Por Voz Rouca nas Federais

A de ANDES

Sindicato composto por base que em sua grande maioria ajudou a eleger Lula. Apesar do ceticismo generalizado na categoria, conseguiu deflagrar uma greve à qual aderiram 60 instituições de ensino superior, fato inédito na história das greves do setor, sendo por isso acusado de querer enfraquecer o governo. Afinal, “aumento só para policiais, senão volta Bolsonaro, né!?”. Nas disputas internas ao sindicato as correntes se debatem apresentando distintas saídas, mas sempre envoltas no enredo petista: matar o pai (“fora governo de frente ampla!”); sair de casa mas recebendo mesada (“autonomia, pero no mucho”); ou “renovar” os laços da família petista (retomar as raízes numa fantástica guinada à esquerda). Ah sim, e tem os filhos desgarrados, que sem alternativa se aglomeram em torno das tribos em voga. Como todo sindicato, tem uma certa tendência ao corporativismo, o que lhe impede fortalecer a unificação das lutas educacionais e com outros setores federais (como os da área ambiental).

B de Bolsonaro

Não é apenas o candidato derrotado nas eleições passadas e inelegível para as próximas. Bolsonaro é também “espantalho gestor” do governo atual, o qual, em nome do anti-bolsonarismo, leva adiante a mesma política fiscal do mito. A continuidade do sucateamento da educação ocorre ao mesmo tempo que a premiação da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Protagonista dos bloqueios golpistas em 2022, a categoria ficou de fora do arcabouço fiscal de Haddad, ganhando 27% de aumento salarial. De Bolsonaro a Lula, o aparato repressivo do Estado segue sendo o maior beneficiário da política orçamentária.

C de Centrão

Entidade mitológica da política brasileira que é capaz de abocanhar parcela significativa dos recursos do fundo público. Temido por fura-greves, grevistas e militantes da educação, passou a ser o totem na greve docente que justifica os 0% de aumento para os professores e técnicos em 2024. Afinal, “o conservador centrão nunca iria aprovar isso”, portanto, pressionamos em greve, mas sem ilusões e com uma boa pitada de derrotismo.

D de Docentes [das universidades e institutos federais]

Agora em greve (à duras penas). Categoria é empurrada à paralisação pois vê naufragar suas condições de vida. Não à toa, os mais jovens na carreira pareciam povoar as assembleias Brasil afora. Um futuro sombrio os aguarda: todos sobrecarregados de trabalho – uns beirando burnout com ostracismo intelectual, outros coach instagramer e vendendo seu peixe nos mercados de pesquisa financiados pelo exclusivo interesse empresarial. Ambos os grupos se aposentarão com 70 e tantos anos sem garantia de salário integral. Governo Lula, negocia! (e tira o pé das minhas férias!)

E de Estudantes

A maioria dos estudantes universitários de hoje eram os secundaristas na pandemia, e quiçá estão entre suas maiores vítimas políticas, mais por “depressão” que por “repressão”. Muitos, alheios às práticas dos movimentos sociais juvenis das gerações passadas, têm expressado medo, estranhamento e individualismo. Uns tantos chegam a fazer pressão para garantir as aulas, constrangendo professores em greve. Entidades burocráticas e partidarizadas se solidarizam à greve, mas só em palavras. Greve com ocupação é a grande ausente. Felizmente, houve pequenas exceções aqui e acolá, como na UFSCar, UFG e UFABC, em que pequenos grupos fazem barulho e buscam resgatar o poder da revolta da juventude.

F de Fura-Greve

Figurinha carimbada em toda e qualquer greve. Só que de lá para cá mudaram de qualidade. Parafraseando o filme Eles não usam black-tie, não temos apenas “fura-greves por covardia”, mas também “fura-greves por convicção”. E qual seria a convicção? De um lado a do lulismo, que se justifica em nome do espantalho Bolsonaro (“não podemos fragilizar o governo, senão o inominável volta”); e de outro a do bolsonarismo, que propõe furar a greve em nome do ódio à esquerda, identificada no próprio Lula (“chora e faz o L”).

G de Greve

Tática de luta, um dia radical, hoje “só” institucional. Um recurso escasso visto que a maior parte dos trabalhadores estão desempregados, têm vínculos precários ou são seu próprio patrão. A greve é do funcionalismo público, devido às suas particularidades contratuais, mas também porque não atrapalha a produção de lucro. Ainda mais na educação, já que governos de esquerda e de direita não a consideram prioridade e então não veem porque atender reivindicações. Para o governo (com vasta experiência sindical no currículo) deve ter data de início e fim.

H de Haddad

Guardião do arcabouço fiscal. Antes era professor universitário, mas agora defende a meta fiscal contra sua classe. Traição? Não, evidentemente. Muito pelo contrário: é o compromisso professoral (desde a sua tese de doutorado) com o habermasianismo – afinal, espera que um bom diálogo possa resolver as coisas. Expert em perder eleições, começam as apostas para 2030.

I de Interventores

Reitores nomeados por Bolsonaro sem ter sido votados pelas comunidades acadêmicas. Uma reivindicação da greve docente (até agora não atendida) é justamente que sejam removidos do cargo de reitor. Afinal, nenhum deles foi removido pelo governo Lula e 11 ainda estão em exercício. Mas, o que é próprio cargo de reitor, independente do governo, senão a intervenção estatal nas Universidades?! Aliás, é também um desequilíbrio de poder entre as categorias, pois apenas professores efetivos podem se tornar reitores, excluindo sumariamente os técnicos dessa função.

J de Jagunços (ou Jestores universitários)

A greve, oficialmente, é um direito de todos, incluindo professores substitutos e servidores em estágio probatório. Mas o atual nível de precarização material e moral permite aos gestores (reitores, chefes de departamento, coordenadores de curso) aplicar todo tipo de ameaça e retaliação a esses trabalhadores impedindo sua adesão à greve.

K de Kairós

Explicação pseudo-erudita para não ter greve agora (“Este não é o momento”). A expressão do grego antigo transmite aura intelectual para o peleguismo de sempre. Os gregos usavam a expressão para se referir ao tempo oportuno, que muitos dos docentes ainda aguardam para iniciar a greve.

L de Lulinha

A não ser pelo tremendo rebaixamento civilizatório do contexto em que se dá o Lula III, não haveria diferenças substanciais com os Lula I e II. Entre as analogias possíveis, vivemos a encenação da peça do bom e mau policial. Falando em toda ocasião possível que a greve é “legítima” e que nos governos dele a greve nunca será “reprimida” mas que sempre haverá “negociação”, Lulinha (the good cop) deixa os operadores do seu governo agirem em direção totalmente oposta: chantagem, humilhação dos representantes docentes nas reuniões com o governo, legitimação de sindicato paralelo para impor fim à greve, depreciação pública da categoria, repressão do direito de greve, fortalecimento de “comandos fura-greve locais”. A manutenção da figura imaculada do presidente é favorecida pela postura do movimento grevista, que faz apelo carinhoso ao “pai dos pobres” enquanto tenta deslegitimar a política de Haddad. “Lulinha, de coração, negocia com a educação!”, suplicam os filhos abandonados, tentando conseguir aumento por amizade, parentesco e simpatia.

M de Mileísta-de-esquerda

Indivíduo que se julga de esquerda, mas desrespeita deliberações coletivas na defesa da liberdade individual de exercer o seu direito individual de furar greves individualmente. Conjuga a política na primeira pessoa do singular. Tem como irmão gêmeo o Mileísta-de-direita, que no passado respondia ao nome de bolsonarista, olavista, “ancap”. Foram registrados muitos episódios de professores que continuaram dando aula durante a greve, em nome da liberdade (carajo!). Obrigaram alunos a furar a greve estudantil e os colegas de departamento a criar condições para que isso ocorresse. Fizeram vídeos como supostas provas para apresentar na justiça pelo “direito” de furar greve. Outros, mais tímidos, tentaram manter as aulas de forma remota, sugerindo que quem não comparecesse sofreria represálias. Todos estes, de direita ou esquerda, disfarçam sua angústia em não ter férias com argumentos pedagógicos e de produtividade do trabalho. (É pelo bem dos alunos! Eu tenho seriedade e compromisso com o trabalho! Não sou desses va-ga-bun-dos!)

N de Novo Ensino Médio

É o “espírito do tempo” da educação brasileira. Marco comum dos governos Dilma, Temer, Bolsonaro e Lula, além das fundações Lemann, Ford, dos bancos Itaú, Unibanco, e de vários outros parceiros. “Todos” pela educação de novas levas de empresários-desempregados. Sendo o novo “arcabouço” da escola brasileira, não poderia deixar de ser também elemento fundamental do ensino superior, que viaja na mesma direção de privatização e precarização. As vanguardas deste movimento são o governador do Paraná Ratinho Júnior e o de São Paulo Tarcísio de Freitas.

O de Orçamento

Figura eclética, flexível e camaleônica, sempre presente no linguajar tecnocrático: ao mesmo tempo infinito (para banqueiros e golpistas) e exíguo (para as demandas sociais da população); público (por sua origem) e privado (por seu destino). A esquerda pretende disputá-lo na conversa, a direita na porrada.

P de Peleguifes (ou “Pelegos do Proifes”)

O governo herdeiro das Grandes greves de ‘79 decidiu copiar o modelo do sindicalismo da ditadura militar. Sindicato cartorial e fictício, o Proifes foi criado em 2004 quando o governo Lula tentou ilegalizar o Andes, culpável, naquela época, de fazer greve sem autorização do “papai”. Proifes foi utilizado instrumentalmente em 2012 e 2015 para legitimar acordos sem consenso da base docente, a mesma manobra de agora, que foi tão descarada que talvez tenha custado sua sobrevivência pós-greve. Feijóo, representando o governo, deu dois tiros e não foram no pé. Foi um na greve e um no próprio Proifes. Como tentativa de ressuscitação, o governo concedeu a Carta Sindical à malfadada federação.

Q de Quórum

Sua necessidade formal sustenta o eterno debate sobre a representatividade da categoria. O novo paradigma da socialização “virtual”, tornado hegemônico desde a pandemia, colocou as entidades sindicais diante da dúvida em fazer assembleias presenciais, híbridas ou online. Instrumento privilegiado nas mãos das diretorias pelegas, o chamado “plebiscito online” permite atender aos desejos dos setores docentes mais reacionários e privilegiados (mas também preguiçosos demais para ir a uma assembleia presencial). Facilitou muito a vida dos pelegos e fura-greves, que entram no fim da assembleia para votar pelo fim do movimento, manifestando de forma indignada sua preguiça em ouvir e debater posições. Com o plebiscito nem debate virtual tem, é só entrar nas redes e votar livremente como um obstinado Robinson Crusoé em sua ilha de individualismo devidamente protegida pela distância das telas.

R de Revogaço

As últimas novidades da greve foram a promessa, no mínimo um pouco confusa, de “reavaliar” a IN 66, e a retirada da nefasta portaria 983/20 (ponto eletrônico e mínimo de 18 aulas semanais para professores do ensino técnico, os EBTTs), mas junto com a criação de um grupo de trabalho para refazer (desnecessariamente) uma lei alternativa em seu lugar. Fora isso, acreditar que o movimento grevista levaria a revogar reformas gerais, como a trabalhista, a da previdência e do Novo Ensino Médio, seria como acreditar em unicórnio. Alguns chegaram a imaginar que Lula encabecaria a revogação de medidas que foram implementadas nos últimos anos durante os governos Temer e Bolsonaro, que pioraram significativamente as condições de trabalho dentro e fora das Universidades e Institutos Federais. Parece que esquecemos que este é o mesmo Lula que, até agora, tem intensificado a precarização, como na recente reforma que expandiu a uberização, legalizando jornadas de trabalho de até 12 horas. Revogaço é a grande utopia do movimento sindical.

S de Steps by steps

Os tais steps (mudanças de nível) da carreira dos professores federais foram utilizados pelo governo durante as negociações como mecanismo de enrolação e confusão da categoria e seus representantes sindicais (como também aconteceu no recente anúncio do PAC-Educação). Com mil números e tabelas afirmaram beneficiar os menos favorecidos. Mas estes são menos de 8% do total de professores, e o governo compensa o gasto com eles diminuindo o aumento de quem está mais adiante na subida dos degraus. Uma proposta com aparência Robin Hood, mas que beneficia mesmo é o ajuste fiscal. De degrau em degrau, steps by steps, subimos a pirambeira pra dar de cara com o abismo da inflação.

T de TAEs

Técnicos-administrativos em educação (os funcionários). Parcela de trabalhadores invisibilizada e cada vez mais reduzida, responsável por atividades essenciais para o funcionamento das Universidades e Institutos de educação. Fazendo mil tarefas, mesmo em greve, por serem constrangidos por gestores docentes ou chefias (ver J de Jagunços). Foi a primeira categoria a entrar em greve. Eles também não apoiaram o golpe em 2022 e por isso o governo lhes retribui com 0% de aumento para 2024.

U de “União e Reconstrução”

Lema do Governo Lula III. “Unir” os escombros da tragédia brasileira para “reconstruir” as condições que levaram à mesma.

V de Vitória

Um tipo particular de pelego que, muitas vezes membro de organizações políticas do chamado “campo democrático-popular”, tem constantemente votado contra a greve nas assembleias com o argumento esdrúxulo de que “a greve já foi muito vitoriosa, é preciso encerrá-la para não desgastar o movimento”.

W de Weintraub

Um ex-ministro da Educação tão medíocre que consegue fazer parecer razoável o atual, Camilo Santana. Quando era professor da Universidade Federal sofreu processos administrativos por ameaçar alunos, fazer uso indevido do nome da universidade para atividades privadas de consultoria financeira, manipular concursos e outras tramoias mais. Enquanto ministro tentou implementar o projeto privatista “Future-se”. Falou em reunião ministerial cuja gravação vazou para imprensa que o governo devia prender todo o STF. Saiu fugido pros States e acabou exonerado por faltar ao trabalho.

X de Xis

Postura bem comum entre os professores. A favor ou contra da greve? “Xis”. Se a greve encerrar, bem, se continuar, bem também: fico em casa continuando minha pesquisa, participo de atividades de pós-graduação, mas ninguém diga que sou fura-greve!

Y de Yes, we can!

Fazer o Brasil feliz de novo!

Z de 0%

Reajuste prometido pelo governo para técnicos e docentes para o ano de 2024.

Baixe, o pdf, aqui

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