Por Um trabalhador de uma fábrica em Goiás

Nesse clima quente, da sua área dentro da fábrica faz um calor que te esgotou e esgota, o ar condicionado é insuficiente e não há possibilidades de pausas necessárias para esfriar o corpo, você é um não garantido, não se sabe se suportará o trabalho de segunda a sábado (ou de domingo a domingo, sensação do trabalho noturno) por conta do calor extremo ou por conta da rotina que se repete, de pé, numa máquina, apertando botões, vigiando uma esteira, montando caixas, num fluxo ininterrupto, a combinação dos dois fatores te garante a fadiga…

Problemas com o RH, uma constante; à noite não possui atendimento presencial, e eles buscam escapar do contato presencial com burocracias, abre-se um chamado, a demora em ser atendido, a resposta é insatisfatória, não se resolve o problema, é preciso repetir o procedimento, mais 48 horas de espera, o app não presta, a senha não acessa mais, e os dados estão corretos, mas essa merda não funciona, você quer saber quando receberá o seu adicional noturno, quando chegará seu cartão do vale alimentação, já está atrasado há quatro meses, observou que no seu contracheque veio faltando, mas não há faltas, a máquina de ponto está novamente com problema, é preciso bater o ponto duas vezes, uma na máquina e outra no aplicativo, mas os dois dão problema, a incerteza de ter seu ponto registrado, a demora em ter sua digital reconhecida no aparelho, e aplicativo que não funciona, reset várias vezes no mês para atualizar a senha no aplicativo, a maioria desiste do app…

A comida é dada, tem que aceitar o que é dado, diz que pode reclamar, mas será que prejudicaremos os trabalhadores da cozinha? Numa cidade onde a principal fonte de trabalho é o setor de indústria, todos estão confinados dentro das fábricas, 8 horas sem contato com luz natural, 6 dias na semana, sob regras que às vezes não fazem sentido, sob um discurso que o culpa enquanto eles dizem fazer tudo por nossa segurança, eles têm medo dos processos trabalhistas e da fiscalização e transferem a culpa para os trabalhadores, é preciso estar o tempo todo atento, a máquina desregulada pode prensar seu dedo, um operador de máquina desorientado pelo calor pode bater o carrinho em alguém, trabalho na roda de hamster, repete-se a rotina atrás da recompensa do salário, assim que paga as contas, as dívidas continuam, é preciso continuar a trabalhar, sem qualificação, é preciso buscar uma formação para poder subir de vaga, puxar sacos, aguentar humilhação, menos um dia aproveitado para si, o lazer são momentos fugazes em que se sacrifica o descanso para se ter lazer. Há um dilema inédito: ou eu descanso ou me divirto, me tornei um animal deprimido…

Mas eles oferecem petiscos, as migalhas da produção são jogadas nas mãos, são de presente, tudo aquilo que você produziu vira lucro e te dão de volta umas coisas que vocês fizeram, não é visto como um mínimo, você é convencido que recebeu uma dádiva, lá de cima olharam e jogaram alguns kits. Assim tu és convencido da bondade dos seus senhores… Mas a rotina se repete, transformados em polícia uns dos outros, vigiando a postura e relembrando das regras, vivendo regulado na rotina, mas ganhei alguns produtos, que eu não posso comprar com meu salário, produtos que eu ajudei a produzir, você participa em uma etapa do processo de produção, faz dez mil itens por dia, e tem de volta um copo que tu fabricou entre os milhares, eis a grande gentileza!!!

Supervisionado, vigiado, governado, preso na rotina por um salário. O temporário não consegue entregar o atestado por conta do aplicativo que não funciona… a falta é descontada no contracheque, é preciso fazer a contestação, guardar provas de que se foi trabalhar, mas a máquina não funciona direito, está desregulada e não conseguiu ter acesso ao app, está dando problema…

É por esse meio que eles evitam a dor de cabeça, terceirizando o trabalho de administração para o funcionário através dos dispositivos em sua mão, mas e se você estiver sem celular, sem internet, ou não sabe lidar com tecnologia e precisa de ajuda? Precisa contar com a ajuda e boa vontade dos outros, dos colegas de trabalho, dos filhos, do vizinho…

Tenta contato humano, mas não há mais humanos no RH, cada vez mais sendo substituído por máquinas, quanto tempo mais até a sua função não ser mais necessária? Quando a máquina vai tomar o seu lugar? Precisa buscar qualificação, mas há tempo ou força pra estudar com qualidade? Recorre a EAD, curso técnico e tendo seu horizonte de superação limitado à promoção na fábrica, crescimento para a empresa, não para você, não tem mais tempo pra si.

A vida acabou, é necessário sobreviver. Não há vida mais, apenas uma escala 6×1!

 

As fotografias que ilustram o artigo são de Jacques-André Boiffard (1902-1961)

1 COMENTÁRIO

  1. E no EaD, o trabalhador também se perde, pois há muitas opções e muitas não funcionam sempre – ou será que é somente naquele tempo que se tem que o App resolve não enviar o documento?
    O conteúdo dos estudos em EaD são leves, as perguntas tanto dos exercícios também, afinal não há pegadinhas, apenas questões relativas ao que se apresenta para a leitura rápida dos módulos. Ah, mas então é mais que ideal? Não se engane, pois nenhum aplicativo pode substituir a presença de um professor paciente que ama suas perguntas para elucidá-las e no ensino à distância não o temos.
    Por vezes, intuitos, por via de regra, que é possível cair em erros que lhe custarão um rim – imagina uma prova substitutiva custar a bagatela de nada mais nada menos que R$414,00? Sim, é bem provável que isso possa acontecer, como a coincidência de um raio cair no mesmo lugar, no mesmo ponto atingindo 2 pessoas de uma mesma família. E a gente ainda agradece pela oportunidade de ter feito tal estudo. Coisa que, se você não utilizar rapidamente acaba esquecendo de tão volátil que foi o tal ensino à distância.

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