Por Pedro Nascimento
Nos últimos meses, em Fortaleza, algumas mudanças vêm ocorrendo no sistema de transporte coletivo. As alterações fazem parte de um pacote, que, em grande medida, tem forte influência do empresariado. Segundo os megaempresários do setor, que estão organizados na Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), teria havido uma baixa no número de passageiros de 2013 em relação a 2012.
Os números apresentados pelos empresários contabilizam que, em 2013, 175 milhões de pessoas abandonaram os ônibus nas nove capitais mais populosas do país (Fortaleza integra a lista). Isso quer dizer que, segundo a NTU, houve uma migração das pessoas para os transportes automotores. Nos últimos anos, a não cobrança ou reduções do IPI (Imposto sobre Produto Industrializado) facilitaram o endividamento de muitos brasileiros/as com a compra do carro próprio sendo feita através de intermináveis prestações. É bom lembrar que os recursos arrecadados através do IPI são revertidos, em tese, para a saúde.
Mais carros na rua, mais congestionamentos e mais dióxido de carbono na atmosfera, ou seja, uma fórmula perfeita para o transtorno e caos nas vias das grandes cidades. O que se percebe e o que é vivido por nós no trânsito de Fortaleza é que as faixas exclusivas para ônibus estão longe de resolver o transtorno e caos.
Diante de tal situação, tudo o que os megaempresários querem é evitar uma competição com o transporte individual nas vias da cidade. Os donos das megaempresas de ônibus querem exclusividade absoluta nas ruas e avenidas para que não haja uma queda na velocidade operacional (VO). Nos últimos anos, é visível que a velocidade média dos ônibus caiu, e hoje, segundo algumas pesquisas, essa velocidade estaria entre 12 km/h e 14 km/h.
Essa média de VO tem, nos congestionamentos, seu principal problema. Com isso, o veículo para, freia e acelera em curto tempo, tornando difícil o desenvolvimento do ônibus, pois, constantemente, o veículo acaba tendo que dar partida no motor, exigindo, assim, a injeção de combustível.
Um dos objetivos dos megaempresários é aumentar a velocidade operacional para obter um sistema “eficiente” rentável, encontrando meios que possam reduzir o consumo de combustível nos ônibus. Com a redução dos insumos (combustível, etc.) e a manutenção dos lucros, o império dos tubarões do transporte se fortalece. Garantindo o aumento da velocidade, o desejo do empresariado é ampliar o número de usuários de ônibus, sendo que a frota atual atende a mais da metade da população da capital, quantidade correspondente a cerca de quase um milhão e meio pessoas.
Na corrida para a redução dos gastos com os insumos para o transporte, uma Medida Provisória (MP) foi assinada em maio pela presidenta. É a MP nº 647, de 28 de maio de 2014, medida que obriga a adição de biodiesel ao óleo diesel, cujo artigo 1º afirma:
Art. 1o Ficam estabelecidos os seguintes percentuais de adição obrigatória de biodiesel ao óleo diesel comercializado ao consumidor final, medidos em volume, em qualquer parte do território nacional:
I – seis por cento, a partir de 1o de julho de 2014; e
II – sete por cento, a partir de 1o de novembro de 2014.
Na prática, isso favorece a acumulação capitalista através da redução de gastos que há com a importação de grande parte do óleo diesel utilizado no Brasil. O máximo que era adicionado antes era 5%. A nova MP não visa conservar o meio ambiente, e sim reduzir os gastos do empresariado, facilitando os lucros do setor de transporte e dos latifundiários.
O espaço agrário na última década seguiu sua marcha de aumentar a produção de biodiesel em detrimento da produção de alimentos. A tendência é que tenhamos mais produtores rurais em mais terras colhendo as matérias primas (monoculturas) para a produção do biodiesel, e isso significa maior produtividade e satisfação plena dos latifundiários. A indústria brasileira de biodiesel continua a todo vapor, os números de julho registraram a maior produção/mês de sua história. “De acordo com os dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP), as usinas fabricaram 19,7% mais biodiesel que em junho” (http://www.biodieselbr.com, 2014).
De todos os lados, o empresariado busca reduzir seus custos. Querem isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para a aquisição de ônibus, redução do custo do óleo diesel, redução da alíquota do Imposto sobre Serviços (ISS) para serviços de transporte coletivo, entre outros. Querem e conseguem! O Estado facilita os interesses das empresas a todo momento.
Vem sendo implantado, em várias cidades do Brasil, o sistema BRT (Bus Rapid Transit), sistema que visa aumentar a velocidade operacional do ônibus. A promessa é diminuir o tempo de viagem de um lugar para outro, economizando tempo e gasto com combustível. Em Fortaleza, a real obra do sistema BRT transformou a Avenida Bezerra de Menezes em um canteiro de obras. Haverá, na parte central da Avenida, um corredor segregado, uma via exclusiva para o transporte coletivo.[1]
Tais medidas não solucionarão os diversos problemas do transporte em nossa cidade. Enquanto não pormos fim a essa mercantilização do transporte, e a população não tomar as rédeas da gestão de uma forma coletiva e horizontal, as supostas soluções só servirão para aumentar os lucros do empresariado do transporte.
O corredor BRT Antônio Bezerra – Papicu (projeto) visa dar maior eficiência econômica para os empresários, reduzindo custos. Gastar menos com combustível e atrair um número maior de pessoas para o principal meio de transporte da maior parte da população de Fortaleza é o real desejo. O deslocamento para o terminal mais movimentado da cidade (Term. do Papicu) pretende melhorar o fluxo do trânsito nas proximidades da região que abriga o maior número de shoppings da cidade (Aldeota, Meireles e Papicu (Recentemente entrou em funcionamento o Shopping Rio Mar)).
A qualidade do transporte coletivo não dá sinais de melhora e nem de uma possível redução da caríssima tarifa nossa de cada dia. Os altos teores de enxofre e dióxido de carbono continuam a deixar a cidade cinza. Nosso cotidiano nos faz sentir verdadeiras sardinhas enlatadas. Então, perguntamos: diante do caos capitalista, qual cidade queremos? Quais transformações são possíveis para ontem? Estamos decidindo algo sobre o transporte? Percurso de ônibus, valor da tarifa e quantidade de ônibus em uma determinada linha, quem decide? Precisamos mudar essa realidade e dizer um basta para os tubarões do transporte. Os megaempresários estão se referindo à diminuição de que tempo? Ao tempo de produção das mercadorias? Ao tempo de chegar na hora certa para consumir? NÃO QUEREMOS ESSE TEMPO MOLDADO PELA LÓGICA CAPITALISTA!
Queremos uma vida sem catracas e amarras, queremos fazer parte de uma construção coletiva e anticapitalista, expropriar o transporte coletivo e decidir o que queremos coletivamente. Temos que tomar de volta o “tempo que nos roubaram, que não nos pertence mais […]”. Confiar no Estado? Que facilita os interesses privados. Nem pensar! “quebrar todas as catracas é a única saída […] catraca só em bicicleta e o resto vai pra marreta, vamos quebrar qualquer uma que em nossa frente se meta! […]” (Manoel Inácio, música: Passe livre sem limite).
Nota:
[1] Segundo relatou O Povo On-Line (2014): “As paradas ficarão em áreas que disponham de semáforos e faixa de pedestres para possibilitar a travessia segura dos passageiros que passarão a desembarcar no canteiro central e não mais nas calçadas da via”.
Ótimo texto, parabéns.
‘É bom lembrar que os recursos arrecadados através do IPI são revertidos, em tese, para a saúde.’
O IPI, por ser imposto, não é vinculado. Logo, sua arrecadação não se vincula a qualquer atividade específica (não se vincula à saúde, como o autor afirma).
‘O que se percebe e o que é vivido por nós no trânsito de Fortaleza é que as faixas exclusivas para ônibus estão longe de resolver o transtorno e caos.’
As faixas exclusivas para ônibus em Fortaleza estão apenas no início. A maior parte das principais avenidas só teve faixa para ônibus implantada há poucos meses. Aliás, há também a instalação de ciclofaixas (é bom lembrar que a Prefeita da esquerda, em 8 anos, não instalou uma única ciclofaixa ou corredor de ônibus).
‘Tudo o que os megaempresários querem é evitar uma competição com o transporte individual nas vias da cidade.’
E os usuários de ônibus também não querem evitar congestionamentos por meio de faixas exclusivas? Também não são beneficiados pelo uso de faixas exclusivas?
A prefeitura pode proibir o uso de carros ou abrir faixas exclusivas. Optou por faixas exclusivas.
‘Enquanto não pormos fim a essa mercantilização do transporte, e a população não tomar as rédeas da gestão de uma forma coletiva e horizontal, as supostas soluções só servirão para aumentar os lucros do empresariado do transporte.’
E as mediações pra se fazer isso?
https://www.youtube.com/watch?v=Xi19zQDLq9w