nas redes para depois serem esquecidas.

A exposição ainda conta com um trabalho recente do artista, onde se repete a palavra “roteiros” numa luz de neon. Leva para mim ao recorrente pensamento que a saída, estética e política, da situação atual requer que escapemos daqueles.

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