Por Invisíveis
Reconhecendo o inimigo: empresa Verde, Magna, Conquista
Desde o retorno das atividades do coletivo Invisíveis, em 2024, passamos a observar a empresa Conquista de perto. Em buscas rápidas pela internet, é fácil perceber que a empresa se envolve em polêmicas com a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), pelo menos desde o escândalo na gestão do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE-UERJ), em 2020, durante a pandemia. Nesse período, a empresa que atuava pelos nomes “Verde Gestão” e “Magna”, foi denunciada por se envolver em um esquema de distribuição de propinas, gerando processos judiciais em larga escala. Foram investigadas em 2021, pela operação que levou ao impeachment do ex-governador Witzel, acusadas de serem usadas pelo empresário Edson Torres para pagar 361,8 milhões de reais em propina ao político. Diante desta situação, um companheiro nosso que já vinha investigando e analisando os problemas trabalhistas relatados por funcionários já desde aquela época, foi ameaçado indiretamente de processo por difamação, pela antiga direção da DESEG-UERJ (Departamento de Serviços Gerais). A ameaça veio por ter questionado, em um artigo, que esse departamento, junto com a Prefeitura do Campus Maracanã, foram insistentes em realizar um contrato emergencial (sem licitação, por 6 meses) no serviço de limpeza, com uma empresa que tinha envolvimentos duvidosos.

A modalidade “emergencial” de contrato se instaurou no serviço de limpeza da UERJ desde 2021, com o fim do contrato por licitação com a empresa APPA. Isso resultou em uma série de instabilidades contratuais que passaram a permitir constantes burlas em direitos trabalhistas, como férias e 13º salário em alguns momentos. Porém, um detalhe importante da particularidade da empresa Conquista nos chamou a atenção, além dos frequentes calotes em salários, benefícios e em rescisões de contrato. Ela foi capaz de aprimorar sua capacidade de exploração fazendo o uso de sua sede, no bairro de Ramos. Este, que é um espaço extremamente desconfortável, quente, de pouca ventilação, numa rua isolada, com muros altos, portas de ferro, cercado de arames farpados, e onde os funcionários são proibidos de usar celulares quando ingressam: o Galpão. Como um terceirizado da limpeza nos disse: “Tô aqui com o papel assinado por mim e pela empresa, pra saber o número da minha cela nesse campo de concentração”. Tudo isso para a empresa perguntar aos funcionários: “achou ruim? é só pedir demissão”. Desta forma a empresa tentava provocar pedidos de demissão em massa para não ter que arcar com o pagamento de nenhuma verba rescisória dos demitidos sem justa causa, que seria a forma mais favorável para os trabalhadores e também a que foi a oferecida em todos os contratos da limpeza com empresas anteriores. Criando situações absurdas de pressão psicológica e chantagens mentirosas, a empresa Conquista forçou a grande maioria de seus funcionários, mesmo com muita luta e resistência, a abdicarem de seus direitos e a aceitarem esta imposição arbitrária. Mas, voltaremos ao início, quando começaram a surgir os primeiros relatos.

Em meados de Maio de 2024, quando acompanhamos greves e mobilizações da limpeza contra atrasos em salários e benefícios da empresa Conquista, começamos a receber relatos de outras categorias de terceirizados da mesma empresa. Tratava-se dos auxiliares administrativos, atuando na UERJ Maracanã ou na Policlínica Piquet Carneiro, que retornando para a empresa, depois de uma licitação no fim do contrato com a CNS (a mesma que gere ascensoristas e outros auxiliares), tinham seus empregos ameaçados por conta de uma suspensão provocada pelo TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado). Isso ocorreu por conta de um desvio de cargos públicos, para a criação de cargos terceirizados da empresa, em um esquema conjunto com a UERJ, que normalizou os empregos através de uma liminar. Muitos terceirizados se organizaram para protestar contra a empresa, reconhecendo o esquema de corrupção e que desviar cargos públicos de servidores é algo pior para a classe trabalhadora como um todo. Apesar de ser um raciocínio difícil de absorver, a noção “anti-corrupção” de nosso tempo facilitou esse entendimento. Inclusive que existe um mérito de quem passa em concurso público e que isso deve ser tão respeitado como seus empregos. Isso ainda se soma a uma série de denúncias que recebemos sobre um hábito da Conquista de demitir alguns vigilantes e auxiliares e não pagar a rescisão contratual, com relatos de que chefes respondiam: “pode ir na justiça, que a empresa não vai pagar”. Ou seja, havia um aprimoramento da empresa em lucrar através de desvios em contratos com a UERJ e também em burlas de direitos trabalhistas.

Enquanto acompanhamos a ocupação estudantil, em Maio, contra o corte em auxílios e bolsas pela Reitoria Gulnar-Deusdará [1], também publicamos relatos e organizamos mais ações de luta com terceirizados da limpeza e vigilância contra assédios, calotes e atrasos pela empresa Conquista. A política do Invisíveis de apontar abertamente para as empresas e seus contratos gerou bons frutos quando os auxiliares gerais (desde maqueiros, atendentes, até ascensoristas) do HUPE-UERJ denunciaram nesse mesmo período, o que seria uma nova noção se abrindo para nós. Ali conhecemos a tática do “Galpão”, quando a empresa, finalizando o contrato, enclausurou terceirizados na sede em Ramos e forçou os pedidos de demissão. Além de um anúncio do que seria uma persistência do nosso inimigo de classe, era mais uma peça no quebra-cabeça que até então colocava a empresa num comportamento que caminhava mais pela burla de leis trabalhistas, usando exatamente esquemas legais e institucionais, para deixar de pagar a rescisão por demissão sem justa causa a seus funcionários. A partir dali tivemos a percepção de que, além de promover uma mobilização política entre terceirizados e estudantes, estávamos talvez desvendando parte das entranhas das relações institucionais da universidade.
A Tática do Galpão e a organização dos terceirizados
A tática de provocar pedidos de demissão de funcionários não é novidade, em várias empresas isso acontece hoje, usada como terror contra trabalhadores que reivindicam salários atrasados e também em décadas passadas, contra quem tinha estabilidade e reclamava de abusos dos patrões. No entanto, a partir das experiências vividas e relatadas pelos terceirizados do HUPE-UERJ em sua transição para o contrato com a empresa Multiply, que ficou no lugar da Conquista, ficamos atentos ao alerta dado por esse acontecimento. Ao mesmo tempo que estabelecemos elos e mobilizações com terceirizados dali, seus relatos se tornaram aulas e palestras para terceirizados da limpeza na UERJ Maracanã (e outros campi) e também para nós. Assim, pudemos elaborar algo e advertir com antecedência os terceirizados da limpeza sobre um possível “golpe do galpão”. Em meados de outubro de 2024 produzimos panfletos e cartazes denunciando que a situação iria ocorrer, mesmo que alguns terceirizados não acreditassem.

O problema foi confirmado em 18 de Outubro de 2024, quando a Conquista obrigou terceirizados a comparecerem no galpão. Isso ocorreu depois de 72h da assinatura de um documento consentindo a mudança de regime e local de trabalho, conforme a cláusula trigésima sexta da convenção coletiva estabelece. A empresa respeitou os protocolos, para enclausurar funcionários e iniciar seu ritual macabro. Lá eles ouviam declarações dos chefes de que ninguém seria demitido, mesmo com o contrato finalizado com a UERJ. Sendo entrevistados pelo Invisíveis na hora, estes chefes declararam que não estavam forçando ninguém a pedir demissão. Inclusive, em suas falas, afirmavam: “podemos fazer o que quisermos com eles, pois são nossos funcionários”. Enquanto isso, diziam informalmente aos funcionários que quem não estivesse gostando do tratamento, era só pedir demissão. Ao colocarem também limites de atraso de 15 minutos, gerou-se uma aglomeração na porta e consequentemente protestos e reclamações de funcionários. Nesse momento a empresa chamou a polícia militar, que compareceu rapidamente com 3 viaturas.

É provável que a presença do Invisíveis cobrindo a situação e constrangendo a empresa, provocou encorajamento aos trabalhadores, que reclamaram e protestaram. Assim, ao acionar a PM, a empresa acabou criando mais tensionamento sobre forçar pedidos de demissão. Nessa situação, a UERJ acenou para a empresa que prorrogou por mais um mês o contrato emergencial, com possibilidade de renovação posterior. Os terceirizados foram então feitos de reféns pela empresa, para barganhar mais uma extensão de contrato? Talvez, porém essa experiência gerou neles uma grande consciência de organização. Eles mesmos começaram a realizar materiais e montagens. Chamou-se o ocorrido de “Xou da Xuxa”, por conta do meme de internet que dizia: “que Xou da Xuxa é esse?”, referindo-se ao fato terem sido impedidos de entrar no galpão para assinar presença. Porém é claro que, a partir daí, a empresa Conquista não iria mais se permitir ser constrangida como foi neste dia.
Posteriormente, em Dezembro, enquanto entrava a nova empresa de serviço de limpeza “Soll”, investigamos como andava a situação da empresa com outros setores terceirizados. Dessa maneira descobrimos que a Conquista havia feito a mesma tática do galpão também com auxiliares administrativos, quando ainda se chamava “Verde Gestão”, em 2022, antes de voltarem ao contrato agora em 2024. Também vimos que a empresa chantageava terceirizados da limpeza, alegando que só seriam contratados pela Soll caso pedissem demissão. Mas em uma reunião para a qual fomos convocados pela nova DESEG-UERJ, com uma diretoria nova e subordinada a uma nova prefeitura, a nova diretora afirmou que as empresas não tinham conexão para que essa barganha pudesse ser real. Inclusive a pressa em cadastrar que estava sendo relatada, era na verdade para acelerar a convocação de funcionários e para retirar o mais rápido possível a Conquista, que entrava com processo judicial para continuar se “arrastando” no contrato.
Melhorias ou o silêncio do UERJ agindo como “Grande Corporação”?

Na reunião com a DESEG-UERJ, entregamos demandas diante de um protesto que estava marcado contra esses assédios da Conquista. Algumas interpretações podem considerar a mudança de direção da DESEG-UERJ e da Prefeitura como sendo resultado dos conflitos instaurados a partir das denúncias que publicamos. Essa avaliação pode ser possível, exatamente por ela apresentar a maleabilidade do capitalismo e de suas formas de exploração. A UERJ e o governo do Estado podem aqui representar a “grande corporação”, que agiram e agem como os reguladores da gestão de um trabalho, que é precário e explorado com rigidez para o lucro particular. Mantendo uma gerência racional, que preza pela harmonia dos negócios, priorizando o controle e disciplina da exploração em acordo com os proprietários. Passa pela apropriação privada de recursos públicos. Porém as unidades de produção, geridas normalmente por empresas, devem ser eficientes, respeitando um limite de garantias de contrato trabalhista, enquanto garantem a racionalidade de gastos estatais. Ou seja, na medida em que o poder público é cúmplice das atrocidades da Conquista, a sua ansiedade em lucrar e retirar valores dos trabalhadores até na rescisão de contrato, reflete seu comportamento de atrasar salários, sonegar reajustes, benefícios etc. Isso poderia estar normalizado e silenciado (invisível), mas é na mobilização entre funcionários denunciando e publicando com o Invisíveis que isso tende a se precipitar em protestos e greves. Constrangendo a empresa e também a administração pública. Portanto, é possível dizer que as atrocidades da Conquista estavam politizando a massa de trabalhadores e dando margem de atuação para o Invisíveis. Então, o Estado agir como grande corporação seria a intervenção dos gestores: regular a agressividade e burlas de direitos promovidas por uma empresa. E, assim, despolitizar a mobilização através de uma exploração baseada na intensificação da carga horária, mais do que na redução do salário e na degradação do trabalhador.

O novo contrato com a empresa “Soll”, de mais de 2 anos de duração, com a empresa sendo brusca e rígida em promover um rápido cadastramento, vai voltar a garantir o direito de férias, antes prejudicado pela modalidade emergencial por acabar em 6 meses e não acumular tempo para ser exercido. E também no cadastramento, a empresa garantiu o vale-transporte e alimentação a todos os endereços dos terceirizados. Isso pode ser visto como uma vitória parcial, mas também pode ser entendido como uma movimentação para evitar que essa agitação continue, daí a necessidade de frear o grau de atrocidades explícitas estabelecidas pela Conquista. Conforme essa cumplicidade entre poderes, na reunião com a nova DESEG-UERJ, a diretora reclamou do protesto que convocamos contra o Galpão da empresa, que estava para acontecer dias depois de sua posse, na porta do órgão e da prefeitura da universidade. Com uma dose de arrogância, ironia e certeza da nossa posição no conflito, respondemos: “Diretora, é provável que você chegou nesse cargo graças aos nossos protestos”.

Do protesto marcado, viraram dias de mobilizações numa semana de articulação crescente com correntes do movimento estudantil, ocupação do escritório da empresa, também paralisação de terceirizados da limpeza, com protestos maiores. Porém, se isso parecia ser a maior atividade e desafio dessa luta, foi no dia seguinte que a coisa ficou feia: o galpão em Ramos. Diferente de como foi em Outubro, a Conquista agora não tinha perspectiva de arrastar o contrato, pois a Soll já tomava seu lugar e exercia o novo contrato, que vinha da licitação, e já estava cadastrando os funcionários na empresa. Então, sabendo disso, em vez da intolerância com atrasos de 15 minutos, que provocou aglomeração e protestos na porta, a empresa aglomerou todos os funcionários lá dentro, depois de uma pequena fila. Proibindo de usar celulares, com terceirizadas tendo crise de ansiedade, passando fome por não poderem sair para lanchar, a empresa fez a pergunta principal: quer trabalhar em Niterói ou pedir demissão? A Conquista instaura seu horror particular. Mesmo com alguns se recusando a aceitar esses termos, a urgência da empresa Soll convocando os fez pedir demissão. Gerando tragédias e prejuízo, como descontos abusivos no salário, pois a rescisão por pedido de demissão gera a necessidade de aviso prévio do empregado. A ausência provoca descontos nos dias trabalhados proporcionais ao mês. Fazendo alguns não receberam nada ou no máximo 200 reais. Demandando campanhas de doação, alertando urgência sobre ameaça de despejo de funcionária, como já havia ocorrido nesse ano com um vigilante. Campanhas ainda insuficientes. Depois disso, estão a caminho de recorrer na justiça contra a empresa.

A “Soll” entrou na exploração e gerenciamento dos terceirizados da limpeza como o “reino da banalidade” exigida pelo comportamento de “grande corporação” da UERJ. O que isso significa? É que para despolitizar a relação de trabalho, diferente do que a Conquista fazia, a nova empresa chegou dando salários e benefícios em dia, mas intensificou o trabalho. Como? Limitando o tempo de café da manhã, acabando com as escalas alternadas (dia sim e dia não nos sábados), ampliando mais 1 hora na saída, ou até detalhes percebidos por terceirizados: distribuição de capas de chuva e chapéus para proteção solar, para que trabalhem em local aberto. Ou a proibição de sair com uniforme, para evitar atrasos no retorno de intervalos. Ou até a bota que machuca o pé, onde a “Soll” burocratiza a troca exigindo laudo médico. Todas essas medidas não afetam ou burlam um direito trabalhista específico, mas garantem a intensificação do trabalho e a “banalização” das reclamações dos trabalhadores. Recebemos muitos relatos de que a resposta de encarregados (chefes) e supervisores da empresa diante da reclamação de terceirizados foi: “A gente cobra, mas paga direitinho” ou “não gosta de trabalhar aqui, é só pedir demissão”.

Sobre a Conquista, o que chamou nossa atenção é que ela parecia prever que os funcionários entrariam na justiça. Ou seja, ela conta com a possibilidade de perda, enquanto faz ganhos extrapolados, economizando ao deixar de pagar a demissão sem justa causa. Terceirizados ao receberem da Soll, posteriormente, relataram que nem sabiam que podiam receber certos benefícios, pois não eram pagos no contrato anterior: como o benefício de prestação continuada [*], salário família, insalubridade de algumas funções, sem falar de dias trabalhados sem o vale alimentação e transporte. A dúvida que fica é: quão decisivo é o esquema de “grande corporação”, garantindo que tais medidas esdrúxulas de empresas, em busca de lucro rápido e grande, retirem-se de cena? Fazer uma versão análoga a um pequeno “campo de concentração”, que degrada a vida dos trabalhadores, seria uma exceção absurda na gestão de serviços, como pretende colocar a instituição pública, representada pela UERJ, ou uma regra que se aprimora?

Se em muitas empresas a prática de provocar pedidos de demissão é comum, não estaria a Conquista aprimorando essa prática? Se o Estado, com suas autarquias, pretende elaborar editais e contratos em que a exploração dos terceirizados seja racional e “legal”, é a noção de grande corporação que faz assegurar isso. No capitalismo atual, o Estado participa de negócios comerciais, mesmo que se coloque como gestor, precisa regulamentar os ganhos privados, assim ele se fundamenta no aumento de produtividade, mais do que na promoção de justiça social. A DESEG-UERJ, DISAU (Divisão de Serviços Auxiliares), a Prefeitura e a reitoria costumam trazer argumentos de que a legalidade dos contratos e gestões são princípios que protegem contra atrocidades na exploração, que podem fundamentar melhorias no novo contrato com a empresa Soll, por exemplo. Mas sabemos que a lógica empresarial no Estado é forte, pois, quando pagam salários e benefícios normalmente, compensam na intensificação da carga horária e no trabalho. Conforme o setor de serviços não aprimora produtividade por tecnologias, a busca por lucro através de atrocidades entra para a agenda. Resta ver se a “tecnologia da morte” aprimorada pela Conquista vira tendência. Até lá, a organização entre terceirizados e outros trabalhadores, como estudantes e técnicos, através do Invisíveis, precisa se aprimorar. Entre a exploração “racional” dos gestores e a brutal degradação dos proprietários, há sempre a extração de valores do trabalho pela intensificação da carga horária ou a redução do salário. Portanto, a insubordinação perante a disciplina do trabalho e subversão de suas hierarquias, seguem sendo a melhor tática central.

Notas do Passa Palavra [1] Trata-se da reitora Gulnar Azevedo e do vice-reitor da UERJ Bruno Deusdará.
Nota [*] O benefício de prestação continuada é um dos que são pagos pelo INSS. Mas, segundo relatos, funcionários com necessidades especiais só foram recebê-lo com a entrada da empresa Soll, depois do exame de admissão. Por algum motivo, a empresa Conquista não corria atrás disso. Seu pagamento pode ser, então, parte da política da nova empresa em mostrar regularidade diante dos terceirizados.