Havia uma grande quantidade de energia entre os trabalhadores e outros apoiadores, e parecia que as pessoas estavam prontas para usar táticas mais intensas, mas em vez disso nós mantivemos as coisas num nível mais simbólico. Por Shallah Baso

Há nos Estados Unidos uma polêmica envolvendo a recente conquista dos trabalhadores de fast food, que no decorrer de alguns anos passarão a receber um salário de 15 dólares por hora. A campanha Fight for $15 (Lute pelos US$15) se desenvolve naquele país já há alguns anos e tem resultado em lutas e reflexões interessantes a respeito do papel dos Sindicatos nas lutas dos trabalhadores. As notícias da luta de classes nos EUA raramente chegam ao Brasil a ponto de influenciar os debates e as lutas travadas por aqui, por isso o Passa Palavra organizou a série de artigos Fight for $15 e a Mcdonaldização dos sindicatos nos EUA a fim de termos um primeiro contato com o debate e as lutas estadunidenses mais recentes.

Informe sobre o Fight for $15

Informe da Communist League of Tampa (escrito por Shallah Baso) sobre a manifestação de Fight for $15 em Tampa (Florida/EUA) no dia 15 de abril de 2015, que reproduzimos por seu valor como um testemunho de primeira mão sobre uma luta que tentamos seguir de perto.

Um grupo da Communist League of Tampa participou recentemente da manifestação convocada em Tampa pelo Fight for $15 durante a jornada de luta do 15 de Abril (“Fight 4 15”). Eles disseram que cerca de mil pessoas compareceram (o que para mim é um exagero). Pensando em como os eventos têm se desenvolvido, não só aqui, mas nacionalmente, gostaria de fazer um pequeno informe sobre o 15 de Abril e colocar para os meus camaradas algumas das minhas reflexões sobre o assunto.

A Convocatória:

tampa04Cheguei ao parque um pouco tarde, quando eles estavam organizando uma refeição popular junto a um palanque de onde falavam os oradores. De vez em quando, enquanto conversávamos com os amigos, a gente dava uma volta para ouvir os trabalhadores, que contavam como vivem com baixos salários, ou os líderes religiosos, para quem os baixos salários são uma injustiça. Aparentemente, falaram também o prefeito Bob Buckhorn e um vereador da cidade, lembrando o povo de votar. Havia muitos grupos lá em cima, e incluindo um dos nossos companheiros da CLT (Communist League of Tampa) outros camaradas também subiram para falar. Eu não conhecia a maioria das pessoas que estavam lá, o que me agradou, porque é muito decepcionante quando você vai a eventos em que você vê e reconhece sempre as mesmas figurinhas. Muitos pareciam ser trabalhadores, porque vestiam camisetas ou mostravam outros sinais que indicavam sua filiação sindical ou a empresa onde trabalhavam (eu não sei dizer quantos eram trabalhadores de fast food, mas eu diria que era uma quantia razoável).

Quando os discursos terminaram, começamos a marchar da calçada para o meio da rua (a CLT marchou em bloco, mas eu fiquei com alguns trabalhadores que conhecia). Estávamos numa espécie de protesto desanimado, diferente de outros em que eu estivera, onde os gritos de guerra eram mais organizados e havia mais entusiasmo. No entanto, as pessoas entoavam em coro coisas como “O que nós queremos? $15! Quando queremos? Agora!”. À medida que cruzávamos a rua, vi um grupo de pessoas, creio que da Bay Area Activist Coalition, que bloqueava a rua formando um cordão que impedia o tráfego fluísse para o oeste. Já havia escutado algo sobre isso, por isso não me chamou muito a atenção, embora tenha pensado que a polícia não demoraria em intervir. Assim que viramos a esquina, passei a ter muitas dúvidas sobre as intenções dos organizadores da manifestação. Comecei a andar pela rua, seguindo a outros que estavam a poucos metros de mim, mas alguns (eu não saberia dizer se eram organizadores ou não) começaram a nos fazer gestos para que subíssemos para a calçada. Muitos dos manifestantes voltaram para a calçada, mas outros ficaram na rua, o que causou um pouco de desconcerto. Aqueles que haviam bloqueado a rua não se preveniram contra o movimento do tráfego no sentido leste, de modo que quase metade da manifestação foi separada da frente do ato.

Em um dado momento, seja porque os organizadores mudaram de ideia ou porque assumiram a atitude das pessoas e se colocaram no seu devido lugar, quase todos foram para a rua. Seguimos nos manifestando, com um McDonald’s à vista como o objetivo final. As pessoas começaram a cantar “US$15 e um sindicato!”, “Se não nos derem, vamos fechar!”. Alguns acharam que isso significava que íamos “fechar” o McDonald’s, seja bloqueando a rua, impedindo a passagem, ou inclusive ocupando o restaurante. Mas em vez disso, saímos da rua e entoamos gritos de guerra a cerca de seis sujeitos com pinta de gerentes (não usavam o uniforme do McDonald’s, como se poderia esperar dos chefes, vestiam camisa branca e calças pretas) que estavam lá dentro.

Ficamos assim por um tempo, até que um grupo de organizadores do Fight for $15 nos chamou para uma rua adjacente ao McDonald’s. Fez-se uma performance, as pessoas se atiraram ao chão durante quatro minutos e meio (referindo-se aos quatro minutos e meio em que esteve estendido numa rua de Ferguson o cadáver de Michael Brown, antes que o legista o recolhesse). Alguns membros da organização Fight for $15 e alguns sindicalistas discursaram até que finalmente o ato se dispersou e cada um se dirigiu para o seu respectivo carro ou ponto de ônibus.

Reflexões

Várias coisas me vieram à mente enquanto o ato estava acontecendo, e depois quando eu pude pensar melhor sobre o assunto. Quero deixar claro desde o início que nenhuma das minhas críticas é um ataque pessoal a qualquer dos participantes, mas quero sinceramente levantar questões sobre a marcha.

Primeiro, a polícia se comportou o tempo todo de modo incrivelmente pacífico. A ocupação da rua havia sido planejada anteriormente (em uma conversa que assisti alguns organizadores do Fight for $15 haviam mencionado isso para os presentes), mas ao longo de nossa caminhada pela estrada a polícia ficou atrás de nós e parou o tráfego. Ainda não está claro por que eles agiram assim. Eu não acredito que tínhamos permissão para isso, e deve ter sido bem estranho para alguns manifestantes que formaram um cordão humano para bloquear o trânsito ver que a polícia estava ajudando o tempo todo. Mas se não era permitido, era esquisito que a polícia estivesse tão passiva e até mesmo “colaborando” conosco no bloqueio do tráfego.

Minha teoria é que a administração do McDonald’s já tinha falado com a polícia antes, pedindo-lhes para deixar as ruas bloqueadas a fim de evitar as prisões que haviam recheado os meios de comunicação durante os dias anteriores ao evento. Outra possibilidade é que o Departamento de Polícia de Tampa simplesmente subestimou a chamada e não estava suficientemente preparado. Em todo o caso, penso que tanto a polícia como os gestores do McDonald’s tinham uma noção de como decorreria a manifestação, dados os atos precedentes em Tampa e por todo o país.

Em segundo lugar, saí com a sensação de que a manifestação teve uma organização débil e confusa. O aspecto confuso, para mim, está no que eu chamaria de “falta de clareza de análise ao nível da rua”. Por “clareza de análise” quero dizer que, durante uma campanha deve-se saber quem somos, quem combatemos, e como conseguiremos a vitória. Esta última pode ser mais incerta em relação ao que vai funcionar ou não, mas deve-se ter algo concreto em que se concentrar. Por maior clareza de análise a “nível da rua” quero dizer que se nós soubermos tudo isso antes estaremos aptos a responder de forma rápida a uma mudança de situação.

Em comparação, as manifestações em que estive com a Coalizão de Trabalhadores de Immokalee deixaram claro que nossos aliados seguiam a direção do CIW (Coalizão de Trabalhadores de Immokalee), que estávamos lutando contra empresas como a Wendy e Publix a fim de alcançar um acordo direto entre eles e o CIW, e que para alcançar isso iríamos marchar e fazer piquetes. Nós sabemos que isso não vai chegar à escala da desobediência civil, ocupações, etc., e para mim isso não é um problema, uma vez que o propósito da manifestação é ganhar certas reivindicações colocando um conjunto de táticas em prática. Estava claro qual era o destino da marcha, e dispúnhamos de coisas básicas como cordões de segurança nas laterais para que os manifestantes caminhem de dois em dois ou de três em três, para evitar a aglomeração ou que se descambe para o meio da rua.

tampa01Infelizmente, nem a marcha e nem os organizadores deixaram claro quem estava conduzindo, para onde estávamos indo, que tipo de táticas poderiam ser usadas e mesmo contra quem nós estávamos protestando. Os que chamavam os gritos de guerra nos megafones pareciam muito inexperientes para manter a batida e o ritmo, e o pessoal das laterais não tinha certeza do que estávamos fazendo e quando estávamos correndo risco de prisão ou não. Mesmo quando marchamos para o McDonald’s as demandas da campanha se deslocaram de “queremos que o McDonald’s e outras empresas de fast food nos deem US$15 por hora e o direito de nos organizar” para coisas tão vagas que pareciam dirigidas contra o Congresso, a legislação estadual da Flórida ou a câmara de vereadores de Tampa. Parecia mais que se queria “contar para o mundo” o que queremos, em vez de uma demanda concreta a partir da qual poderíamos obter resultados mensuráveis ao longo do tempo.

Em terceiro lugar, e algo que parece paradoxal, dado o exposto, a marcha parecia cuidadosamente preparada enquanto espetáculo midiático. Aqui eu pego emprestada a análise de Adam Weaver, quando ele chama o Fight for $15 de “marcha para mídia” em vez de “marcha para os patrões”, e considera-o uma forma de “lobismo militante”. Havia uma grande quantidade de energia entre os trabalhadores e outros apoiadores, e parecia que as pessoas estavam prontas para usar táticas mais intensas, mas em vez disso nós mantivemos as coisas num nível mais simbólico. Acho que foi assim por causa dos organizadores, que usaram esta militância e energia para dar para a mídia uma aparência de força real.

Nos círculos anarco-sindicalistas (em algumas conversas no IWW), o pessoal muitas vezes fala sobre as diferenças entre o “sindicalismo de negócio” (sindicalismo empresarial, construído de cima para baixo, uma concepção da organização como “provedora de serviços”, onde burocratas sindicais controlam a negociação coletiva dos contratos com os chefes e emerge uma breve militância dos trabalhadores durante a vigência do contrato) e o “sindicalismo de solidariedade” (construído de baixo para cima, o conceito de “você é o sindicato”, um sindicalismo que se baseia na ação direta e no controle direto da luta pelos trabalhadores). Fight for $15, um projeto do SEIU – Service Employees International Union (Sindicato Internacional dos empregados dos serviços), parece diretamente alinhado com a primeira tendência. Depois dos eventos destes dias eu tive a sensação de que não eram os trabalhadores que estavam controlando o que acontecia, porque na melhor das hipóteses eles não poderiam se desviar da linha do sindicato. Os dirigentes do Fight for $15 estavam brincando de polícia para os chefes do sindicato e garantindo que não nos desviaríamos da imagem que o SEIU queria mostrar na mídia.

Em quarto lugar, eu vi um monte do que vou chamar de “apropriação simbólica das táticas e retóricas do movimento militante”. Por exemplo, a frase “acabar com tudo isso” (shut it down) foi muito repetida, enquanto que o máximo que fizemos foi segurar o tráfego por alguns minutos antes que, de todo modo, a própria polícia começasse a nos ajudar com isso. Nós inclusive fizemos um “tombei morto” (die in) em uma rua lateral, onde era improvável que a polícia nos prendesse, e não em um cruzamento movimentado. Além disso a performance foi confusa, já que o die in é uma tática que vem diretamente do movimento Black Lives Matter, então presumi que iríamos distribuir algum tipo de panfleto mostrando solidariedade e convergência das lutas. Em vez disso, os organizadores nos pediram para que tombássemos por 4 minutos e meio e refletíssemos sobre as diferentes lutas que vem sendo travadas pelos trabalhadores. Isso até fez algum sentido, mas havia algo de dissimulado sobre o modo como esse simbolismo poderia nos levar a qualquer lugar.

Anteriormente, ao longo de suas campanhas, o Fight for $15 (e a campanha irmã OUR WalMart, apoiada pela UFCW) por muito tempo usou o termo “greve” para se referir a um dia de paralisação dos trabalhadores. Isso soava um pouco chocante quando você notava que às vezes havia apenas alguns trabalhadores entre dezenas de cidadãos que estavam apoiando. Em uma das ações da OUR WalMart em que fui, nenhum trabalhador da loja se juntou ao piquete, e os trabalhadores presentes eram todos funcionários da WalMart que haviam sido demitidos e estavam em turnê acompanhados por ativistas e organizadores. Este tipo de organização dos trabalhadores sempre soa para mim como algo cínico e indefensável, usar trabalhadores para transmitir a sua mensagem e descrever algo que dificilmente era uma “greve” no sentido de que os trabalhadores daquela loja estavam colocando uma pressão real sobre o empregador. Em vez disso, como Weaver escreve, trata-se de um “lobbying (pressão) sobre o mesmo sistema político entrincheirado de sempre, apelando para mudanças a partir de cima”, enquanto usam a linguagem dos movimentos radicais de trabalhadores, que tem que “acabar com tudo” pela recusa ao trabalho, sabotagem das máquinas e da produção, etc. Acima de tudo, me parece um entrave usar essas frases afastadas das táticas que elas realmente presentam, porque isso obscurece nossas ideias sobre o que pode ser realmente útil para desafiar as condições que destroem a vida das pessoas.

Conclusões

Estou grato à Communist League of Tampa por ter participado deste evento, mas ele confirmou as suspeitas que eu já tinha sobre o caminho organizativo do Fight for $15. Eu acho que precisamos de um movimento de trabalhadores onde são os trabalhadores que tomam as rédeas, e não acho que o SEIU pode ou irá oferecer isso. Como um trabalhador de fast food do meu tipo, talvez precisemos ter nossa própria organização, em Tampa Bay, uma que represente nossos interesses e seja conduzida pelos próprios trabalhadores de Tampa. Nós só podemos obter isso mediante um cuidadoso planejamento, organização, e seguindo adiante. Por agora, nós da Communist League of Tampa continuaremos observando o que está acontecendo e refletindo sobre nossas próprias experiências como trabalhadores e comunistas dedicados à derrubada da ordem existente.

Tradução de Pablo Polese a partir do Fight for 15 Reportback.

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