Por Primo Jonas
Este ano estreiou em Buenos Aires o filme La Sesenta, “A Linha 60”, um registro audiovisual das lutas dos trabalhadores da linha de ônibus 60 da capital argentina. A produção foi feita pelo coletivo Silbando Bembas, que começou a documentar a luta desses trabalhadores na ocupação da garagem de Constitución em 2015. Esta mesma luta havia sido documentada também em forma literária por um dos trabalhadores da linha, Santiago Menconi, dando nascimento ao livro Sesentazo – Crónicas de un lockout. A primeira edição foi financiada pelo próprio autor, pensada para um (raro mas valioso) público entre os próprios trabalhadores da linha, tendo sido reeditado também neste ano pela editora Marat.
As iniciativas de registro confluíram, e a aproximação entre o coletivo de documentaristas e os trabalhadores da linha deu lugar à proposta de realizar um filme baseado no livro. Havia sido uma luta muito significativa no contexto nacional, devido, claro, à centralidade da capital porteña no ambiente político do país, mas também pela radicalidade dos seus métodos. Foi uma luta feita a pleno pulmão, que só pôde ser levada adiante devido à impressionante mobilização de base construída nesta linha, exemplificada pela “tarifa zero” imposta pelos motoristas nos primeiros dias do conflito de 2015. Os precedentes desta construção são contados pelos trabalhadores no filme, em pequenas entrevistas que Santiago conduz dentro dos próprios ônibus, enquanto alguns dos delegados trabalham atrás do volante relembrando estratégias conspirativas.
Mas os eventos chacoalharam novamente os trabalhadores da linha, e obviamente também a produção do filme. No dia 9 de setembro de 2016 o eletricista David Ramallo foi esmagado por uma unidade devido a uma falha em um elevador mecânico, cujo mal funcionamento havia sido denunciado pelos trabalhadores reiteradamente à empresa. Sua morte suscita uma reação imediata dos trabalhadores, como se vê de forma trágica e expressiva no filme, abrindo um novo episódio de lutas na linha. Desta nova mobilização surge o espaço Basta de Asesinatos Laborales, composto por familiares, companheiros e companheiras de vítimas da negligência patronal. A produção inicial do filme é superada pela situação, e novamente os registros e a documentação da luta ganham protagonismo, e o roteiro final é uma criação poética sobre os materiais espontâneos.
O filme então deixa de ser baseado num livro em particular, e se torna um filme sobre os documentos que a própria classe trabalhadora cria sobre suas lutas. O protagonista que nos conduz pelo relato e ao mesmo tempo se mimetiza nele é Santiago, alguém que participa e registra. Não é o herói épico, o delegado prestigioso entre as bases que marcha à frente com a bandeira alta. Escutar, esperar, arriscar a iniciativa, gritar e esbravejar, confrontar e correr. Registrar para poder avançar. Eis aqui um documento de luta.
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O coletivo Silbando Bembas estreiou o filme no histórico cinema Gaumont, na praça dos dois congressos da capital porteña, além da plataforma nacional de audiovisual, Cine.Ar. Para o público em geral, nacional e internacional, o filme está à disposição de qualquer organização ou grupo de pessoas que queiram realizar uma projeção presencial, em contexto de formação ou de luta (existem legendas em português já disponíveis). Interessados e interessadas podem entrar em contato com o coletivo por meio de seu Instagram (@silbandobembas) ou pelo Instagram do filme (@lasesentafilm). Caso não tenham acesso a essa rede social, podem escrever ao Passa Palavra para intermediar outras formas de contato.
As fotos foram gentilmente disponibilizadas pelo coletivo Silbando Bembas.