Passa Palavra entrevista o movimento autónomo de professores portugueses
Depois de uma primeira ronda de entrevistas individuais, publicadas em Março e Abril deste ano, e depois de um debate em directo no site passapalavra.info com representantes dos principais movimentos autónomos dos professores e do presidente do maior sindicato de professores português (debate realizado no dia 18/4/2009, cujo registo áudio pode encontrar aqui), pedimos aos movimentos de professores uma reapreciação da luta dos professores no momento actual. Dada a extensão das respostas, decidimos publicá-las sob a forma de entrevista colectiva, e em duas partes. Esta é a segunda parte, com as respostas às quatro perguntas restantes. Veja aqui a primeira parte desta entrevista.
4. Passa Palavra – Falou-se muito, no debate de 18 de Abril, da transposição da luta para as escolas. Há exemplos de realizações concretas em escolas? Pode falar sobre algum desses casos?
Jaime Pinho (do MEP, Movimento pela Escola Pública) – Há uma resistência passiva, uma espécie de greve de zelo às actividades hiper burocráticas. Essa corrente ideológica que está no governo e no Ministério da Educação, que se alimenta de uma espécie de ideologia neoconservadora feroz contra o que chama as “corporações” (as classes trabalhadoras!!) está também ela encurralada. Os seus projectos de perseguição dos profissionais, divisão e privatização revelam-se incapazes de sofrer remendos.
Ilídio Trindade (coordenador do MUP, Mobilizar e Unir Professores) – Numa primeira fase, a luta nas escolas centrou-se essencialmente na recusa da entrega dos objectivos individuais e, agora, na recusa da entrega da ficha de auto-avaliação por parte de muitos professores. Há também casos de lutas no processo de eleições de directores, com tomadas de posição e impugnações por via jurídica.
Os professores e os movimentos entenderam que era necessário radicalizar a luta, nomeadamente através de uma greve por tempo indeterminado. Como os sindicatos não a declararam e os movimentos não têm legalmente essa possibilidade, houve um certo ou talvez aparente “arrefecimento” porque os professores julgaram que pouco se conquistaria apenas com manifestações de rua. Mas a disponibilidade e a determinação mantiveram-se sempre.
Mário Machaqueiro (pela APEDE, Associação de Professores e Educadores em Defesa do Ensino) – Neste momento, pelas razões que referi acima, a luta no interior das escolas encontra-se provisoriamente suspensa – embora haja sinais de que muitos professores se preparam para mostrar o seu repúdio pelo modelo de avaliação através da não entrega da auto-avaliação ou da entrega de relatórios de auto-avaliação alternativos ao do Ministério. Também há indicações de que os professores se preparam para retomar o combate no início do próximo ano lectivo (provavelmente com novas manifestações de rua).
Carmelinda Pereira (da CDEP, Comissão de Defesa da Escola Pública) – A luta só se poderia ter mantido e desenvolvido em cada escola, se houvesse uma perspectiva política que norteasse o conjunto dos professores e educadores. Em vez dessa perspectiva, os dirigentes sindicais deixaram-nos ilhados em cada Agrupamento ou Escola, sujeitos à “disciplina autonómica” dos respectivos directores executivos.
5. Passa Palavra – Que apoios têm os professores dos alunos e dos pais dos alunos? Existe ligação das escolas às comunidades locais em que estão inseridas? Se sim, como se corporiza essa ligação? Se não, considera que a luta dos professores se deixou encerrar em limites corporativos?
Jaime Pinho (MEP) – É o Calcanhar de Aquiles do nosso movimento. Perante a brutalidade do ataque do governo tem sido difícil poder e conseguir olhar para os aliados naturais: estudantes, famílias, sociedade em geral.
Ilídio Trindade (MUP) – Pais e alunos têm vindo, progressivamente, a estar solidários com os professores porque começaram a perceber que a razão lhes assiste. Foi muito difícil lutar contra a intoxicação da opinião pública trabalhada pelos responsáveis governamentais, nomeadamente com a ideia “diabólica” de que os professores eram uma cambada de incompetentes, preguiçosos e privilegiados que não queriam ser avaliados.
Pelo sentido responsável e ético dos professores, que conseguiram, com muito sacrifício, manter uma luta desgastante preservando os alunos e minimizando o seu impacto nas aprendizagens do dia-a-dia, e pelo progressivo esclarecimento feito junto dos pais e alunos, no sentido de perceberem que a degradação do ensino-aprendizagem e da escola pública eram resultado da operacionalização das políticas introduzidas, estes foram percebendo que a luta dos professores, embora contendo também aspectos corporativos, era essencialmente uma luta pela qualidade do ensino, em que a motivação, a desburocratização do trabalho e o sucesso real dos alunos é fundamental.
Mário Machaqueiro (APEDE) – A articulação da luta dos professores com a restante «sociedade civil», e com os encarregados de educação em particular, está ainda por fazer e, nalguns casos isolados, foi apenas esboçada. Infelizmente, mantém-se a tendência para que cada corpo profissional se centre demasiado nos seus problemas e tenha dificuldade em fazer passar a mensagem de que a sua luta não é apenas corporativa. Esse “autismo” seria parcialmente superado se os diferentes sectores profissionais que mais afectados têm sido pelas políticas deste governo unissem esforços e desenvolvessem lutas comuns. Há todo um trabalho a fazer nesse campo, um trabalho que, idealmente, deveria ser até transnacional, pois os problemas que nos afectam não são exclusivos de Portugal e atravessam boa parte dos países europeus.
Carmelinda Pereira (CDEP) – Houve, em várias Assembleias do Poder Local, moções de apoio à luta dos professores. Citemos o caso da Escola de Santo Onofre, nas Caldas da Rainha, na qual a própria vereação da autarquia participou na mobilização em conjunto com a FENPROF, com outros Conselhos Executivos e “Movimentos”, na defesa do Conselho Executivo arbitrariamente demitido pelo ME.
A direcção da Associação de Pais da escola-sede do Agrupamento de Miraflores/Oeiras, cuja Presidente é membro da CDEP, tomou sempre posições inequívocas ao lado da luta dos professores, recusando inclusive nomear ou ser nomeada para o Conselho Geral transitório, não querendo assim contribuir para a “eleição” da nova figura de gestão, por considerar que tal atitude seria caucionar uma farsa aviltante da democracia nas escolas. Quantos dos actuais representantes, nos Conselhos Gerais, dos pais e encarregados foram realmente eleitos democraticamente, como aliás indicava a nova Lei da gestão escolar?
Esta atitude valeu a esta direcção de Associação de Pais o afastamento, mediante um processo iniciado numa assembleia selvagem tomada de assalto pela própria presidente do Conselho Executivo e por um grupo de pais não associados, que votaram a seu bel-prazer, desrespeitando todas as normas democráticas de uma assembleia. Esta senhora tornou-se entretanto Directora, apoiada pela nova direcção da Associação de Pais, e na referida escola deixou, pura e simplesmente, de haver assembleias. Como se terá passado todo este processo noutras escolas?
Não considero que a luta dos professores se tenha deixado encerrar. As coisas são o que são. Se não houve a capacidade para impulsionar uma dinâmica mais forte, dentro das organizações sindicais, geradora de uma perspectiva unificadora da luta dos professores e restantes trabalhadores da Função Pública pelo vínculo público é necessário analisar também as perspectivas que não canalizaram os professores mais disponíveis para agir para dentro das organizações sindicais, preferindo situar-se em “movimentos autónomos”. Por isso, como membro da CDEP, onde existem também outras opiniões, considero que o problema que está colocado é o de ajudar a criar condições para que os professores, os pais e os outros trabalhadores consigam impor a unificação do seu movimento, que leve à constituição de um Governo saído das forças políticas que se reclamam da defesa dos trabalhadores e do socialismo – um Governo que proíba os despedimentos e responda positivamente à luta dos professores: uma só carreira, uma avaliação justa, objectiva e sem quotas, o restabelecimento da democracia nas escolas.
6. Passa Palavra – O passapalavra.info tem publicado numerosos artigos, quase todos de professores e estudantes brasileiros, de reflexão sobre a natureza do sistema educativo universitário e secundário, seus limites e contradições, e sobre as lutas que se desenvolvem no seu seio. Tem lido esses artigos? Se sim, que contributos lhe trouxeram para a sua reflexão pessoal? Se não, em que espectro de ideias, em que círculos de debate vai fazendo a sua reflexão acerca do objecto da sua militância?
Jaime Pinho (MEP) – Não. O meu círculo de debates gira em torno do Movimento Escola Pública e seu blog; na escola também como delegado sindical.
Ilídio Trindade (MUP) – Tenho lido alguns, mas infelizmente menos do que os que gostaria, pois o trabalho de dinamização do MUP, acumulado com o trabalho e desempenho profissional, não me dá tal possibilidade.
Em termos gerais, o seu grande contributo tem sido a possibilidade que me têm dado de perceber melhor que a “problemática da educação” é global, na sua vertente teórico-prática, na sua reformulação e nas lutas que suportam a introdução de novas políticas ou a abolição do que é o resultado de mera “intelectualidades” que pouco sabem da prática no terreno.
Mário Machaqueiro (APEDE) – Tenho de confessar que não sou frequentador assíduo do Passa Palavra. A formação das minhas opiniões e posições em matéria educativa e no que respeita à luta política dos professores passa, essencialmente, pelo diálogo intenso com amigos e colegas de profissão e pela leitura diária de diversos blogues dedicados a essas temáticas.
Carmelinda Pereira (CDEP) – Não tenho organizado o meu tempo para conseguir ler, de forma atenta e assídua, o conteúdo do “Passa palavra”.
O meu círculo de debate tem-se situado no seio da Comissão Nacional pela Ruptura com a União Europeia, na batalha política para exigir ao Governo a proibição dos despedimentos, e na organização partidária a que pertenço: o POUS – IVª Internacional.
7. Passa Palavra – Na sua opinião, o que pode fazer o passapalavra.info para contribuir para o reforço da vossa luta? Novos debates em directo, como o que fizemos em Abril? Abrir um espaço de discussão através de dossiês temáticos?
Jaime Pinho (MEP) – O debate em directo é mais fácil e igualmente potenciador. De qualquer modo todas as formas são úteis.
Ilídio Trindade (MUP) – Além do meritório trabalho que tem feito, é de enaltecer a vontade do Passa Palavra em contribuir positivamente para o reforço da luta dos professores, que é uma luta que extravaza o corporativismo e que se tornou numa luta com sentido político por incorporar os valores democráticos e de liberdade que quer defender, face à prepotência do poder político.
O debate em Abril foi interessante e um importante contributo provindo de uma “estrutura” sem conotações docentes.
Embora os dossiês temáticos possam ser bons instrumentos de discussão, a sua valia pode ficar diminuída tendo em conta o número de espaços já existentes na internet, pelo que debates em directo, mais interactivos e dinâmicos, me parecem iniciativas mais proveitosas, desde que bem publicitadas.
Mário Machaqueiro (APEDE) – A intervenção do Passa Palavra no domínio do combate dos professores pode assentar nas várias modalidades referidas na vossa pergunta. Julgo, no entanto, que a vossa plataforma na Net não pode ignorar esse espaço, extremamente agitado e fecundo, que é hoje a blogosfera portuguesa dedicada aos assuntos educativos e à luta dos professores. Aparecer aí, intervir nas caixas de comentários, chamar a atenção para a vossa existência e para os vossos contributos, parece-me fundamental. De resto, a comparação e a articulação com exemplos que vêm do Brasil, como vocês fazem, é igualmente frutuosa e contribui também para retirar os professores portugueses de uma concentração excessiva nos problemas do nosso burgo, a fim de adquirir a tal perspectiva internacional que nos falta.
Carmelinda Pereira (CDEP) – Considero muito positivo a organização dos debates em directo e parece-me que impulsionar acções que ajudem a pôr de pé uma Conferência Nacional em Defesa da Escola Pública seria prestar um excelente serviço à Escola Pública e à Democracia.
É confrangedor verificar a indigência política da generalidade das respostas a esta entrevista, incluindo as que estão na primeira parte publicada.
Contrariamente aos inúmeros artigos publicados a partir do Brasil, que questionam o sistema de ensino e o próprio papel dos professores e que relatam experiências inovadoras e anticapitalistas nesse campo, assusta ver os supostos dirigentes de um movimento que mobilizou dois terços dessa classe profissional completamente alheados de tudo o que não sejam os interesses corporativos do professorado.
Não admira que a luta esteja, agora, totalmente hipotecada ao calendário eleitoral, nem admira que os sindicatos burocráticos tenham – como sempre tiveram – toda a margem para negociar com o poder as vantagens de carreira sem pôr em causa um sistema configurado à medida das necessidades do aparelho produtivo capitalista.
Radicalidade: zero. Autocrítica e autoquestionamento: zero. Abertura para as experiências e lutas em outros países, incluindo o Brasil: zero.
Uma amostra da apatia e do atraso em que se encontram os trabalhadores portugueses, incluindo a classe operária.
De toda esta série de artigos e declarações, ficam algumas afirmações de Sérgio Niza na mesa-redonda que o vosso site organizou em Abril, e um artigo – que bem merece ser lembrado – assinado por Pedro Branco na mesma altura.
“Que caminho tão longo, que deserto tão comprido!”
Carlos Monteiro.