Por Joris Leverink
Hoje, a resistência curda e seus camaradas de Kobane conseguiram o inimaginável: expulsar os combatentes do Estado Islâmico (ISIS) da cidade.
Depois de 134 dias de batalhas ferozes entre as forças curdas do YPG (Unidades Populares de Defesa) e do YPJ (Unidades Femininas de Defesa), tropas Peshmerga e elementos do Exército Sírio Livre por um lado, e do ISIS, por outro lado, parece que os últimos bairros da cidade que estavam sob controle dos militantes jihadistas foram finalmente libertados.
Enquanto o porta-voz oficial do YPG, Polat Can, anunciou a liberação completa da cidade via Twitter, as mídias sociais estão fervilhando com imagens de combatentes da resistência comemorando, tanques do ISIS queimados e, claro, a icônica bandeira vermelha, verde e amarela do TEVDEM, o Movimento por uma Sociedade Democrática, tremulando no topo da Mishtenur, a colina estrategicamente importante com vista para a cidade.
O avanço do ISIS sobre Kobane se iniciou em meados de setembro, quando suas forças conseguiram conquistar, em questão de dias, a região rural ao redor da cidade, antes de marcharem sobre o próprio centro urbano. No processo, centenas de milhares de pessoas foram forçadas a sair de suas casas, fugindo em terror dos jihadistas fortemente armados, que deixavam pouco pelo caminho a não ser carnificina e destruição.
Cerca de 260 mil pessoas procuraram refúgio na fronteira com a Turquia, mas várias centenas de combatentes da resistência ficaram para trás para proteger a cidade. Com pouco mais a não ser seus fuzis AK-47 e uma firme determinação para deter o avanço do ISIS em Kobani, os homens e mulheres do YPG/YPJ conseguiram evitar o ISIS de adicionar mais uma cidade à sua longa lista de vitórias militares nos últimos meses.
A resistência dos combatentes curdos contra o ISIS foi prejudicada pelas políticas da vizinha Turquia, que manteve a sua fronteira com a cidade sitiada hermeticamente fechada, impedindo que qualquer ajuda chegasse até a resistência, enquanto, ao mesmo tempo, muitas fontes e observadores fizeram menção de seu suposto apoio militar, logístico e médico aos jihadistas.
Nos últimos meses, os combatentes curdos e seus apoiadores da região e de todo o mundo se reuniram no lado turco da fronteira para expressar seu apoio e solidariedade com a resistência. A batalha em Kobane não só destacou a eficácia das milícias curdas como uma das poucas forças armadas na região capaz de combater o ISIS, mas, mais importante, trouxe a atenção global para a difícil situação do povo de Rojava e sua revolução social focada em democracia direta, igualdade de gênero e sustentabilidade ambiental.
Embora a vitória em Kobane seja, sem dúvida, de importância crucial para a guerra contra o ISIS e uma razão importante para a celebração, deve ser salientado que a luta está longe de terminar. A maioria das mais de 300 aldeias que fazem parte do cantão de Kobane permanecem sob o controle do ISIS e, enquanto este continua a ser o caso, a grande maioria dos refugiados na Turquia não será capaz de voltar para suas casas.
Além disso, a cidade libertada de Kobane agora está em ruínas. Os contínuos bombardeios de morteiro, tiros de artilharia pesada e ataques com carros-bomba do ISIS, combinados com os bombardeios aéreos da coalizão liderada pelos EUA alvejando posições do ISIS na cidade, destruíram bairros inteiros.
A libertação de Kobane é uma vitória de importância do ponto de vista da estratégia militar. Mas mais importante: é uma vitória simbólica da democracia sobre o autoritarismo; do pluralismo sobre o fascismo; da liberdade sobre a repressão – e, acima de tudo, uma vitória que mostrou ao mundo o verdadeiro poder daqueles que lutam pela libertação genuína em oposição ao fanatismo daqueles que lutam por pouco mais que crenças fraudulentas.
Enquanto Kobane estava sob cerco, nos cantões vizinhos de Afrin e Cezire a revolução continuou: conselhos populares foram criados, cooperativas de trabalhadores foram desenvolvidas e as mulheres começaram a participar ativamente nos processos decisórios que lançam as bases para uma nova sociedade onde o poder é exercido pelos de baixo e não pelos de cima.
O grande desafio para o povo de Kobane e, possivelmente, um teste crucial para a força da revolução está à frente: não só a cidade, mas toda uma sociedade terá que ser reconstruída praticamente do zero.
O povo de Kobane provou sua força no campo de batalha e sua heróica resistência contra todas as probabilidades tornou-se um farol de esperança para todos os que creem que a luta contra as forças repressivas do fascismo, sob qualquer forma, pode ser vencida.
A atenção internacional que a batalha de Kobane recebeu pode agora ser usada para mostrar ao mundo que o povo de Rojava não está apenas liderando o caminho na luta contra o extremismo do ISIS, mas também na luta contra as forças do imperialismo, do capitalismo e do patriarcado que têm dado origem a muitos dos males que assolam atualmente as sociedades de todo o mundo – e no Oriente Médio, em particular.
Bijî Berxwedane Kobani!
Bijî Berxwedane YPG!
Bijî Berxwedane YPJ!
Bijî Berxwedane Rojava!
Joris Leverink é um jornalista freelancer correspondente em Istambul, editor da ROAR Magazine e colunista da TeleSUR em inglês.
Traduzido pelo Passa Palavra. O original encontra-se disponível aqui.
Ótima iniciativa a tradução e publicação desse texto! Outro bom sobre o tema, mas ainda em inglês rsrs:
http://www.aljazeera.com/news/2015/01/kobane-beginning-isil-201512782724826681.html