Por Leo Vinicius

A greve nacional dos caminhoneiros em 2018 durou onze dias, e com mais de 750 bloqueios de estradas, teve um impacto imenso na economia do Brasil. Estima-se que reduziu 0,2% do PIB e tenha causado perdas de 75 a 100 bilhões de reais. No entanto, essa impressionante demonstração de força e de imenso potencial de barganha resultante da posição estratégica dos caminhoneiros no fluxo da produção e circulação de mercadorias, não se reverteu e não tem se revertido em condições de trabalho e remuneração. As demandas, que giravam em torno do preço do diesel e do preço dos fretes, foram atendidas de forma pouco efetiva. A redução do preço do diesel durou apenas seis meses e, apesar de uma tabela de frete mínimo ter virado lei, ela sofreu suspensões judiciais e hoje depende de vontade e capacidade do governo da vez de fiscalizar e usar seu poder coercitivo para que a tabela tenha efeito real.

Jörg Nowak escreveu um artigo enquanto a tabela do frete estava suspensa judicialmente – publicado em 2022 – em que argumenta, com base no exemplo dessa greve e de seus resultados, que o poder estrutural ou estratégico de uma categoria de trabalhadores não é explicativo ou preditivo, ou não suficientemente explicativo ou preditivo, das conquistas materiais dessa categoria [1]. Poder estrutural ou poder estratégico entendido como o poder de um grupo ou categoria de trabalhadores de paralisar o processo ou fluxo produtivo devido a sua posição nesse processo ou fluxo. Nowak tenta mostrar que uma análise da economia política envolvendo o setor é necessária para explicar o pouco resultado daquela greve dos caminhoneiros.

Certamente o nível de conquistas de uma categoria de trabalhadores é determinado por uma equação complexa, cujas variáveis não são apenas a dimensão da ação coletiva e a posição estratégica ou não dessa categoria no fluxo de produção e circulação (o poder de barganha de local de trabalho). Há uma série de variáveis que se reportam a contextos institucionais, econômicos, culturais, políticos, tanto setoriais quanto locais e globais. Nowak tem sem dúvida o mérito de apresentar algumas dessas variáveis e contextos explicativos, deixando claro que conseguir um impacto econômico significativo com a ação coletiva não é condição suficiente para conquistas efetivas. Porém, trago aqui a hipótese de que um fator mais importante do que as variáveis econômicas e político-institucionais apresentadas por Nowak para o fraco resultado daquela greve dos caminhoneiros, tem relação sim com a ação coletiva dos trabalhadores.

Peguemos o conceito de capacidade de gerar disposição de agir, de Claus Offe e Helmut Wiesenthal. No modelo deles, uma organização dos trabalhadores exerce poder através da capacidade de gerar disposição de agir de seus membros [2]. Geralmente esse poder se exerce na forma de sanção ao capital por meio da paralisação da produção. Para os objetivos de Offe e Wiesenthal, não era necessário pensar essa capacidade de gerar disposição de agir ao longo do tempo. Porém, na prática a questão que se coloca é que a capacidade de gerar disposição de agir varia no tempo. Disposição de agir por quanto tempo? Em quais intervalos de tempo? Em termos matemáticos, para calcular o poder dessa organização ou categoria de trabalhadores seria necessário calcular a integral da capacidade de gerar disposição de agir num intervalo de tempo.

O que a greve dos caminhoneiros de 2018 e seus resultados talvez nos apontem, é que a capacidade de efetivar mobilização disruptiva da produção quando se quer ou quando se acha necessário – ou pelo menos a capacidade de fazer o adversário achar que a categoria possui esse poder de paralisar com certa frequência – , é mais importante do que uma mobilização gigantesca e com ares de revolta. Na medida que os patrões e o Estado não acreditam que ela possa ser desencadeada novamente por organização da categoria, o potencial de reverter em ganhos para a categoria se mantém relativamente reduzido, mesmo que tenha causado bilhões em prejuízo. Um caso que também fortalece essa hipótese é o do pior lançamento de ações na bolsa de valores da história do Reino Unido, no qual estima-se que a Deliveroo tenha deixado de capitalizar cerca de 2 bilhões de libras, resultado de uma campanha sindical. Apesar dessa desastrosa capitalização, isso não reverteu diretamente e nem proporcionalmente em conquistas para os entregadores. Pode-se supor que acabou sendo mais uma em um somatório de ações dos entregadores, uma vez que essa “perda” de 2 bilhões não poderia ocorrer uma segunda vez.

Essa dimensão temporal, de continuidade ou frequência da ação coletiva, é determinante do poder dos trabalhadores e dos resultados obtidos. Em última análise, é a percepção por parte do Estado e dos patrões da capacidade da organização dos trabalhadores de gerar disposição de agir ao longo do tempo, que irá predispô-los a concessões. Podemos supor que essa percepção é influenciada não apenas pela disposição de agir da categoria de trabalhadores em questão, mas também pelo estado de força da classe trabalhadora como um todo na sociedade. Períodos históricos de ascensão das lutas e da hegemonia da classe trabalhadora na sociedade tendem a forjar um contexto social e político em que as reivindicações dos trabalhadores são melhor aceitas e incorporadas às estratégias de aumento da produtividade e de crescimento econômico.

Em suma, a hipótese aqui exposta, portanto, é que a capacidade de gerar disposição de agir de uma ou de várias organizações de trabalhadores, quando se deseja ou se considera necessário, é tão ou mais importante do que a dimensão do prejuízo de uma mobilização pontual aos patrões ou à economia.

Notas

[1] Nowak, J. (2022). Do choke points provide workers in logistics with power? A critique of the power resources approach in light of the 2018 truckers’ strike in Brazil, Review of International Political Economy, 29:5, 1675-1697, DOI: 10.1080/09692290.2021.1931940

[2] Offe, C. & Wiesenthal, H. (1984). Duas lógicas de ação coletiva: anotações teóricas sobre classe social e forma organizacional. In: Offe, C. (1984). Problemas Estruturais do Estado Capitalista. (pp. 56-118). Tempo Brasileiro.

7 COMENTÁRIOS

  1. Oi Leo,
    Fiquei pensando no Metrô de São Paulo, que uma vez você chamou de “espinha dorsal da classe trabalhadora” na cidade. Essa sua definição me chamou atenção, e tem a ver com essa ideia de que o cenário mais geral de lutas também dão força pra lutas de categorias específicas. As greves do metrô sempre criavam uma espécie de clima de “greve da cidade”, o que estimulava outras lutas. Três das vezes que paralisei na minha categoria foi surfando em greves do metrô. Na última greve forte que fizeram, em 2023, junto com Sabesp e professores, eclodiu aquela paralisação auto-organizada do pós-embarque no Aeroporto de Guarulhos contra a proibição do uso de celular.
    Mas o Metrô parece ser justamente um caso onde os trabalhadores parecem poder contar com a cartada de uma paralisação forte sempre que seja necessário, ao contrário de explosões mais fugazes como a dos caminhoneiros, entregadores, etc. Fico sem saber se é o ovo ou a galinha que veio primeiro, isto é, o fato deles terem um sindicato forte e um acordo coletivo bom ajuda, mas também o fato de serem uma categoria cujo dia a dia (menos visível para quem está de fora) é repleto de pequenos enfrentamentos e solidariedade coletiva ajuda — foi a combatividade que cristalizou as instituições ou é essa garantia jurídica que permite a combatividade? Ou ainda, ter um local bem mais definido de trabalho (ao contrário dos caminhoneiros) e ter um baita poder estrutural ajuda. Claro, ser uma empresa pública, com relativa estabilidade devido ao ingresso na CLT por concurso, ajuda bastante também.
    Porém a garantia jurídica tem seu limite nos momentos de refluxo, e o que estamos vendo agora é a categoria se desintegrar de forma acelerada, com muitas funções já terceirizadas e os metroviários concursados virando “chefes” de muitos terceirizados — que apesar de cumprirem funções que antes eram dos metroviários, estão de fora das lutas e com condições de trabalho bem piores.

  2. Caio, nesse caso o ovo vem antes da galinha. Pra institucionalizar veio antes o conflito relativamente contínuo. É o que a história mostra. No texto que fiz referência, do Offe e Wiesenthal (que a propósito conheci por uma indicação do Aaron Benanav numa entrevista dele que li), eles apresentam um modelo que entre outras coisa aborda isso. os sindicatos se fiando demais nos espaços institucionais acabam deixando de lado o exercício de poder, que vem da mobilização da base. Essa institucionalização acaba ficando sem lastro e pode ser retirada quando as classes dominantes percebem que não é mais necessária. O golpe de 2016 no Brasil para mim foi uma forma de acelerar essa desinstitucionalização, uma vez que pela correlação de forças e conflito entre as classes, era não era mais necessária. Veio reforma trabalhista, teto de gastos e tal. Bem, o cerne do texto do Offe e Wiesenthal não é sobre isso, no entanto, mas sobre como a lógica das associações de trabalhadores é diferente das associações patronais e como o que se costuma achar como uma posição burocrática das direções sindicais se explica por um pragmatismo diante, digamos, da lógica do campo.

    Acho que na medida que a classe trabalhadora como um todo, categoria por categoria, vai perdendo direitos e força, as categorias mais fortes e com sindicatos mais estruturados vão perdendo força também. Creio ser quase impossível uma categoria manter um forte poder de barganha e mesmo poder institucional se o contexto em que ela está inserida mudou, com uma decomposição de classe técnica e política. O porquinho da casa de tijolo não vai conseguir manter a sua se o Lobo Mau está destruindo ou já destruiu a de palha e de madeira.

  3. Os truísmos que permeiam o artigo e o fecham só fazem sentido no contexto de alguma disputa teórica que obviamente o público desconhece.

    Partindo para aquilo com que é possível dialogar, acho até que demorou de recorrerem a Claus Offe aqui em algum texto do Passa Palavra. Esse velho sociólogo alemão formou-se num misto de agitação política em momento formativo decisivo na Sozialistischer Deutscher Studentenbund (“Liga dos Estudantes Alemães Socialistas”) e de, já formado, trabalho entre 1965 e 1969 como professor assistente de Jürgen Habermas, com quem manteve contato muito próximo até cerca de 1975. Tinha com seu velho “chefe” uma espécie de “divisão informal de trabalho”: enquanto Habermas (na linha da geração anterior da Escola de Frankfurt) cuidava de questões teóricas mais abstratas, de cunho filosófico, Offe cuidava de questões mais práticas, de cunho sociológico e político.

    O artigo citado busca diferenciar os padrões de organização de capitalistas e de trabalhadores, demonstrando as falhas do modelo de “grupos de interesse” usado pela teoria social liberal. Uma diferença marcante é a “disposição para agir” mobilizada pelas organizações de trabalhadores e a “disposição para pagar” exercida pelas empresas e outras organizações capitalistas.

    A “disposição para agir” cria problemas para as organizações de trabalhadores, pois mobilizá-la ou não envolve decisões com base na identificação de interesses; o artigo trata como “monológico” os padrões de ação baseados em baixo diálogo com pares de classe e alta aceitação social de valores (porque hegemônicos), e “dialógicos” os padrões de ação que envolvem construção coletiva de interesses por parte daqueles com menor poder.

    O ponto alto do artigo é demonstrar como os padrões de ação de capitalistas e suas organizações são principalmente “monológicos”, enquanto os padrões de ação de trabalhadores e suas organizações vivem uma tensão entre o “monológico” e o “dialógico”.

    Estou resumindo bastante o conteúdo do artigo para chegar à parte que realmente interessa: uma tentativa de explicação sociológica do oportunismo em termos “racionais” (palavras dos autores). No artigo, caracteriza-se a passagem das organizações coletivas de trabalhadores por cinco estágios:
    (1) Formação de pequenos grupos militantes com “alta disposição de agir” e padrão dialógico de organização;
    (2) Com as primeiras vitórias, a “disposição para agir” se torna vantagem e desvantagem, pois cria tensão entre os padrões monológico e dialógico de ação que, na falta de condições conjunturais que permitam retornar aos padrões dialógicos em escala mais ampla, resolveu-se, historicamente, por meio de soluções oportunistas (no sentido dado por Rosa Luxemburg: demandas estritamente econômicas, separação entre partido e sindicato, perda de horizonte revolucionário, integração à ordem burguesa, gradualismo, etc.);
    (3) Se o caminho oportunista se verifica, a organização busca crescer burocraticamente, com “garantias externas de sobrevivência” capazes de tornar a organização cada vez mais independente de suas bases e dos padrões dialógicos de ação (p. ex., apoio de outras organizações de trabalhadores mais poderosas, juridização, etc.), com a “disposição para agir” tornada cada vez mais um potencial que uma ação verdadeira;
    (4) Como recorre cada vez menos aos padrões dialógicos de ação e à “disposição de agir”, confiando cada vez mais nas “garantias externas de sobrevivência”, a organização perde a capacidade de garantir sua própria sobrevivência sem as “garantias externas”, sujeitando-se à perda de todas elas se não mantiver um comportamento estritamente cooperativo com as organizações dos capitalistas;
    (5) A “disposição para agir” passa a ser novamente valorizada dentro de frações da organização de trabalhadores sob essas novas condições para, com base nos arrangos políticos, legais e institucionais construídos nos quatro estágios anteriores, tentar repetir o ciclo.

    Offe e Wiesenthal não quiseram fazer algo como uma “teoria pura da organização proletária”. Ao longo do artigo, dialogaram tanto com sociólogos que qualificavam como “liberais” (Klaus von Beyme, Charles E. Lindblom, Karl Deutsch, etc.) quanto com outros mais próximos de suas próprias posições (Harry Braverman, Lelio Basso, Russell Jacoby, Mancur Olson, etc.) para lidar com aquilo que tinha diante de si: o movimento sindical europeu dos anos 1960 e 1970, entendido sem mais como igual ao movimento de trabalhadores europeus do mesmo período. (Na Alemanha desse período, na geração de intelectuais-militantes de Claus Offe a distinção entre movimento sindical e movimento de trabalhadores só pareceu ser levada a sério por Karl Heinz Roth — mas isso é conversa para outro dia.)

    Numa entrevista de 1982, Claus Offe sabiamente restringiu o uso dos quadros de referência de sua obra Strukturprobleme des kapitalistischen Staates (“Problemas estruturais do Estado capitalista”) ao contexto de uma sociedade de bem-estar capitalista desenvolvida; adiciono, além disso, o contexto dos “trinta gloriosos” a permitir muita concessão. Nesse contexto, parafraseando o que diz Offe nessa entrevista, é possível “calcular” — ainda que com muitíssimo esforço — iniciativas, vitórias, reveses. Está tudo regulado.

    No que interessa ao debate, o artigo citado não parte de exemplos episódicos para estabelecer seu modelo próprio para uma “lógica da ação coletiva”: assume, sem mais, que está a tratar de todas as organizações de trabalhadores (ou seja, sindicatos) de uma só vez, sem exceção.

    Não acho que isso se aplique ao nosso caso sem muita adaptação e ajuste, ao ponto de implodir o modelo.

    As condições de que partimos fora do contexto de uma sociedade de bem-estar capitalista desenvolvida são outras. A correlação entre formas de exploração da mais-valia absoluta e da mais-valia relativa são diferentes. Recorro um pouco livremente à sua metáfora matemática: nesse contexto o que temos não são exatamente sistemas lineares como numa sociedade de bem-estar capitalista desenvolvida, mas algo como sistemas complexos, dinâmicos, não-lineares, sobrecarregados de retroalimentação e entropia ao mesmo tempo. (Sim, essas características são as de qualquer sociedade, mas acho que dá para entender a metáfora.)

    Digo isso porque, por exemplo, o questionamento (legítimo) sobre a duração da “capacidade de gerar disposição de agir” pressupõe que uma mesma categoria de trabalhadores seja capaz, ao lutar, de criar alguma organização capaz de dar reiteradamente “corpo” e “cara” a essa “capacidade de gerar disposição de agir”, ou de beneficiar-se dela. Na prática, nem toda luta de trabalhadores chega a esse ponto; mesmo aquelas capazes de constituir ou “revitalizar” organizações preexistentes não garantem a continuidade dessas organizações no tempo, tampouco asseguram sua “capacidade de gerar disposição de agir”.

    Estenderei a análise muito rapidamente com o exemplo do Sindicato dos Rodoviários no Estado da Bahia, que representa os trabalhadores do transporte público.

    Entre os anos 1980 e 1990, esse sindicato promoveu greves históricas em Salvador. Paralisações de longa duração, às vezes durando semanas, resultou num gigantesco acúmulo da “capacidade de gerar disposição de agir”. Soteropolitanos se acostumaram com o “temor” de greves a cada novo aumento de tarifa. Em dado momento, o sindicato mudou de estratégia: em vez de anunciar greve, passaram a realizar massivas campanhas de… comunicação das negociações coletivas, participando dos principais meios de comunicação de Salvador antes e depois de cada reunião com o sindicato patronal, anunciando sempre a possibilidade de greve — veja: a possibilidade de greve — a cada nova rodada. Deste modo, como que “acostumam” os soteropolitanos com a possibilidade — novamente: a possibilidade — de uma greve num futuro próximo — greve que nunca chega, exceto por paralisações nas garagens até as 8h da manhã em dias específicos anunciados com muita antecedência. Apesar da máquina de propaganda sindical e da fortíssima “capacidade de gerar disposição de agir”, os resultados das negociações ficam sempre muito aquém do desejado, causando sempre revolta em setores muito significativos da categoria. Além de gestor salarial, o sindicato se tornou gestor de crise: sempre que há tiroteios intensos em algum bairro (algo cada vez mais comum em Salvador) é o sindicato, não a prefeitura ou a polícia, quem orienta os rodoviários a não rodar na localidade, indicando-lhes pontos de parada alternativos. Pelo “modelo Offe/Wiesenthal”, o Sindicato dos Rodoviários no Estado da Bahia poderia ser uma organização de trabalhadores em “estágio 4”, não fosse a constante mobilização da “capacidade de gerar disposição de agir”; seria uma organização de trabalhadores em “estágio 3”, não fosse sua avançadíssima integração no Estado Amplo, muito mais intensa que um simples “oportunismo”.

    Vou agora à evidência anedótica dos caminhoneiros para começar a demonstrar a implosão do “modelo Offe/Wiesenthal” em nosso contexto.

    Se em 2018 a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (ABCAM) foi, a seu modo, o “corpo” e “cara” da categoria ao ser o estopim do movimento com o ultimato de 18 de maio (“padrão monológico”), rapidamente foi ultrapassada (“padrão dialógico”) por outras organizações como o Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens da Baixada Santista e Vale do Ribeira (SINDICAM), a Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (ABRAVA), a União Nacional dos Caminhoneiros (UNICAN), o Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de Ijuí (SINDITAC-Ijuí), por lideranças como Wallace Landim (o “Chorão”) e pelos ubíquos “grupos de zap”. Por outro lado, “desapareceu” nesse contexto o Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), que em 1999 conseguira resultados consideráveis em poucos dias de greve; e em 2021 aquela “capacidade de gerar disposição de agir” conquistada em 2018 deu em nada ou quase nada, por razões próprias ao contexto. Aliás, em 2017 a UNICAN havia sido a bola da vez. Por fim, a “capacidade de gerar disposição de agir” dos caminhoneiros foi de certo modo “sequestrada” pela extrema-direita, que a agita ao sabor de seus interesses independentemente de qualquer diálogo com a categoria. (Fazem-no agora mesmo, enquanto escrevo.)

    Retomo o fio da meada depois das evidências anedóticas. O contexto em que operamos, dizia, não é o de uma sociedade de bem-estar capitalista desenvolvida. Nos últimos anos ao menos, alguma atenção às lutaa de trabalhadores me sinalizam que em nosso contexto ou encontramos organizações de trabalhadores já no “estágio 4” ou no “estágio 5” de Offe/Wiesenthal, ou encontramos muitas lutas que sequer conseguem chegar ao “estágio 1”, quanto mais passar ao “estágio 2”.

    Veja, não quero dizer que não há lutas de trabalhadores em nosso contexto, nem que não há organizações de trabalhadores. Pelo contrário, me parece que em nosso contexto há organizações de trabalhadores tão dependentes de “garantias externas de sobrevivência” (legislação, Judiciário, “resultados”, etc.) que muito dificilmente conseguem agitar a “capacidade de gerar disposição de agir”, e as lutas existentes ora se dispersam muito antes de chegar ao “estágio 1”, mantendo sua pontualidade, ora chegam ao “estágio 2” sem conseguir interferir nas organizações de trabalhadores já presas no “estágio 4” ou no “estágio 5”.

    Se é assim, a “capacidade de gerar disposição de agir” perde muito de seu poder explicativo. Melhor dizendo: só volta a ter poder explicativo se for arrancada de seu quadro de referências original e usada em outro, ou isoladamente (como neste artigo que comento), ao preço de se tornar um truísmo elementar em qualquer escola de formação sindical (“patrão tem medo de trabalhador organizado”).

    Garanto que o autor fará muito melhor ao deixar o “modelo Offe/Wiesenthal” de lado, porque ad hoc, e recorrer ao quadro de referências pintado por Beverly J. Silver em Forces of Labor, porque construído desde o início com base em movimentos de trabalhadores e de capitalistas em escala global desde os anos 1870. Ainda que passível de críticas porque em certos aspectos é muito abstrato, ele vai muito além de um truísmo, e é extremamente operativo.

  4. Manolo,

    No artigo eu não uso o modelo do Offe e Wiesenthal, mas apenas um conceito deles. E sim, é evidente que o modelo deles não só é localizado como é datado. Mesmo pra Europa, ele perde força hoje em dia, fora do pacto social fordista (o que não significa que não sirva para compreender certas dinâmicas da luta de classes ainda hoje). Ora, o cerne do artigo do Nowak (o qual eu faço contraponto) é uma crítica à chamada Abordagem dos Recursos de Poder (PRA no acrônimo em inglês), o qual a Beverly Silver é uma das duas maiores referências. Nowak reduz a importância do poder estrutural, associativo (ou outros) dos trabalhadores para explicar as conquistas de uma categoria. O meu ponto é que ele confunde um grande prejuízo pontual resultante de uma greve com o poder de uma categoria (e o poder na verdade só se constitui com uma dimensão temporal).
    Que isso seja um truísmo, mas o fato é que o Nowak não levou em conta. E no que o artigo pode ir além de mero contraponto ao Nowak, é frisar para aqueles que participam das lutas e organização dos trabalhadores, que a continuidade no tempo é até mais importante do que uma grande explosão de luta ou revolta que se esvai. Claro, os momentos de explosão podem resultar em saltos organizativos… Mas fico por aqui.

  5. Acho que hoje em dia o principal dilema das lutas é se elas forjam lutadores. A luta com continuidade no tempo pode ser aos moldes do acúmulo de forças petista (democratico-popular) ou mesmo sindical, com roteiro predeterminado pelo calendário das negociações etc. Enquanto isso, os momentos de explosão podem tanto ser uma catalização de uma construção longo prazo nos interstícios da rebeldia e resistência cotidiana, com sua construção de laços de solidariedade dentro e fora de aparatos institucionais, como por exemplo os botecos e comitês de bairro, quanto a pura e simples manipulação dos ânimos, financiamento, confluência de interesses etc. Diferentemente desse dilema da luta explosiva ou desdobrada no tempo, que aliás o Alain Bihr fórmula de um jeito genial no livro Da grande noite à alternativa, o que a gente teria que ser capaz de avaliar tanto mas nossas lutas quanto nas “deles” é se as lutas em questão forjaram militância. E nesse sentido acredito que aquela greve de caminhoneiros deixou um legado não desprezível de bolsonaristas convictos e politicamente ativos.

  6. “Organização dos trabalhadores”

    Mas o que são trabalhadores? Não seria antes a organização social em que eles se inserem do que a categoria econômica a que pertencem que determinam ou não suas organizações?
    Como relacionar caminhoneiros empregados formalmente ou não com pequenos proprietários de caminhões, muitas vezes eles mesmos patrões? Como relacionar tudo isso com parte destes mesmos trabalhadores envolvidos, não só com o bolsonarismo, como também com o petismo “real”?

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