Por Celso Vicenzi
O jornalismo brasileiro tem sofrido de uma doença infantil, mas que também atinge veículos de idade avançada, que é, como alguém já definiu, o “doisladismo”. Apresentadores de telejornais, de programas de entrevistas, analistas políticos e até mesmo repórteres, têm dedicado boa parte de suas reportagens e análises a ouvir “os dois lados”. Como se apenas isto bastasse.
Ora, jornalistas devem ser mais do que “gravadores de luxo”, que reproduzem o que quer que seja sem contextualizar, minimamente, a informação. Sem uma investigação mais apurada e a contextualização dos fatos, pode-se divulgar facilmente duas mentiras – ou uma mentira e uma verdade, como se ambas fossem verdadeiras. Cabe justamente ao jornalismo desnudar quem é quem no cipoal do “opinionismo” que trafega por todas as plataformas. E impedir que ideias abjetas circulem travestidas de liberdade de expressão. Há muitos riscos quando se empodera o fascismo, o nazismo e todos os “ismos” que podem comprometer a dignidade humana.

É a síndrome do “jornalismo declaratório” que tomou conta dos espaços midiáticos e que diariamente junta, em várias plataformas, com o mesmo espaço ou tempo, democratas e defensores de regimes ditatoriais; milicianos com pacifistas; pastores estelionatários e religiosos abnegados às causas sociais; propagadores de fake news com pessoas éticas e responsáveis no trato da informação. E assim, ao fim e ao cabo, esse jornalismo que se nega a pensar e assumir responsabilidades civilizatórias, empodera as milícias e gangues políticas que tomaram de assalto a democracia brasileira e a ameaçam, interna e externamente.
Nesta balança do “doisladismo” cabe tudo, sempre com aquele tom comportado de quem parece defender a ética, quando no fundo e no raso, propaga tão somente a tese capenga de que todos merecem o mesmo espaço midiático para debate. O jornalismo brasileiro teria colocado frente a frente, para debater o nazismo, Hitler e Churchill, por exemplo. Para debater direitos humanos, o torturador e o torturado; para debater ciência, o negacionista e o cientista; quem é contra ou a favor da ideia de que a Terra é plana…
É por isso que, até hoje, a mídia tem dificuldade de chamar de genocídio o que ocorre em Gaza, onde os ataques que matam mais de 80% de civis palestinos – principalmente mulheres e crianças – são ações de “defesa” de Israel.

E é assim que se propagam pautas na imprensa como: quem é a favor ou contra arrochar ainda mais a população mais pobre (travestidas de eufemismos para que o público não a perceba claramente); quem é a favor ou contra taxar os super ricos; quem é a favor ou contra a liberdade de cátedra; quem é a favor ou contra a liberdade de expressão sem limites e que, portanto, permite a pedofilia, a exploração sexual, as fake news etc.
Nesse emaranhado que embaralha milênios de construção da razão, da paz, da solidariedade e dos direitos humanos, o jornalismo torna-se refém do banditismo ideológico, que só porque usa terno e gravata e, às vezes, enganosamente tem bons modos, não deixa de ser o perigo que de fato é, e que, por ingenuidade ou má-fé, jornalistas e brasileiros de todas as profissões, alimentam o monstro disposto a destruir o que de melhor a civilização construiu para a convivência livre, justa e pacífica entre os seres humanos.
As ilustrações reproduzem obras de Mark Rothko (1903-1970).






Mas essa tese de que “todos os discursos se equivalem” não nasceu (na sua versão mais contemporânea) com as filosofias pós-modernas, que foram (e continuam sendo) impulsionadas por uma grande parcela do que hoje se convencionou chamar de esquerda?
Paulo Henrique, nisso ainda tem aquela palavrinha que a extrema-direita e os fascistas andam usando e abusando: narrativas.
Até chegar nesse momento histórico em que vivemos, essa palavra eu lia e escutava muito na faculdade e justamente vindo de pessoas identificadas como esquerda, para quem tudo era apenas questão de “narrativas” e “discurso”. Naquela época com aquelas pessoas e nessa época com a extrema-direita, a palavra era usada no mesmo tipo de contexto – desconsiderar qualquer argumento divergente. Fatos, luta de classes, classes, argumentos, raciocínio, documentos, o sol sobre nossas cabeças… tudo não se passa de NARRATIVAS! Olha, são tantas as coisas que a esquerda ensinou para essa extrema-direita…
paneMArupiara (&/)
pseudoantagonismo