Caravana Sudámerica 43 entrevistada por Passa Palavra
Em 26 de setembro de 2014, em Iguala, povoado de Ayotzinapa, estado de Guerrero, México, 43 estudantes secundaristas, que iriam protestar por mais recursos para sua escola, num evento da mulher do Prefeito, foram interceptados em seu ônibus e permanecem até hoje na condição de desaparecidos. Seus pais, familiares e diversas organizações sociais, no México e no mundo, exigem a apresentação dos 43 meninos com vida. A Caravana com os familiares chegou ao Brasil nesta segunda-feira, 1º de junho, para realizar a série de atividades após já ter percorrido outros países da América Latina, como Argentina e Uruguai.
Na manhã desta terça-feira (2), o Passa Palavra entrevistou[*] a Caravana Sudámerica 43, que ficará em São Paulo até o dia 4 de junho, seguindo depois para o Rio de Janeiro e Porto Alegre, onde realizará trocas com outros movimentos sociais.
Abaixo destacamos alguns trechos desta conversa.
Por que estamos aqui?
Em 26 de setembro comunicaram-nos do problema. Não foi possível contactar os meninos. A polícia os havia detido. Esperamos até o domingo para ir à polícia e soltar-los, e ali falaram que nunca haviam tomado conhecimento de nossos filhos. Buscamos em hospitais e até no exército, e ninguém sabia. Aí começou o nosso calvário.
Já se vão oito meses, e os nossos filhos sempre foram buscados como mortos, nunca como vivos. Mas sabemos que estão vivos.
Repressões e intimidações pelo Estado
Sofremos repressões, temos sido perseguidos e reprimidos em nossos atos, e os estudantes também foram agredidos.
O governo dificulta o caminho para que não façamos nossas mobilizações. Intimidam-nos para que nada façamos.
Indígenas
O governo sempre pisoteia a dignidade dos povos indígenas, retira suas terras e água, expulsa-os. Além do governo, encontra-se a delinquência organizada, que em Guerrero se vinculam; e o governo se converte em delinquência organizada.
Escolas Rurais Normalistas[1]
Como normalistas sempre fomos atacados pelo Estado, há anos está nos reprimindo, isso não é algo novo. O delito que cometemos é que levantamos a voz por nossos direitos, o direito à educação gratuita, e o governo tem alterado essas regras, inclusive matando companheiros, e até hoje não houve justiça. Somos gente humilde, camponeses, que trabalham no campo. Não temos recursos suficientes para pagar os estudos e a Normal – um internato de homens, que oferece dormitórios e comida – é uma possibilidade de estudarmos, termos uma profissão.
As escolas normais rurais do país sempre foram reprimidas. Há anos reprimem a de Ayotzinapa. E talvez nosso delito maior seja protestar por nosso direito a uma educação gratuita. Em 12 de dezembro de 2011, o Estado tentou reduzir as matrículas de 140 para 100 vagas. Durante os protestos mataram dois companheiros. Depois, em 7 de janeiro de 2014, morreram atropelados dois companheiros, e apesar de reconhecer que o motorista estava bêbado, a justiça nada fez.
Protestos
Nossos protestos são para pedir justiça. Nos últimos tempos protestamos pelas matrículas, pois o governo cortou as vagas, então lutamos pela quantidade de recursos para a alimentação; falta de material didático etc. Eram problemas internos. Antes do dia 26, jamais pensamos que iríamos lutar para exigir que entregassem nossos colegas vivos, jamais imaginamos isso.
(…) Depois do dia 27 achávamos que a repressão diminuiria em Guerrero, mas não. Seguem reprimindo cada manifestação, sempre. Após as mortes dos companheiros, ao contrário do que se esperava, o policiamento aumentou no estado. Se antes tínhamos 1.000 militares, agora são 10 mil.
Solidariedades e encontros internacionais
Quem nos apoia são as organizações sociais, é o povo. Não queremos nenhum partido político, quem levou nossos companheiros eram do PRI [Partido Revolucionário Institucional]. Por que devemos nos relacionar com pessoas mafiosas e assassinas? Não queremos nos relacionar com nenhum político, nenhum governo. É o povo e as organizações sociais que nos apoiam.
Em alguns municípios também se desenvolveram formas de solidariedade ocupando prédios do governo, permanecendo em vigília, exigindo o aparecimento dos 43 estudantes secundaristas, bem como suas próprias exigências.
Começaram a surgir convites para fazer visitas em outros países. Encontramos muita gente linda, foi impressionante o apoio que recebemos.
A Caravana já passou pela Argentina e Uruguai, mas também nos EUA, Canadá, países da Europa.
Pensávamos que os problemas estavam mais no México, mas não, estão em todos os países. Vimos conflitos de terras indígenas, os mesmos graves problemas de pobreza e exclusão: situação de despejados na Argentina, no Uruguai, no Brasil. Creio que isso nos une como irmãos.
Sempre sentimos a dor, no passado e no presente. Somos latinos e por isso não somos indiferentes à dor.
Necessitamos da ajuda de vocês, que levantem suas vozes pelos 43 desaparecidos, e faremos o mesmo no México por vocês. Não é possível que continuemos fornecendo os mortos, e o governo, as balas. Temos que globalizar a vida e não a morte.
Como apoiar
Um cartaz na rua, um grito, qualquer ato, uma marcha, a voz do povo é o que nos ajuda; denunciar nas mídias sociais, alternativas, são formas de pressionar os governos pelos 43. São os povos e suas organizações que podem nos ajudar. E que também estejam atentos para quando exista repressão em Ayotzinapa e Guerrero.
Respostas do governo mexicano
O governo apenas tem jogado com o sentimento dos pais, dos familiares. Aposta no desgaste do tempo, talvez. Mas temos mostrado que, após 8 meses, não nos desgastamos, seguiremos lutando pelos nossos filhos.
O governo, no início, tentou declarar nossos filhos como mortos. O governo tem nos enganado, por isso já não confiamos neles. Não acreditamos em nenhuma versão que o governo tem dado (…). O mais impressionante é que o governo – que é um narcogoverno – promove tudo isso. Tem nos matado psicologicamente quando tentam entregar nossos filhos dessa maneira, que ficamos sabendo pela televisão aberta.
Peritos argentinos
Os peritos argentinos fizeram exames de DNA e nenhum deles comprovou que os corpos nas valas eram de nossos filhos. Depois o governo disse que nossos filhos foram queimados, e os peritos contestaram, e provaram que os ossos eram de galinhas.
Não temos nenhum indício de que estão mortos, por isso seguimos procurando-os vivos.
Eleições e Autogoverno
Teremos eleições neste domingo agora, dia 7 de junho, e o governo já indica que haverá repressão. Uma das estratégias de luta adotada é a paralisação das eleições. Declaramos o boicote! Fomos às cidades do estado de Guerrero, promovendo o debate sobre autonomia. As pessoas estão dispostas a não votarem e, de maneira autônoma, estão dispostas a tocar conselhos municipais.
Polícia Comunitária
Com a Polícia Comunitária as coisas mudam um pouco, pois a Polícia que vem com a linha do governo é a que pratica caça humana, nunca nos protegeu, ao contrário. E o papel do exército é o de reprimir. Nunca vai haver proteção por essa linha de governo, são uns corruptos.
Outras mensagens
Agradecemos aos coletivos que fizeram o possível para que estejamos aqui. Apesar de não conhecerem os meninos pessoalmente, mas só por cartazes, se solidarizaram. Já estão fazendo muito por eles, obrigado a todos.
Pedimos que continuem difundindo tudo o que se passa em Ayotzinapa, que façam marchas nos dias 26. Vocês sabem o que podem fazer dentro de seus países.
[*] Entrevista realizada pelo Passa Palavra, pela qual agradecemos ao apoio dos coletivos Desinformémonos, Desentorpecendo A Razão (DAR) e Cimarrón (Venezuela).
Nota
[1] A Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos, mais conhecida como Escola Normal Rural de Ayotzinapa, é uma instituição educacional de nível superior para homens, localizada no povoado de Ayotzinapa, no município de Tixtla (Guerrero, México). Faz parte do sistema de escolas normais rurais concebidas como parte de um ambicioso plano de massificação educacional implementado pelo Estado mexicano a partir da década de 1920, quando Moisés Saenz era secretário de Educação Pública. O projeto das escolas rurais normais teve um forte componente de transformação social, que têm sido sementeiras de movimentos sociais. Nesse sentido, a Escola Normal de Ayotzinapa tem importância por ser o local onde se formaram personagens como Lucio Cabañas Barrientos e Genaro Vásquez Rojas, que encabeçaram dois importantes movimentos guerrilheiros no México durante o século XX.
A Escola Normal Rural Isidro Burgos oferece formação para professores de educação primária, de acordo com as normas educacionais vigentes no estado de Guerrero e no México. Segundo o diagnóstico realizado pela Secretaria de Educação do estado de Guerrero, em Ayotzinapa havia 532 estudantes, todos do gênero masculino, atendidos por 39 professores e 6 trabalhadores de apoio técnico. Os estudantes são principalmente filhos de famílias pobres de La Montaña, de Costa Chica e do centro do estado de Guerrero, zonas onde se encontram algumas das localidades com os mais baixos índices de desenvolvimento humano no México, e com uma elevada taxa de analfabetismo.
Fonte: Wikipédia. Traduzido por Passa Palavra.