Por JINHA
Desde a nova onda de ataques do presidente turco Erdoğan contra o Curdistão logo após as eleições de junho, pessoas de todas as idades se juntaram aos esforços para se defender e governar a si próprias na região.
Desde os anos 1990, o Estado turco tem usado táticas de negação, assimilação e aniquilamento na região norte do Curdistão. Ainda que as promessas de paz que o AKP [Partido da Justiça e Desenvolvimento] fez ao chegar ao poder tenham despertado esperanças em muitos, 13 anos depois tais promessas permaneceram no papel.
No dia 7 de junho, os curdos e outras pessoas Turquia afora rejeitaram o AKP em uma histórica eleição. O resultado do pleito arruinou os sonhos de Recep Tayyp Erdoğan de levar o país a um sistema no qual o poder ficaria concentrado no presidente. Agora Erdoğan declarou, na prática, uma guerra pessoal contra os curdos antes das eleições antecipadas, na esperança de começar uma guerra antes das eleições.
No espírito das mulheres das YPJ [Unidades de Defesa das Mulheres, de Rojava] que lutam contra o Estado Islâmico em defesa de sua autonomia, os curdos da região norte declararam autogoverno em uma série de áreas. Entre as cidades e bairros que se declararam em autogoverno, estão Silopi; Cizre; o bairro Batman’s Bağlar; o distrito de Diyarbakır’s Sur; Lice; Silvan; Varto; Bulanık; Yüksekova; Şemdinli; Edremit; o bairro Van’s Hacıbekir; o bairro Gazi, em Istambul; e Doğubeyazit.
A primeira declaração de autogoverno veio da cidade de Silopi no dia 10 de agosto. Silopi não é estranha à violência estatal. Moradores assistiram a assassinatos no meio da rua e vítimas atiradas em barris de ácido durante os anos 1990. Quando o AKP intensificou os ataques ao Curdistão, Silopi foi a primeira a entrar em ação. Em Silopi, a população cavou trincheiras em seus bairros para se prevenir contra a entrada de policiais ou soldados. Foi quando a polícia começou um ataque total.
No dia 7 de agosto, de manhã cedo, policiais abriram fogo no bairro Zap, assassinando Hami Ulaş, de 58 anos, e Mehmet Hıdır Tanboğa, de 17. A polícia metralhou contra casas, deixando seis lares em chamas. O ataque deixou vários feridos, dentre eles crianças.
A polícia começou a prender todos os feridos levados ao hospital. Um morador que fora baleado durante uma tentativa de prisão foi trazido à cidade de Diyarbakı por voluntários de direitos humanos horas depois, e lá o prenderam. Conforme a polícia posicionou snipers no topo dos prédios, moradores fecharam as cortinas para bloquear sua visão (uma famosa tática usada durante a resistência de Kobane em Rojava). Hoje, é difícil encontrar uma casa sem buracos de bala em suas paredes ou janelas.
A cidade de Cizre, também na província de Şırnak, viveu anos de massacres da polícia e soldados. Lá, os moradores se juntaram a Silopi ao declarar autogoverno no dia 10 de agosto. A população de Cizre estava bem preparada para a autodefesa. Na declaração de autogoverno, os moradores afirmam que é somente cavando trincheiras que eles poderão respirar tranquilos outra vez.
A onda de execuções, prisões e torturas do governo de AKP começou uma escalada, trazendo à tona para muitos imagens dos dolorosos anos 1990. No dia 13 de agosto, o distrito de Varto, situado na província de Mus, se juntou às declarações de autogoverno. Em resposta, o Estado declarou, na prática, guerra contra a população local, começando uma onda de prisões e detenções na cidade.
Os confrontos irromperam no dia 15 de agosto, quando as guerrilhas do HPG (ligadas ao PKK, Partido dos Trabalhadores do Curdistão) tomaram controle das entradas e saídas da cidade por todo final de semana. Voluntários armados montaram trincheiras ao logo de todas as principais avenidas de Varto. Com uma investida mirando a base do distrito de polícia e o comando militar, as guerrilhas também garantiram o controle sobre as estradas e vias de acesso à cidade. Os guerrilheiros disseram à polícia e aos soldados que se mantivessem dentro dos prédios por sua própria segurança, deixando-os sem poder sair.
Nas redes sociais, começou a circular uma foto de Kevser Eltürk (nome de guerra Ekin Wan), guerrilheira da YJA Star [União de Mulheres Livres – Estrela], cujo corpo a polícia deixou nu, arrastou pelo chão e fotografou. Protestos contra o tratamento de Ekin Wan se espalharam por todo Curdistão. No dia 17 de agosto, foram encontrados dois cadáveres em Varto. Identificaram ser dos voluntários Andok Ekin e Demhat. A polícia assassinara um e esquartejara outro, de acordo com testemunhas.
Varto rapidamente se tornou em zona de guerra conforme soldados entraram no centro da cidade usando tanques e veículos blindados. Dezenas de construções foram destruídas. Uma delegação liderada por Selma Irmak, co-presidente do Congresso da Sociedade Democrática (DTK), analisou o dano e entrou em contato com locais, mas os oficiais de governo não aceitaram se reunir com ela.
A cidade de Bulanık, também na província de Muş próxima a Varto, declarou o autogoverno no dia 13 de agosto. Membros dos partidos HDP [Partido Democrático do Povo] e DBP, assembleias de bairros e co-prefeitos locais aderiram à declaração. Ali, Zeynep Topçu do Partido das Regiões Democráticas (DBP) falou em nome da Assembleia da Cidade Democrática, dizendo que como representantes eleitos pelo povo de Bulanık, eles iriam governar a si próprios, já que o regime não os representa.
No dia 15 de agosto, aniversário do dia em que o PKK abriu fogo pela primeira vez no levante armado de anos atrás, foi também o dia em que a cidade de Silvan (em curdo, Farqîn), situada na província de Diyarbakır, declarou sua autonomia. A resistência cresceu após a Assembleia Popular de Farqîn decretar o autogoverno. Notavelmente, as mulheres ocuparam um papel de liderança na luta para defender as trincheiras em Silvan.
O distrito de Sur, que é a parte mais antiga da cidade de Diyarbakır, declarou autogoverno no dia 14 de agosto. Com a declaração de autodefesa, a polícia intensificou seus ataques já frequentes na área. O bairro Lalebey se tornou palco de forte violência policial, enquanto jovens tentavam defender a vizinhança nas trincheiras. Oficiais eleitos do HDP e do DBP realizaram uma vigília noite adentro no bairro para evitar confrontos.
O distrito de Lice, na província Diyarbakır, é um lugar onde muitos jovens foram assassinados pelas mãos do Estado nos últimos anos – de Ceylan Önkol, 12 anos, assassinado pela polícia, a Medeni Yıldırım, 18 anos, baleado durante um protesto contra a construção de um nova base policial. Recentemente, homens e mulheres jovens também tomaram as ruas decididos a defender seus bairros de ataques da polícia. Policiais avançaram nas ruas em veículos blindados, abrindo fogo indiscriminadamente nos bairros, ao que os membros da resistência responderam usando pistolas e granadas de luz.
Na cidade de Yüksekova, na província de Hakkari, a resistência se espalhou a partir dos bairros de Orman, Kışla e Dize. Jovens conseguiram fechar totalmente o acesso aos bairros com trincheiras. Moradores formaram unidades de autodefesa para fazer vigílias armadas à noite. A comunidade fez danças tradicionais em torno de fogueiras, cantando músicas para apoiar a vigília. Seguindo Yüksekova, a cidade vizinha de Şemdinli também declarou autogoverno.
Na cidade de Batman, a assembleia do bairro de Bağlar declarou o autogoverno como “uma necessidade urgente contra o Estado e o ataque total do governo do AKP”. A província de Van Oriental viu a autonomia ser declarada no distrito de Edremit, próximo à cidade de Van, onde a Assembleia Democrática do Povo de Edremit declarou a rejeição ao Estado. No bairro de Hacıbekir (em curdo, Xaçort), situado na área central de İpekyolu de Van, a Assembleia Democrática do Povo do bairro também declarou autogoverno.
Declarações de autogoverno e o compromisso com a autodefesa só estão se espalhando. Hoje, distrito de Doğubeyazıt, na província de Ağrı, e o bairro de Gazi, em Istambul, também decidiram pelo autogoverno.
Traduzido do artigo de JINHA publicado em 19 de agosto.