Por Arthur Moura*
O meio artístico independente (cinema, literatura, teatro, música) de uma forma geral está em contradição com o meio social, o que aponta para uma certa incapacidade do exercício da produção devido à alta influência do capital sobre aquilo que se produz. Com isso, qualquer possibilidade de reconhecimento se torna distante, já que as vias para esse reconhecimento são externas à cultura, dependendo de fatores sociais como o status social, a classe social, entre outros. O artista, já num primeiro momento, se vê desestimulado, haja vista a potencial incomunicabilidade de suas diante da barreira colocada pela sua condição histórica de escassez e isolamento. É nesse processo que muitos artistas constroem personagens para compensar esse problema geral, que eles geralmente, de forma equivocada, identificam como um problema de ordem pessoal. A autopropaganda ininterrupta surge, então, como elemento indispensável.
Essa persona autoafirmativa e segura, quase sempre caricata, esconde muitas fragilidades. A promoção da imagem se torna anterior à produção artística, que passa a ser secundária. Nesse processo de descolamento, o sujeito tende a se autonomizar artificialmente numa espécie de movimento desesperado de autoafirmação e valorização da mercadoria. O seu desespero reflete a sua necessidade pessoal por atenção, ser desejado e ser inserido numa espécie de pantheon de artistas referenciais; ícones de uma determinada expressão artística, mas, sobretudo, produzir lucros exorbitantes e escandalosos. São construídos nesse processo personagens frágeis, mas bastante arrogantes, ainda que sejam ignorantes.
A arrogância é um dos reflexos da incapacidade de criar vínculos. O arrogante acredita ser autossuficiente. Autoestima super elevada que gera uma fala quase sempre disparada em tom professoral, impossibilitando a escuta, insegurança, fraqueza, medo, desajuste, inveja, falha no amor, instinto de morte, hostilidade para amedrontar o outro e se impor forçosamente como forma de subestimar o próximo (o que pode gerar violência), defesa para lidar com ansiedade, isso tudo são pontos de uma personalidade arrogante. O arrogante aponta para as imperfeições externas sem relacioná-las a si próprio.
A arrogância afeta tanto artistas medíocres quanto aqueles que sabem possuir algum potencial, como os já consagrados ou aqueles que ainda trilham esse caminho em busca do sucesso. Seu desconforto com relação a essa busca pela conquista do poder contribui para sua frustração, já que vê o underground como uma espécie de degrau para o sucesso, não estando, portanto, confortável nesse lugar. Sua luta é para superar essa instância. Sua luta é para ser aceito nas esteiras da indústria cultural.
Aos artistas medíocres, cabe uma espécie de encenação, importante para inflar a cena ainda que esteja ausente qualquer qualidade diferenciadora. Mas não nos enganemos com relação à eficiência desse processo. Com a aceitação dessas representações artísticas, o que se tem é muito mais uma espécie de atuação teatral onde a bajulação substitui a crítica. Dessa forma, os artistas geralmente formam pequenos núcleos onde praticam a comiseração coletiva. Quando não são aceitos pela indústria, os pequenos agrupamentos cumprem essa função do reconhecimento desejado. O sucesso nesse caso é a reprodução exaustiva de um modelo estético e político em conformidade com o senso comum e, sobretudo, valores de caráter individual e conservador, exaltação direta dos valores do capital.
Esse comportamento quase sempre festivo, expansivo e descolado dos processos sociais de maneira crítica é vendido como novidade, consumido e reproduzido por fãs satisfeitos que também desejam aquela representação do sucesso, ainda que nunca alcancem este patamar de riqueza, o que causa profundos danos à ordem psíquica dos sujeitos. O artista arrogante com algum talento, e até os verdadeiramente relevantes do ponto de vista de suas criações já estão convencidos de sua importância e passam a exigir do mundo reconhecimento imediato. A etimologia da palavra “arrogância” está ligada a arrogar-se, ou seja, existe aí uma atribuição a si mesmo de possuir poderes, direitos ou privilégios. Arrogante de arrogam, aquele que exige. Isso faz com que o sujeito assuma uma característica prepotente, menosprezando o próximo, que por sua vez é menor, talvez até insignificante. Essa exigência, na verdade, é reflexo de profunda imaturidade, ignorando a realidade concreta, atropelando quem for preciso em nome de um ideal vazio e egoísta. O orgulho precede a queda.
*Doutorando em História Social pelo PPGHS – FFP-UERJ
A imagem em destaque é a obra “Pesadilla de los injustos”, de Antonio Berni (1905-1981)