Temporada da peça Abbadon

Local: Casa Viva – Praça Marquês Pombal, 167 – Porto.

Criação, Direcção e Texto: Hugo Calhim Cristóvão
Criação, Actuação e Desenhos: Paula Cepeda Rodrigues
Assistência e Colaboração: Joana von Mayer Trindade

Entrada: Gratuita / 500 euros*

sujeita a marcação, através dos nº 96 5843240 / 966859193 e [email protected]

(diariamente, até às 20h00)

Lotação: 11 seres humanos

APRESENTAÇÃO:

Cabe-me a mim a incumbência de fazer a participação publica do evento. Aposto que viciaram os dados.

Abbadon inicia de novo a 28 de Setembro (Porto) e três semanas em apresentação, intervalo de dois ou três dias durante esse período. Questões de Buchenwald: a entrada continua gratuita, sendo que quem puder ou quiser pode deixar o cartão de crédito mais o código no final, ou uma contribuição que achar justa, ou nada o que é perfeitamente aceitável, ou escrever um texto sobre, lavar o chão, baixar as calças, ou qualquer outra actividade que lhe seja reconfortante, tudo menos sentir-se obrigado a retribuir o que quer que seja, é gratuito.

Quem, por exemplo, tiver um fetiche sexual por ser assaltado queira comunicar e escolher a arma para a ameaça, não se esquecendo depois de tirar os documentos da carteira. Cuidado igualmente em não deixar dinheiro em demasia no interior da dita. Afinal de contas teatro é uma festa, as opções são inúmeras. Mais questões de Buchenwald: não houve nenhum compromisso na realização deste “trabalho”, não há nada a dever a ninguém a não ser a nós mesmos, muito pelo contrário, e a festa é “privada” aberta a testemunhas.

Assim sendo, a entrada para criaturas e actores do Teatro Nacional e Teca, ou circuitos similares se me permite a assembleia se faz favor, parece que não concordam, oligarcas, é de 500 euros por cabeça como imprescindivel donativo. Caso alguma dessas criaturas tenha a infeliz ideia de vir empestar com a sua presença, o que iria roubar lugares a gente boa. O melhor é não deixar entrar de todo, mais simples, disse eu, mas nem toda a gente pensa como eu.

Chegamos a acordo nos 500 euros após ponderação. Nos afins existem outros incluídos. Podem-se abrir excepções, mas caso a caso, e muito bem justificadas, foi proposto e aceite em deliberação conjunta (eu discordei). O tecanacional poderá sofrer de síndroma de downing, paralisia cerebral, autismo incapacitante ou ter uma família de cinquenta filhos doentes a seu cargo. Situações deste tipo atenuariam a baixeza do seu ganha-pão, argumentaram os oligarcas, perdão, os restantes membros na reunião de irmãos e irmãs.

Os muito novinhos, inconscientes, pode ser igualmente uma questão de dependência drogada de cenouras, informaram-me apelando à minha consciência de cidadão. Oferecemos-lhes uma cenoura e mandamos dizer que a apresentação é no bairro S. João de Deus ás cinco da manhã, que devem ir a comer a cenoura e vestidos de policias, digo eu, procurando conciliar as posições com serenidade e sensatez como é meu hábito. Ainda não sabem, dizem-me a mim, o suborno é uma práctica ilegal dizem-me, são toxicó-cenouró dependentes.

Concluímos e concordamos (não com o meu voto) que se zurrarem durante meia-hora o mais alto possível a saltar ao pé-coxinho, Hiiiiiii muito agudo, Hóóóóóó muito grave, de um modo convincente, recorrendo a improvisações faladas sobre as suas memórias de burro nos primeiros dois minutos em zurrar livre (chama-se um “etude” os gajos trabalham muito isso quando fazem Tchekov e Shakespeare ou derivações disse eu, o meu avô já fazia isso para estimular a Gervásia Chaparra na lavoura disseram-me a mim, não é nada um etude disseram-me a mim, eu suspirei, muito triste) para depois expansivamente zurrarem à desgarrada a sua concepção e entendimento pessoal do Hiiiiiiiiii ! Hóóóóóóóóóóo!.

Mas só os mais autenticamente burros e exibicionistas serão aceites para um desconto de 50 por cento (dez por cento berrei eu em desespero, ignoraram-me). Terão de comparecer uma hora antes para se poder aquilatar do seu Zurrar (doze horas disse eu, e em jejum, só pelo prazer de chatear, fui de novo ignorado).

Estrategicamente podem os acima referidos, como preparação, analisar e ler previamente à volta da mesa, contextualização e dramaturgia do personagem, os seguintes textos como suporte (indicações minhas finalmente ouvidas e aceites como sensatas porque construtivas, elogiaram-me, eu bufei).

O Burro de Ouro, de Apuleio – Papel do Burro a Sonhar.

D. Quixote de La Mancha – Papel do Burro do Sancho Pança.

A Reforma Agrária em Portugal, uma análise sociológica – Papel da Mula da Cooperativa.

Isto foi a solução de recurso engendrada pela maioria.

(Ficou registado em acta que discordo da prova por me parecer excessivamente naturalista para o grupo alvo e que me considero uma minoria perseguida e descriminada nos meus direitos, chamei-lhes racistas, ditadores, nazis, e sem vergonhas do, palavra censurada, que vos, palavra censurada).

Para seres humanos é gratuito, resumindo.

Regra geral, os actores e demais pessoas estão na sua maioria incluídos neste grupo, não haverá problemas.

De resto, manos e manas, são as ultimas apresentações no Porto, e as penúltimas de todas.

Espero que estejam cá. Aqui segue o convite.

Solicito particularmente a presença do representante da empresa “AMOR É IN”, roscas e chaves de parafusos Lda.

Mais, tive de desligar o microfone escondido no leitor de CD que pedi pelo correio, enfiá-lo na banheira e ligar o chuveiro. Acho que avariou. Era telecomandado e lia a várias vozes. Penso que a polifonia em curto circuito soa mais agradável. Que é que isto tem a ver com o assunto? Nada. Outra vez os oligarcas. E depois, mas qual é o problema? Desde quando é que uma pessoa se deve cingir a um assunto e a uma forma estabelecida de o propor? Porque é que não posso perguntar ao mundo a razão da inexistência de penicos quadrados? Não, não, não, não vamos nada jogar aos dados, no máximo aceito rolar os penicos mas só se forem quadrados e atenção que quem dá os copos são vocês. Toca a tirar a rolha do champanhe e a espumar o tecto. Era o que faltava, outra vez os dados. A dádiva é outra, ora bem. Chega de brincadeira.

Dizem-me ao ouvido que devo introduzir um pouco o texto, e a peça, e quando discordo, esmurram-me a orelha.

Acabo de levar uma cepa. Sou agredido, maravilha.

Comecemos pelo nome, cuja relação com o texto e com a peça é poética, não é linear. É apenas um inicio. Abbadon é o anjo, ou demónio, as opiniões divergem consoante a perspectiva, do abismo. Muitas vezes esse abismo esteve nos ensaios e todos os envolvidos num momento ou noutro se perderam. Vimo-nos a transbordar processos que nada tinham de sensato. Obrigaram-me a dizer esta ultima frase, onde é que está a acta? Mas, quase sempre, acabamos a rir. Ou a chorar. E por aqui chega. Sempre houve generosidade. Bastantes vezes ” Inferno”. Olá Rimbaud. Mas não é sobre isto. Será sobre “cavar”? Olá Paul Celan. Talvez. É sobre o Amor. Algo como ” meus senhores, vocês vivem mal”?

Sobre a génese. Eu criei o texto, criei o modo como se ergueu em actos ou como se tornou teatro, criei o seu nascimento para vida. A direcção. A Paula criou os desenhos, e cria A Vida ponto final. É a Vida ponto final. A criação ultima, daquilo que irão ou não ver, portanto, é dos dois, de algo entre os dois, com os dois. Porque qualquer encenador que assuma como sua a criação, ou o espectáculo quando acontece, ou que aceite individualmente os louros, é um sacana de um mentiroso. O habitual ” um espectáculo de” . Se receber mais que os actores é um criminoso. Quase sempre. 99,9 por cento sempre.

Gostava de deixar aqui um pequeno pedido: façam-lhes a vida negra. O teatro, quando acontece, é vosso. Não há hierarquia. Há saberes precisos, processos precisos, diferenças precisas. Com dar e receber no concreto, não na letra. Também no salário, também nas condições exteriores. Façam-lhes a vida negra. Recusem-se a ser o brinquedo, a peça na engrenagem. Quando ouvirem expressões como ” o meu espectáculo, o meu espectáculo é isto ou aquilo, o trabalho de não sei quem é isto ou aquilo”, quando ouvirem várias vezes o “meu, o meu, o meu, o meu, o meu, o meu”, destruam-nos. Comam-nos vivos, e despejem-nos em penicos quadrados. Façam-nos sofrer. Cuidado com a treta às custas do vosso material, do experimenta lá a ver se fica , improvisa para mim, vamos ver o que se aproveita para o “nosso” trabalho. Matem -nos. Façam-nos descer até ao nível do chão do palco. Pisem-nos até que sejam pó, até que escorram em papa. Façam-lhes a vida negra. Se o permitirem, porque convém para subir na carreira, ou porque precisam de fazer contratos, ou por questões de nome ou reputação, ou se a vossa vontade for estar do outro lado a vampirizar para o “meu”, então: morram. E morram depressa.

Claro que isto implica perder o espírito de putas que é muitas vezes a regra.

Termino com agradecimentos, ou melhor abraços, a algumas pessoas que não estão na ficha técnica, mas que ajudaram, umas vezes por estarem presentes nalguns momentos do processo ou algo de similar, noutros casos simplesmente por existirem para o diálogo e para a biografia.

Por razões primeiras um abraço forte a Mariana Amorim (sempre) e a Pedro Salvador.

Pelas segundas a Ramon Vazquez, Gilberto de Lascariz, Isabel Calhim, Luís Rodrigues, Carlos Gouveia Melo, José Rocha Paiva, Frederico Mira George, Vasudeva Reddy, Sónia Barbosa.

Uma palavra final para a Casa Viva : não deve ser por acaso que o unico local onde fomos acolhidos com toda a disponibilidade tenha tão incluida a anarquia na sua natureza.

Vosso,

É só teatro, é só uma festa.

Hugo Calhim Cristóvão.

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