Por Jan Cenek
[…] Caminhava de pijama entre as estações de trabalho. Os aparelhos de ar-condicionado funcionavam com capacidade máxima, resfriando o ambiente. Tocava música estadunidense. Easy listening. Era uma sala grande, sem divisórias, com luz artificial. Não enxergava nada além das estações de trabalho. Os homens vestiam terno e gravata. As mulheres usavam roupas sociais e cachecóis. Todos se alternavam entre os telefones e as telas dos computadores. Falavam alto. Procurou alguma estação de trabalho vazia. Não encontrou. Tinha tarefas urgentes por fazer. Não lembrava quais. Perderia o emprego. Ficaria sem salário. Não teria como pagar as contas. Seria processado. Seria despejado. Seria preso. Chamou as pessoas. Mas ninguém ouviu. Tocou no ombro de um homem. Teve a mão empurrada e afastada com força e agressividade. Quis se refugiar debaixo de uma estação de trabalho. Foi chutado pela funcionária que trabalhava sem parar. Tinha frio. Tinha família. Tinha medo. Estava perdido. Seria demitido. Ouviu passos firmes e ritmados de sapatos italianos. Era o chefe. Seria xingado. Seria humilhado. Então, puxou um homem da cadeira. Tentou arrancá-lo à força. Precisava trabalhar. Trocaram socos. Levou cabeçadas e cotoveladas. Desmaiou […] Caminhava de cueca entre os consumidores. O chão era limpo, frio, brilhante. Inclinou-se para frente. Viu o próprio rosto refletido no piso. Estava descabelado e com olheiras, como se não dormisse há meses. Passou por famílias bem vestidas. Era um corredor sem janelas, com vitrines e luz artificial. Não enxergava nada além das lojas. Namorados passavam de mãos dadas, alguns tinham 100 anos. Crianças passavam correndo. Mulheres passeavam com cães topetudos. Todos exibiam sorrisos branquíssimos. Havia câmeras a cada 2 metros. Havia alto-falantes anunciando promoções. Quis se refugiar na loja de tapetes. Mas estava de cueca. Foi enxotado. Não via o final do corredor. Não havia saídas laterais. Seguiu no sentido contrário das pessoas. Elas vinham. Ele ia. Elas avançavam. Ele voltava. Seria denunciado. Ouviu um chamado para os seguranças pelos alto-falantes. Teria pernas e braços algemados. Seria arrastado. Seria humilhado. Estava frágil. Estava exposto. Tremia. O coração batia 180 vezes por minuto. Com as mãos abria caminho entre as famílias, os namorados, as crianças e as mulheres que passeavam com cães topetudos. Corria. Fugia. Mas o corredor se estreitava cada vez mais. Gritou […] Caminhava nu entre as camas simetricamente posicionadas. O ambiente era limpo, frio, brilhante. Os aparelhos de ar-condicionado funcionavam discretamente. Médicos e enfermeiros vestiam jalecos brancos. Faxineiros trabalhavam com roupas brancas. Lençóis brancos cobriam as camas brancas. Pacientes usavam camisolas brancas. Brancura do vazio. Havia aparelhos médicos, frascos com líquidos e televisores sobre todas as camas. Era uma sala imensa, com luz artificial. Não enxergava nada além das camas brancas. Gemidos e gritos se misturavam com os apitos dos monitores multiparamétricos e os sons dos televisores. Todos sintonizados num único canal. Transmitiam o mesmo culto religioso. Procurou uma cama vazia. Chamou as pessoas. Elevou a voz. Ninguém ouviu. Tocou no ombro de um médico. Foi ignorado. Tentou puxar um lençol para se cobrir. Não conseguiu. Tinha tosse. Tinha dores. Estava cansado. Estava morrendo. Estava nu. Queria deitar. Reuniu as últimas forças e correu até uma cama que tinha o televisor e os aparelhos desligados. Levantou o lençol branco. Encontrou um corpo frio. Empurrou. Socou com as duas mãos. Queria arrancar o morto da cama. Não foi possível. Como se o corpo estivesse amarrado. Fracassou. Embranqueceu […]
No texto lemos sobre a nossa psiquê que, tão torturada pela organização do dia a dia – tem que trabalhar para ter dinheiro para comprar e pagar para continuar vivo, a nossa condição é a de sermos exaurido de nossas forças e, por conta disso, criam -se consultórios para todos os tipos de atendimentos: psicológico, fisiológico, academias, igrejas, clínicas de recuperação, postos de saúde, bares, casas de massagem, prostibulos e todo o tipo de subterfúgio para as dores do corpo e da alma.
Acostumamos a viver sob pressão, sejam essas de ordem patriarcal, maternal, escolar, religiosa, estética, sanitária, moralista, política, trabalhista, econômica, classicista e outras que vão se formando e renovando pelas décadas vividas que, passamos a criar as nossas próprias auto punições, fazendo de cada um juíz atroz que condena, persegue, e mata com o peso da culpa.
O pior castigo é viver sob o domínio da culpa, muito bem explorado no grande romance literário de Dostoievsky, Crime e castigo, cujo conteúdo explora a condição existencial e a consciência humana.
Seja lá quem inventou a culpa é a consciência acertou em cheio em prol da prisão interior, pois, uma vez despertas, ninguém se saga e a viagem ao inferno pessoal é uma realidade psíquica infernal, haja vista os receituários obtidos cada dia mais constante de sirtralinas, clonazepan e Rivotril amplamente consumidos para que a vida possa continuar
IMPÉRIO DA DESFAÇATEZ:
em verdade vos digo: boi com abóbora não é um algoritmo culinário & nada tem a ver com inteligência artificial ou estupidez natural, tampouco bajula assintoticamente sutilezas óbvias.