Tradução da entrevista a Tomás Eliaschev, trabalhador da imprensa e delegado sindical. Por Primo Jonas e Comissão de Audiovisuais da UBA
No dia 16 de Janeiro deste ano, a comissão de delegados da gráfica AGR-Clarín, que imprime as principais revistas do grupo de mídia Clarín, além de materiais diversos como livros escolares, guias telefônicos etc, denunciaram um “lock-out” patronal ao chegar na planta e encontrar um aviso da empresa. Neste aviso se informava o fechamento da gráfica, alegando motivos de “crise do setor”. No entanto, os trabalhadores afirmam que o volume de trabalho se mantinha alto até os dias anteriores à medida da empresa. Soma-se a isso o fato de que a gráfica AGR-Clarín não apresentou os papéis necessários frente ao Estado para comprovar a quebra, o que respalda ainda mais a versão dos trabalhadores de que a empresa pretende fechar a gráfica apenas para tornar a abri-la com contratos de trabalho precarizados (como no caso recente das fábricas da Mabe, em Campinas e Hortolândia).
Desde então, alguns trabalhadores da gráfica estão ocupando a mesma, com a solidariedade de familiares, trabalhadores e partidos políticos, que armaram um pequeno acampamento do lado de fora dos portões. Existem alguns dados que não são menores para entender a dinâmica desta luta, quais são: o número total de demitidos é de 380, a ocupação está sendo levada adiante por um número reduzido de trabalhadores (falava-se em aproximadamente 30-40 nos primeiros dias, o número hoje pode haver aumentado ou diminuido); a comissão de delegados está bastante ligada ao Partido Obrero (PO), que atua como direção política do conflito. Não por outro motivo senão o fato de terem um trabalho antigo neste setor, de forma que a principal figura pública dos trabalhadores ocupantes, o delegado Pablo Viñas, é um quadro do partido. O fato de ser um conflito contra a patronal do Clarín, grupo midiático mais reacionário do país (que tem acordo de intercâmbio de conteúdo jornalístico com a Folha de São Paulo), clássico inimigo inclusive dos Kirchners, torna essa luta bastante estratégica do ponto de vista publicitário, especialmente agora que o kirchnerismo está em baixa. Por outro lado, a política obrerista, de dar prioridade às atividades e militância sindical, faz com que o PO e demais aparatos trotskistas aproveitem para pressionar a CGT, principal central sindical do país. Esta estratégia busca tanto desgastar a imagem da burocracia sindical clássica como angariar simpatizantes em meio a um cenário de imobilidade sindical da central e uma crise econômica visível a olhos nus. Vale mencionar que em parte já conseguiram alguns avanços, pois os principais dirigentes da CGT recentemente romperam o diálogo com o governo macrista e anunciam uma possível data para uma paralisação nacional (longe o suficiente para ser cancelada a tempo).
Se por um lado a direção política do Partido Obrero tem seus lados negativos (como o “substitucionismo” gremial, recheando a falta de trabalhadores com o aparelho partidário; interesses “maiores” no conflito, possivelmente rifando uma vitória material ou estendendo-o por interesses partidários), é inegável que a estrutura material e social do aparelho é capaz de mobilizar a solidariedade em proporções dificilmente alcançadas em conflitos onde os trabalhadores contam apenas com suas próprias forças. O acampamento no portão funciona como uma (frágil) proteção contra uma invasão policial, as doações para o fundo de luta (entre sindicatos, parlamentares de esquerda e ativistas em geral), e inclusive festivais para manter a moral dos ocupantes e também arrecadar fundos e visibilidade (nota-se que o PO também tem feito um trabalho interessante na organização de artistas e músicos, podendo realizar um pequeno festival de jazz em frente à fábrica).
A entrevista abaixo foi realizada pela Comissão de Audiovisuais dos estudantes da Faculdade de Filosofia e Letras da UBA com um trabalhador também do Clarín – não da parte gráfica, mais operária, e sim do setor de conteúdos, ou seja, jornalístico. É justamente por mostrar as formas de atravessar essa suposta separação da classe que a entrevista se revela como algo que vai mais além das narrativas obreristas e apontam para caminhos importantes de se trilhar.
Entrevista com Tomas Eliaschev, secretário de direitos humanos do Sindicato de Trabalhadores de Imprensa da Cidade de Buenos Aires. Delegado sindical e redator da revista Veintitrés.
Comissão de Audiovisuais (CA): O que desencadeou o conflito na AGR-Clarín?
Tomás Eliaschev (TE): O que desencadeia o conflito na AGR é que a patronal do Clarín, inspirada pelo governo atual, tenta liquidar os convênios coletivos e a organização sindical para poder precarizar o trabalho. Sentiram que existe o apoio político para fazê-lo. De fato eles o têm, já que o Ministério do Trabalho não quis tomar posição no assunto, e a presença do Estado tem sido por meio da repressão e da polícia, inclusive com espionagem do acampamento dos trabalhadores que estão ocupando pacificamente a gráfica em Pompeya [bairro de Buenos Aires].
A intenção da patronal do Clarín é baratear os custos trabalhistas e, para isso, tenta eliminar os grupos de trabalhadores que têm organização sindical e consciência de seus direitos, podendo assim administrar as mesmas funções com menos custos e sem respeitar os convênios vigentes. Os próprios trabalhadores contam que, até o fechamento da planta e a demissão dos companheiros, vinham trabalhando muito. Portanto, o pretexto da falta de trabalho não existe. Há uma crise da indústria editorial, crise dos jornais e das revistas em papel, que efetivamente existe, mas ela não explica a decisão da patronal. Deve-se levar em conta que eles pretendem ser a ponta de lança da liquidação dos convênios coletivos, muito parecido com o que ocorreu em Neuquen com os petroleiros, que graças à burocracia assinaram a precarização do seu próprio trabalho, chantageados frente à possibilidade de perderem suas fontes de renda.
CA: Como vinha sendo a relação com a patronal?
Tomás Eliaschev: A relação sempre foi muito dura, a patronal do Clarín, dos Nobres-Magnetto, tem sido brutalmente antissindical, houve uma causa judicial de reinstalação mediante a qual o delegado Paulo Viñas voltou ao seu posto de trabalho, mas sempre foi muito conflituoso… é um grupo que tolera muito pouco a organização sindical.
CA: Como é sua leitura do conflito?
Tomás Eliaschev: O conflito tem a ver com o que eu dizia, com o Clarín como ponta de lança de todo um setor empresarial que está realmente com a bola cheia, e que defende que a única forma pela qual a economia avança é reduzindo os custos laborais e destruindo as leis trabalhistas que amparam os trabalhadores, para que assim possam chegar os investimentos que nunca chegaram. Mas, basicamente, o Clarín atua como ponta de lança de toda uma política do governismo de beneficiar os empresários às custas dos trabalhadores.
CA: Em relação a como se tratou a informação nas grandes mídias, que base há na defesa do Clarín, da falta de trabalho por uma tendência de queda nos jornais em papel?
Tomás Eliaschev: É onde acho que posso dar uma maior contribuição no tema. Acho que quanto à consciência dos trabalhadores da imprensa, é muito importante o que tem ocorrido nestas semanas de luta. Tem sido muito pouco divulgado o conflito na AGR, existe um verdadeiro bloqueio midiático à luta dos trabalhadores da AGR-Clarín. Talvez em seu ponto mais chamativo ou absurdo quando o canal TN [também do grupo Clarín], durante um de seus telejornais, mudou o fundo do estúdio, que costuma ser uma avenida elevada, porque estava acontecendo nela uma manifestação dos trabalhadores — e informou que os trabalhadores “de uma gráfica” estavam realizando um protesto. Nesse sentido, chama atenção como os demais grupos midiáticos, também oligopólicos como o Clarín, criados com o apoio do governo anterior, como C5N, não divulgaram tanto como poderiam ter feito. O mesmo vale para Página12, o grupo Crónica, que nem mencionaram o conflito no Clarín diretamente. É muito significativo que os grupos midiáticos que podiam usar isso para atacar seu suposto rival, salvo honrosas exceções, se mantiveram em silêncio.
E essas honrosas exceções têm a ver com os trabalhadores da imprensa, com o nível de consciência. Me refiro, por exemplo, a quando o jornal Clarín publica um artigo informando sobre o conflito, de uma forma absolutamente distorcida e mentirosa, omitindo informações e dando a versão da empresa, mas sem considerar a versão do outro lado. Foram os próprios trabalhadores do jornal Clarín, através de sua comissão de delegados, através de sua organização sindical e sua assembleia, através das organizações que nos permitem ter um sindicato como é o SiPreBA (Sindicato de Prensa de Buenos Aires), que se distanciaram da linha editorial e vieram apoiando desde o primeiro dia as ações de luta dos trabalhadores da AGR. Vale destacar, em relação a isso, que em junho de 2002, quando Clarín criou aquela manchete célebre “A crise produziu duas novas mortes”, não havia comissão sindical interna, e foi impossível que os trabalhadores pudessem elevar uma voz dissidente da linha editorial patronal. Isso ocorre porque se havia liquidado a comissão sindical interna e tardamos 10 anos para poder reconstruir a vida sindical, e uma vida de assembleias e eleição de delegados. Hoje existem as condições para poder discutir, graças à organização sindical. Nós, trabalhadores de imprensa, temos que reconhecer-nos como parte da classe trabalhadora, e nesse sentido irmanar-nos com nossos mais próximos irmãos de classe, que são os operários gráficos, já que temos os mesmos patrões.[1]
A presença da delegada sindical do canal 13 e da TN, junto a toda a comissão, Silvia Martínez Cassina, âncora do telejornal do meio-dia — presente e solidária divulgando nas redes sociais na medida do possível para apoiar a luta na AGR — me parece muito importante. Também os trabalhadores da AGR, a comissão de mulheres esteve presente no canal 7, no Página 12, no Télam, arrecadando dinheiro para o fundo de luta, arrecadando apoios, e em todas estas mídias são os próprios trabalhadores, através de sua organização sindical, os que dão luta em seus espaços para que esta notícia seja divulgada. Por exemplo, no caso do canal 7, é a comissão de delegados que pressionou para que o telejornal cobrisse a luta dos trabalhadores.
Há um trabalho a partir da organização sindical para influenciar nos conteúdos dos meios de comunicação, e esse trabalho envolve essa organização discutir as notícias, e colocar o jornalismo a serviço do povo e dos trabalhadores. Então, nesse sentido, a partir do SiPreBA nós temos trabalhado para que nós, trabalhadores da imprensa, reconheçamos que nossos interesses são opostos aos interesses dos patrões e que isso tem um reflexo no tipo de jornalismo que fazemos. Nós não queremos simplesmente lutar por salário, contra as demissões, do esvaziamento e da precarização e depois escrever notícias contra os trabalhadores. Ao mesmo tempo em que lutamos por defender nossos direitos, lutar por um jornalismo que se coloque ao lado do trabalhador, que possa ser crítico aos poderes estabelecidos, crítico aos poderes empresariais e econômicos, ao poder político; e nesse sentido creio que, para os trabalhadores de imprensa, esta luta dos operários da AGR nos deixa esse grande ensinamento, a possibilidade de emancipar nossa consciência e a possibilidade de pensar-nos enquanto classe trabalhadora — e a possibilidade de pensar um jornalismo neste sentido.
Quanto à crise do papel, é algo que efetivamente existe, mas sabemos que as patronais buscam colocar essa crise nas costas dos trabalhadores, e que há uma saída para isso, que segue sendo necessária a impressão, que segue sendo necessário o papel impresso. Faz tempo que se conjectura sobre o fim dos jornais. De fato ocorreu com o jornal que Jorge Lanatta fundou, fundiu e esvaziou, o jornal Crítica, que se anunciou como o último jornal em papel… depois disso, não foi o que ocorreu. Como o que ocorreu com Tiempo Argentino, que foi fundado e fundido por Sergio Polki e depois foi recuperado pelos seus trabalhadores, que através de um trabalho cooperativo demonstraram que o jornal era, sim, viável e que o papel impresso segue sendo necessário. Nesse sentido é tão velha como a revolução industrial a intenção dos patrões de usar as transformações e progressos tecnológicos contra os direitos dos trabalhadores, e para o que antes faziam três ou quatro pessoas agora o faça apenas uma. Nós não nos opusemos às mudanças tecnológicas, nem às novidades, nem ao futuro, simplesmente acreditamos que aqueles que atrasam são eles, e que o futuro não tem porque ser um futuro de desemprego, onde as pessoas tenham um trabalho precarizado, se é que têm algum. É por isso que há toda uma luta para ser feita, mas creio que, repetindo, o que mais me interessa transmitir aos estudantes, ou aos setores da juventude que se somam para acompanhar o conflito, a partir da visão dos trabalhadores de imprensa, é que estamos fazendo essa luta, mesmo dentro do monstro midiático, para gerar um jornalismo emancipado e a serviço do povo e dos trabalhadores.
As fotos que ilustram este artigo foram retiradas do site Anred e são de autoria de Esteban Ruffa y Fernando Almeira.
Nota
[1] Nos setores operários mais clássicos, esta solidariedade “sob o mesmo patrão” já está mais desenvolvida em termos práticos: no sábado 28 de Janeiro, os trabalhadores da AGR convocaram um “abraço simbólico” à sede do Clarín, de onde saem as revistas do grupo para distribuição pelo país, próximo à AGR. O abraço, na realidade, era um piquete que tinha a intenção de atrasar a distribuição e impedir que as revistas chegassem normalmente aos clientes na edição dominical, para visibilizar o conflito e apertar a empresa. Como os caminhões saem pela madrugada, o piquete virou a noite na rua, com aproximadamente 1.000 pessoas (composto pelos aparelhos dos principais partidos trotskistas e também alguns trabalhadores e correntes sindicais), o que é um número respeitável para uma madrugada de sábado em pleno janeiro. No entanto, o valor era mais simbólico, pois havia um cordão policial que garantiria uma via de saída para os caminhões. De toda forma, o simbólico foi importante para garantir a solidariedade dos caminhoneiros desta sede do Clarín que, mesmo contando com a via liberada da polícia, decidiram atrasar a saída das revistas (provavelmente alegando a falta de um ambiente seguro para seu trabalho, ou coisa parecida…). Um pequeno dado importante sobre o episódio: já pela manhã do domingo, praticamente todos os meios de comunicação alternativos e “combativos” reproduziram um brevíssimo comunicado da comissão de delegados que afirmava e comemorava a grande vitória do piquete – sem somar absolutamente nenhum indício de que de fato a distribuição havia sido afetada. Foi apenas no fim da tarde que o portal do PTS (MRT no Brasil) apresentou um material minimamente jornalístico para confirmar a efetividade da medida: http://www.laizquierdadiario.com/Clarin-el-bloqueo-afecto-de-manera-importante-su-distribucion-en-todo-el-pais
Luta parecida e no mesmo setor gráfico, acontecendo agora no Uruguai:
https://facebook.com/story.php?story_fbid=2017743545119884
Ocupação da gráfica Polo.
Me parece que o conteúdo da matéria está dirigido muito mais a atacar o PO, Partido Obrero, e seu suposto “obreirismo”, do que realmente fazer a defesa de classe da ocupação, que é a principal iniciativa neste momento em toda a América Latina, no que diz respeito à defesa dos trabalhadores contra o desemprego, que já flagela no Brasil, mais de 20 milhões de trabalhadores desempregados, e que os pelegos de todas as centrais sindicais existentes nada fizeram para reverter esta situação, a não ficar assistindo pela tela da TV. Esta luta, na qual o PO está dirigindo, é o principal exemplo de como uma direção política deveria ter agido para evitar que hoje houvesse no Brasil milhões de trabalhadores desempregados, ou no sub-emprego, ou precarizados, etc.