Ato em defesa dos moradores do Centro Antigo, em especial dos trabalhadores dos Arcos da Conceição, artífices que exercem suas atividades há mais de um século na Ladeira da Conceição da Praia. Por Passa Palavra
Na Ladeira da Conceição da Praia não há um só lugar que não tenha história. Logo quando Tomé de Souza desceu das naus portuguesas com tropas armadas e em formação de batalha em frente ao local onde hoje fica a igreja da Conceição da Praia, em 1549, armou acampamento e preparou a subida para o alto da escarpa onde hoje está o núcleo inicial da povoação de Salvador. Com a área comercial e portuária rente à praia e a área residencial e administrativa protegida de ataques pelos 72m de parede de rocha maciça, ladeiras como a da Conceição, da Misericórdia e da Preguiça, e posteriormente a de São Francisco de Paula e a da Montanha, foram essenciais durante quatro séculos para a mobilidade em Salvador. A da Conceição é a mais antiga delas.
Desde o século XIX que os arcos da Ladeira da Conceição, que dão sustentação à Ladeira da Montanha construída logo acima, são usados como oficinas por artesãos diversos. Marmoreiros, ferreiros e serralheiros, muitos deles libertos ou ex-escravos, fixaram ali seus lugares de trabalho, alguns transmitindo desde então seu ofício e seu posto de geração a geração na família. Alguns deles são inclusive escultores de renome mundial.
Acontece que em 2014 a Prefeitura de Salvador e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN apareceram com uma ideia torta de “revitalizar” os arcos da Ladeira da Conceição. Para a Prefeitura, eles estavam “abandonados”, e deveriam ser usados para a construção de “residências artísticas” (o que quer que isto signifique). A mobilização dos artífices conseguir brecar o processo, embora a ameaça de sua concretização ainda paire no ar.
Com as chuvas de 2015, a Prefeitura aproveitou a situação para ameaçar mais uma vez os artífices: como registrado em um vídeo-denúncia, um suposto policial militar ligou para moradores ameaçando removê-los à força, e chegou a arrombar portas de casas e ameaçar artífices de arma em punho, dando-lhes prazo para que saíssem. Três casarões na Ladeira da Conceição – todos tombados pelo patrimônio histórico – foram derrubados pela prefeitura, e outros três só não foram postos também abaixo porque o braço da escavadeira não alcançou seus tetos.
Diante disto tudo, foi marcado mais um ato em defesa dos moradores do Centro Antigo, em especial dos trabalhadores dos Arcos da Conceição, artífices que exercem suas atividades há mais de um século na Ladeira da Conceição da Praia.
O ato foi uma articulação com os demais movimentos sociais da região, como o Nosso Bairro é 2 de Julho, a Associação de Moradores da Gamboa de Baixo, a Chácara Santo Antônio, os próprios Artífices da Ladeira da Conceição, entre outros, e o Movimento Sem Teto da Bahia – MSTB, que tem diversas ocupações próximas. Além disso, assessorias, como o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), o Instituto de Desenvolvimento de Ações Sociais (IDEAS) e outros colaboradores se fizeram presentes. Segundo os organizadores do ato, em página do Facebook, o “nosso objetivo é continuar denunciando, aos parceiros de luta e a população em geral, o racismo e a violência institucional com que o Estado vem tratando a população negra do Centro Antigo de Salvador”.
Assim, o ato teve início com uma feijoada e o microfone foi aberto para que as denúncias fossem feitas. Apesar de o ato ter acontecido na frente dos arcos da Ladeira, onde trabalham os artífices, o objetivo era abraçar muitas outras lutas e momento foi utilizado para as denúncias mais diversas, desde as remoções que vem acontecendo nos últimos meses, passando pelos novos arranjos institucionais que visam expulsar os moradores do Cento Antigo da cidade, chegando em todo o processo de especulação imobiliária em curso.
Ficou claro a todos que não se trata somente de uma articulação da Prefeitura de Salvador, hoje comandada pelo DEM, com o mercado imobiliário. O próprio Governo da Bahia, sob comando do PT, também vem colaborando com o processo de gentrificação da região. O Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC-BA) é o órgão estadual que é dono de um parque imobiliário considerável no Centro Antigo e que vem legitimando o processo de expulsão dos moradores. Tanto a Prefeitura de Salvador quanto o Governo da Bahia se eximem de negociar com os movimentos.
Entretanto, o ato aproveitou a presença de representantes do Ministério da Cultura – MinC na cidade para também pressioná-lo. O MinC tem sob sua responsabilidade o IPHAN – o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que em 2014 aprovou um plano da Prefeitura de expulsar os artífices e reformar os arcos para a instalação de “residências artísticas”. Um representante do MinC compareceu ao local e ouviu as críticas, as reivindicações e deixou a promessa de convocar urgentemente uma audiência pública para debater a questão. O representante, entretanto, disse que levaria a situação ao ministro (Juca Ferreira) e que não poderia garantir nada aos presentes, pois “fugia da sua alçada”.
O momento mais importante do ato foi reaberta a Ladeira da Conceição da Praia, que foi fechada pela Prefeitura de Salvador desde que os casarões da região foram demolidos, o que impedia o acesso de veículos e inviabilizava o trabalho dos artífices. Após a remoção dos blocos de concreto, ao som do samba “Várias Queixas” (ver vídeo), a atividade continuou até que a chuva esfriasse os ânimos. Na ladeira próxima, a da Montanha, também alvo das remoções e demolições, a artista visual Clara Domingas fez uma intervenção (ver aqui), sendo o resultado de uma oficina conduzida pela artista com moradores do Centro Antigo.
Ainda nessa semana deve acontecer mais um ato, na quarta-feira à tarde, local a ser confirmado. Além disso, há a previsão que esta articulação entre os movimentos sociais do Centro Antigo não pare por aí, ao contrário, ganhe ainda mais força e consiga expor o que se passa hoje na cidade de Salvador.
eu estou na luta da ladeira e obricago os conpanheiros nosapoia