As demissões da repórter do Portal IG e a editora após a denuncia de assédio sofrido durante entrevista tem gerado uma mobilização que pouco se vê na classe. Por Jornalista
A demissão da jornalista do Portal IG duas semanas após denunciar o assédio sofrido durante entrevista com o cantor Biel, seguida da demissão da editora que publicou a denúncia, tem gerado uma repercussão que há muito tempo não se via entre os jornalistas, uma classe que tem fama de não se reconhecer como classe. Em entrevista ao jornal Brasil Post, uma das idealizadoras da campanha “Jornalismo sem assédio” comenta que “A gente divulga muito o que acontece em outras categorias, mas a nossa fica em segundo plano”.
O estopim para a campanha veio com um caso de abuso sexual, algo frequente durante o exercício profissional, mas “Jornalistas contra o assédio” não se restringe a uma modalidade, como fica claro no vídeo de divulgação da campanha. A opção por não limitar o tipo de assédio se faz importante em uma época de “rankeamento” da dor. Assédio é assédio. Nenhum pode ser tolerado. Ainda no início do mês a revista Imprensa já havia lançado uma campanha semelhante com o mote “Sem assédio na Imprensa”, com o intuito de reunir relatos de mulheres e homens de assédio moral e sexual no trabalho.
Mobilizações como esta tão raras por parte de uma categoria que vive uma onda de enxugamentos das redações (os temidos “passaralhos”), milhares de horas extras não pagas, em que a grosseria é vista como uma solução para acalmar os egos (ou seria para reafirmá-los?), parecem uma luz no fim do túnel. Há muito tempo já batemos no fundo do poço. Se as reclamações nos bares — nosso esporte favorito — enchesse manifestação e atos contra as arbitrariedades das empresas, muita coisa teria sido evitada.
Por outro lado, diante de tanta idealização, vale lembrar que os jornalistas são uma categoria como qualquer outra. Que teme a demissão, teme se manifestar, teme ficar marcado e nunca mais ser chamado para um emprego. Uma categoria que tem que cumprir metas, especialmente as de audiência. Que monta um texto como o metalúrgico monta uma peça, em série, com receita pronta, ou como um bancário que oferece um empréstimo sem avisar das letras miúdas para bater a meta de vendas. Do lado dos muitos idealistas, fica feliz em conseguir sair da redação para fazer a pauta e ver mantida aquela linha a mais, como denúncia dos absurdos cotidianos. Feliz por ter conseguido dar aquela matéria, mas que ninguém leu ou não ganhou destaque, mas isso não é suficiente para ser distinguido como trabalhador dos patrões.
A capacidade da campanha contra o assédio em unir tantos jornalistas de diferentes veículos e várias regiões é algo realmente animador. Vale nomear aqui também algumas outras manifestações recentes que fazem crer que a mobilização tende a aumentar. Uma das mais emblemáticas foi a dos jornalistas da Caros Amigos (ver aqui). Um ano depois houve a greve dos jornalistas do Diário do Pará. Também no fim de 2014, uma carta de insatisfações informalmente posta em circulação devido a insatisfações no UOL, levou a uma série de efetivações com contrato CLT. Algo cada vez mais raro em um país próximo a aprovar a lei de terceirizações. Mais recentemente houve paralisações no jornal Estado de Minas, no Correio Braziliense, nos jornais fluminenses “O Dia” e “Meia Hora”. Sem esquecer do repórter que conseguiu ver publicado “Chupa Folha”, formado pelas iniciais no último obituário que escreveu para o jornal e lavou a alma de muita gente.