Trabalhadores relatam impacto da austeridade no chão do HMDI, gerido por uma fundação terceirizada. Conversa entre trabalhadores do Hospital da Mulher e o Passa Palavra

O Hospital da Mulher e Maternidade Dona Iris (HMDI) é referência em atendimento humanizado, e atende mulheres e recém-nascidos de todo o país. Desde o começo do ano passado, o hospital possui o título de Hospital Amigo da Criança, reconhecido, pelos trabalhos relacionados ao aleitamento materno, pelo Ministério da Saúde e pelo UNICEF. Apesar do reconhecimento pelos serviços prestados, e com índice de aprovação de 90% dos pacientes, trabalhadores e pacientes do HMDI vêm sofrendo, desde o ano passado, com uma série de cortes de gastos, por parte da fundação que administra o hospital, a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas da UFG (FUNDAHC). Conversamos com alguns trabalhadores do hospital.

Em dezembro do ano passado, uma das alas do HMDI foi fechada, porque o hospital, segundo o diretor da unidade, não recebeu o repasse da Secretaria Municipal de Saúde. Pessoas que trabalhavam nessa ala foram transferidas, e o horário de visita foi reduzido, de três para duas horas. Além disso, a quantidade de exames realizados foi, também, reduzida.

Em fevereiro do mesmo ano, a Maternidade Marlene Teixeira, em Aparecida de Goiânia, fechou para reforma, e os atendimentos de urgência e emergência foram transferidos para o HMDI, que passou a sofrer superlotação (como vemos aqui). Nessa época, a prefeitura de Aparecida cedeu profissionais de enfermagem, médicos e assistentes administrativos para o HMDI. De acordo com uma trabalhadora com quem falamos, quando o atendimento foi normalizado na Maternidade Marlene Teixeira, os funcionários de Aparecida foram retransferidos:

E a gente ficou sem esses funcionários… Tinham 6 recepcionistas de lá… E a FUNDAHC não contratou ninguém pra substituir. Por isso que justificaram a redução do horário de visita, porque agora tem menos gente atendendo.

E, sobre a redução da quantidade de exames, a mesma trabalhadora nos disse que:

Reduziram alguns exames na emergência. Exames que podem ser feitos na rede básica, por exemplo. Só estão fazendo o que for necessário, pra emergência mesmo. Tem gente que vai na emergência fazer beta [HCG], por exemplo. Se a rede básica funcionasse, a emergência não estaria lotada.

Segundo o diretor da FUNDAHC, que também administra a Maternidade Nascer Cidadão, em Goiânia, a prefeitura está devendo 15 milhões de reais à fundação.

Os atrasos também têm impactado no atendimento, em outras unidades de saúde, aos servidores públicos municipais, usuários do Instituto de Assistência à Saúde e Social dos Servidores Municipais (IMAS), o instituto de assistência médica e social da prefeitura. A imprensa da capital denunciou, recentemente, por exemplo, que usuários do IMAS têm tido atendimento negado no Hospital Araújo Jorge, que trata pacientes com câncer, sob a justificativa de sete meses de atrasos nos repasses da prefeitura.

Agora, os trabalhadores do HMDI têm sofrido com pagamentos atrasados. Sobre isso, eles nos relataram o seguinte:

Os atrasos começaram em novembro de 2016. Porém não recebemos o aumento anual em maio de 2016, que é nossa data base. Nosso último aumento foi em 2015. A justificativa da FUNDAHC é que não está havendo repasse da Secretaria de Saúde e, quando há, é com atraso e valor menor do que costumava ser repassado. Há uma dívida de mais de 15 milhões da prefeitura com a FUNDAHC. Não recebemos ainda o nosso salário de janeiro e nem o vale alimentação.

Além dos salários atrasados, o HMDI está sofrendo cortes de pessoal e de recursos materiais:

No começo do ano passado teve um grande corte de pessoal. Mandaram embora muita gente do setor administrativo, cortaram algumas coordenações. Não houve reposição de profissionais desde então. A partir de novembro começaram a cortar recursos materiais, tais como: papel toalha, papel higiênico, sabonete. Em seguida, tomaram-se algumas medidas para reduzir custos e não ser preciso contratar novo pessoal como: diminuição do horário de visita (porque há poucos atendentes na recepção para essa função), corte das refeições dos acompanhantes dos pacientes internados, fechamento de 24 leitos de internação, redução da realização de exames na emergência. Houve conversas de corredor de que alguns serviços serão inativados, especialmente aqueles que podem ser realizados na atenção básica, como os serviços ambulatoriais. Porém, não foi nada anunciado ainda pela diretoria.

Os trabalhadores também falaram sobre o público atendido pelo hospital, e o impacto dos cortes no atendimento:

O público que atendemos é paciente do SUS. Como o SUS é universal, a emergência é porta aberta. Então atendemos pacientes de Goiânia, interior e outros estados (Maranhão, Tocantins…). Nosso público é exclusivamente feminino e bebês, muitas adolescentes, mulheres em situação de vulnerabilidade social, moradoras de rua, usuárias de álcool e outras drogas.

Toda mulher durante o pré-natal, trabalho de parto e pós-parto tem direito a uma acompanhante e isso é garantido por lei (Lei nº 11.108). Além disso, também há o respaldo do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] e do Estatuto do Idoso para garantia de acompanhante de adolescentes, idosos e deficientes. Porém, nem todo hospital cumpre esses normas. Aqui na maternidade, todo paciente tem direito a um acompanhante, de livre escolha da mulher. O que diretamente impactou no atendimento aos pacientes e acompanhantes foi o corte das refeições dos acompanhantes. Muitos vêm do interior, não têm condição financeira. Outro dia tinha uma acompanhante que estava há 2 dias sem comer nada. Apenas tomava água e beliscava um pouco da comida da paciente porque não tinha dinheiro para comer. Quando esses casos chegam aos ouvidos do Serviço Social ou da Nutrição, elas intervêm, solicitando autorização da direção para liberar as refeições. Mas são exceções. Esses cortes afetam a equipe, que trabalha sob estresse, que pode ser mandada embora a qualquer momento. É uma equipe vulnerável e isso afeta o trabalho desempenhado.

Os atrasos e cortes começaram no ano passado, durante o mandato do prefeito Paulo Garcia (PT), mas o problema persiste agora, sob o mandato do novo prefeito, Iris Rezende (PMDB). Perguntamos se os trabalhadores têm pressionado a prefeitura, de alguma forma, tanto durante o governo anterior quanto durante o governo atual, e se estão pressionando, também, a fundação que administra o hospital:

Houve paralisações no ano passado apenas dos servidores públicos municipais. Aqui já houve conversa dos trabalhadores sobre alguma paralisação e/ou greve. Isso chegou nos ouvidos da diretoria administrativa que informou que, caso isso ocorra, o salário será cortado. Se há alguma pressão da FUNDAHC com a secretaria de saúde, nós não estamos sabendo.

Acho que a maior pressão seria com uma paralisação, greve, divulgar toda essa situação na mídia. Mas as pessoas estão bem paralisadas. Há um desânimo geral no hospital, medo de demissão, estresse pela falta de pagamento, contas atrasadas. Tem gente que não tem mais comida em casa e não tem dinheiro para comprar. Foi criado um grupo de trabalhadores que tentaram organizar uma paralisação, se filiar em outro sindicato (Sindicato dos Trabalhadores da Saúde – STS) porque nosso sindicato (Sindicato dos Empregados em Fundações Privadas – SEFPRIG) é pelego. Mas ficou só na fala… falta organização, mobilização. As pessoas têm medo de se mobilizar e perder o emprego.

Questionamos se os atrasos e cortes têm atingido profissionais de diferentes categorias (médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, etc.) da mesma forma, e de que modo as diferentes categorias têm reagido a essa situação:

Os trabalhadores que são contratados (que não são celetistas), especialmente médicos, não vêm trabalhar se não receberem. Vários atendimentos já foram cancelados porque o médico não veio trabalhar por não ter recebido.

E, quando perguntamos se os atrasos e cortes têm ocorrido, também, em outras unidades administradas pela FUNDAHC, nos responderam:

Os atrasos e cortes têm ocorrido em todas essas instituições também.

Sobre a posição do sindicato, o SEFPRIG, os trabalhadores nos relataram o seguinte:

Houve uma única mobilização do sindicato para fazer uma reunião no começo de janeiro, porém eles mesmos cancelaram. Faz muitos meses que o sindicato nem aparece aqui na maternidade. Se o sindicato tem feito alguma mobilização com a fundação, nós também não estamos sabendo. Há um porém. Nenhum trabalhador do HMDI é filiado a esse sindicato e o presidente do sindicato justificou o descaso com nossa situação com base nisso.

Segundo os trabalhadores, por fim, a situação tem sido abafada:

Os cortes e atrasos estão bem abafados pela mídia. Acho que os pacientes e a população em geral nem estão sabendo das coisas que estão acontecendo.

Segundo umas das trabalhadoras com quem conversamos, porém, a perspectiva, no futuro imediato, é de deflagração de greve:

Hoje [09/02] teve uma assembléia, com a presença do sindicato dos médicos e enfermeiros. Os médicos estão de greve a partir da meia noite de hoje e os enfermeiros também vão entrar. Mas o SEFPRIG nem apareceu nessa assembléia. Há uma conversa com o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde (STS) para que eles possam nos representar, já que o nosso sindicato não nos representa.

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