Por Leo Vinicius

Obviamente, as experiências de luta em outros locais, em outros países e regiões, podem fornecer aprendizados. Podem ajudar a entender os obstáculos e os melhores caminhos a seguir na luta. Noruega e Grécia são dois países muito diferentes entre si, mas que possuem algo em comum em termos de resultado de lutas dos entregadores de aplicativo. Em ambos foram conquistadas inequívocas vitórias sobre duas empresas, a Foodora na Noruega, e o eFood na Grécia. Porém, em alguns poucos anos as conquistas foram parcialmente revertidas (Noruega) ou totalmente revertidas (Grécia).

No Brasil, infelizmente, ainda não houve vitórias de dimensão como na Noruega e na Grécia. De toda forma, os exemplos desses países ajudam a antecipar dificuldades de se manter conquistas que venham por intermédio das lutas dos entregadores e a pensar direcionamentos que evitem que elas sejam logo revertidas pelas empresas.

Podemos dizer que duas lições que as lutas dos entregadores na Grécia e na Noruega nos ensinam são:

  • É preciso conseguir direitos e acordos setoriais, isto é, em que todas as empresas do setor sejam obrigadas a cumprir. Isso para neutralizar a pressão concorrencial entre elas, que leva a buscarem mais avidamente baixar os custos com a força de trabalho.
  • É necessário retirar o poder das empresas-plataforma de modificarem a bel-prazer, sem consequências legais ou sociais, os valores pagos aos entregadores, as formas de contratação e aspectos da organização do trabalho em geral. Isso para impedir que as empresas possam contornar e esvaziar conquistas dos trabalhadores através desses tipos de mudanças.

Grécia

A mais visível organização de luta dos motoboys na Grécia era e é o SVEOD, que se autointitula um sindicato de base horizontal e anti-hierárquico. Em 2019 os motoboys da Grécia conseguiram que as empresas fossem obrigadas por lei a fornecer Equipamentos de Proteção Individual. No ano seguinte realizaram uma greve para que essa lei fosse aplicada.

Em 2021 uma nova lei liberava as empresas para utilizarem apenas “trabalhadores autônomos”. O eFood, a maior empresa de entrega por aplicativo da Grécia, tinha parte da sua força de trabalho contratada como empregados, embora com contratos temporários de três meses, normalmente renovados. Em junho de 2021 os motoboys realizaram uma paralisação contra essa lei, que, no entanto, foi promulgada na semana seguinte. Em 15 de setembro o eFood informou aos 115 motoboys empregados por ela que não iria renovar seus contratos e que se quisessem continuar a trabalhar para a empresa teria que ser como “autônomos”. Os entregadores convocaram uma mobilização, tendo sido apoiados pelo SVEOD e pelo sindicato dos trabalhadores do setor de turismo e comércio. Paralelamente, foi lançada uma campanha pública pedindo para os consumidores desinstalarem o aplicativo do eFood e o avaliarem negativamente. A campanha ocorreu predominantemente no Twitter, com a a hashtag #cancel_efood. A nota do eFood no Play Store caiu de 4,6 para 1,0 em apenas um dia, e provavelmente um número bastante significativo de pessoas desinstalaram o aplicativo. Em 22 de setembro foi realizada uma paralisação de quatro horas, com uma motociata de cerca de mil motoboys pelas ruas de Atenas. Número esse que era cerca de metade de todos os entregadores do eFood na Grécia.

No dia seguinte, 23 de setembro, o eFood decidiu voltar atrás. Mais do que isso, além de decidir não mais mudar a relação de trabalho daqueles 115 entregadores, decidiu conceder contratos permanentes a dois mil entregadores que tinham contratos temporários através de empresas terceirizadas. Com isso, a greve de 24 horas que havia sido marcada para o dia 24 de setembro se tornou uma manifestação de comemoração dessa grande vitória no centro de Atenas. Vitória que foi conquistada ao atingir um ativo imaterial da empresa: o efeito de rede da plataforma. Isto é, a mobilização atingiu a relação da empresa com os consumidores, os quais estavam até mesmo deletando o aplicativo. Em novembro daquele mesmo ano os entregadores do eFood criaram um sindicato específico de entregadores da empresa.

O contra-ataque do eFood começou no ano seguinte, 2022. A empresa passou a tornar mais atrativo aos entregadores trabalharem como “autônomos” do que como empregados. Tornando os ganhos financeiros dos “autônomos” maiores do que os dos empregados, a empresa criou uma situação em que os empregados começaram a migrar para “autônomos”. Com a plena liberdade para alterar aspectos da relação de trabalho ou da organização do trabalho, como a remuneração dada em cada forma de contratação, a empresa tornou a contratação como “autônomo” não mais uma imposição sua, mas uma “escolha” do trabalhador.

Em junho de 2022 os entregadores realizaram paralisações e manifestações para retirada do artigo na lei de 2021 que permitia às empresas contratarem apenas “autônomos”. Contudo, não obtiveram sucesso. O fato é que poucos anos depois da grande vitória dos entregadores da eFood em 2021, a empresa conseguiu reverter totalmente aquela vitória, fazendo os entregadores migrarem “por escolha própria” de empregados para “autônomos” e, após essa migração massiva, foram reduzindo os valores das taxas que atraíram os entregadores à condição de “autônomos”. Ou seja, a empresa conseguiu que uma imensa vitória dos entregadores fosse revertida a ponto de eles estarem na Grécia na mesma situação que os entregadores do Brasil se encontram hoje, assim como os de muitos outros países.

Noruega

O exemplo da Noruega é similar ao que ocorre na Suécia. Os países nórdicos formam um caso interessante por possuírem ainda fortes mecanismos que institucionalizam os conflitos laborais, através de um mercado de trabalho bastante sindicalizado e de regras estatais que favorecem o poder institucional dos sindicatos, comparativamente a outros países.

A empresa de entrega por aplicativo Foodora entrou no mercado norueguês em 2015. Embora com contratos atípicos, ela contratou os entregadores como seus empregados, com o gerenciamento do trabalho feito através do aplicativo (gerenciamento algorítmico). Uma parte dos entregadores se filiou ao sindicato dos trabalhadores de transporte, que em 2019 se fundiu ao maior sindicato do setor privado da Noruega, o Fellesforbundet, que cobre mais de duzentas ocupações laborais. Foi também em 2019 que os entregadores da Foodora, através do Fellesforbundet, realizaram uma greve que durou cinco semanas. A mais longa greve de entregadores de aplicativo que tenho notícia no mundo até hoje. Sem o aparelho do Fellesforbundet, essa greve, com essa extensão, não seria possível. Fundo de greve, funcionários dedicados à mídia, relações vastas já constituídas, em suma, uma grande estrutura de apoio possibilitou a greve em toda sua extensão e capacidade de exercer poder sobre a empresa. Além da paralisação do trabalho, campanha nas mídias sociais e o apoio de políticos e da confederação sindical à qual o sindicato é vinculado contribuíram para exercer poder sobre a empresa.

Durante a greve, o sindicato mais que duplicou o número de entregadores filiados. Inicialmente os entregadores discutiam se seria melhor criarem sua própria organização ou se filiar ao sindicato. Prevaleceu a opção pragmática de se filiar ao sindicato, a partir do entendimento de que o forte sistema sindical e de acordo coletivo norueguês oferecia maiores probabilidades de levar a uma melhoria salarial e das condições de trabalho. A greve foi substancialmente vitoriosa. Através dela foi firmado um acordo coletivo em que os entregadores da Foodora conquistaram um aumento salarial, um adicional para equipamentos e para os meses de inverno, e um plano de previdência. O acordo coletivo foi renegociado em 2020 e 2022.

Durante a pandemia de Covid-19, a Wolt, uma empresa concorrente da Foodora, ganhou mercado utilizando apenas trabalhadores “autônomos”. Isso fez com que a Foodora passasse a usar cada vez mais entregadores contratados como “autônomos”. Essa mudança fez com que os entregadores da Foodora fossem perdendo poder sobre a empresa, uma vez que os “autônomos” não são cobertos pelo acordo coletivo. Qualquer pedido de aumento nas negociações anuais do acordo coletivo passou a encontrar uma resistência muito maior por parte da Foodora, uma vez que ela poderia contar com “autônomos”, para os quais ela determinava unilateralmente o valor pago. Com a concorrência da Wolt, a Foodora também passou a utilizar um gerenciamento algorítmico mais restritivo.

Embora não sejam desprezíveis as conquistas conseguidas a partir da greve de 2019 que gerou o acordo coletivo com a Foodora, cada vez menos entregadores são cobertos pelo acordo coletivo. Além disso, a capacidade dos entregadores de manter e principalmente de avançar em conquistas foi muito reduzida com as mudanças de contratação realizadas pela Foodora. Mesmo nos países nórdicos, com arcabouços institucionais trabalhistas mais favoráveis aos trabalhadores do que nos demais países, esse contexto aparentemente mais favorável não foi suficiente para uma melhoria estável do pagamento e das condições de trabalho dos entregadores de aplicativo.

O caso da Noruega aponta que o poder de barganha sobre uma empresa tende a ser pouco efetivo num mercado concorrencial, de modo a obter conquistas duradouras. O poder dos trabalhadores teria que ser exercido setorialmente, sobre todas as empresas, de modo a anular a pressão concorrencial pela redução dos custos com a força de trabalho. Além disso, assim como no caso grego, o caso norueguês mostra que o poder dessas empresas-plataforma de alterar de uma hora para outra parâmetros de pagamento, de relações contratuais e da organização do trabalho em geral, são um importante obstáculo para manutenção de conquistas arrancadas através de greves e mobilizações. Sem retirar o poder dessas empresas de adotarem a organização de trabalho, relações contratuais e valores pagos aos trabalhadores que bem entendem, sem nenhum constrangimento (legal ou social), se torna bastante difícil manter conquistas oriundas de períodos de mais forte mobilização coletiva.

Referências

Além de uma breve conversa em 2025 com militantes gregos que trabalharam como entregadores, a parte sobre a Grécia tem como referência a seguinte bibliografia:

Avagianou, A. et al. (2024). Precarity and agency in youthspaces of work: The case of food delivery platform workers in Athens, Greece. Environment and Planning a Economy and Space. https://doi.org/10.1177/0308518×241282536

Doherty, I. (2021). How Greek Delivery Riders Are Fighting the Gig Economy. Tribune. https://tribunemag.co.uk/2021/10/how-greek-delivery-riders-arefighting-the-gig-economy

Tsardanidis, G. (2024). #cancel_efood: Online solidarity to platform Workers. Futures of Work. https://futuresofwork.co.uk/2024/04/29/cancel_efood-onlinesolidarity-to-platform-workers/

‌Vrikki, P. & Lekakis, E. (2023). Digital consumers and platform workers unite and fight? The platformisation of consumer activism in the case of #cancel_efood in Greece. Marketing Theory, 24(1), 173-190. https://doi.org/10.1177/14705931231195191

A parte sobre a Noruega foi baseada na seguinte bibliografia:

Jesnes, K. (2025). Power relations in app-based food delivery in Norway. PhD Thesis. Department of Sociology and Work Science. University of Gothenburg. Disponível em: https://gupea.ub.gu.se/handle/2077/84334

Jesnes, K. (2024). Shifting gears: how platform companies maintain power in app-based food delivery in Norway. Transfer. https://doi.org/10.1177/10242589241228199

As fotografias que ilustram este artigo são de Vanessa Monteiro

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