Por Passa Palavra
Com as alterações na produção capitalista que têm levado um grande número de trabalhadores a serem explorados diretamente pelas transnacionais de tecnologia, começa a aparecer uma nova onda de mobilizações, indo contra a ideia de utopia “tech” da economia compartilhada. A luta dos trabalhadores “empregados por aplicativos” parece estar se dando de maneira simultânea em diferentes locais do mundo, mas há poucos indícios de que estes trabalhadores estejam em contato.
O Hong Kong Worknews nos informa que:
Dia 23 de janeiro, um grupo de ciclistas da empresa de entrega de comida Deliveroo afetados pela “precarização” continua sua greve pelo segundo dia. […]
Os trabalhadores em greve afirmam que apesar do contrato assinado por eles estabelecer que são “autônomos”, a empresa vem fazendo várias exigências de horas de trabalho. Já que eles são pagos com um salário-hora de HK$75, as horas de trabalho afetam diretamente os salários de cada trabalhador. Quando assinaram o contrato, a empresa havia garantido um mínimo de 11 horas de trabalho por dia.
Agora, a Deliveroo está forçando a imposição de uma nova política para reduzir e fazer as horas de trabalho flexíveis, o que reduzirá significativamente a renda dos trabalhadores e proibirá os empregados de tirarem folga nos fins de semana. […]
Outro motivo para a ação paredista são as multas. Ruas estreitas, poucas áreas de estacionamento e prédios altos aumentam as chances de os ciclistas serem multados porque têm de estacionar na rua e demoram mais para entregar a comida na porta. Antigamente essas multas eram pagas pela empresa. […]
As reivindicações dos trabalhadores têm se dado em torno do controle sobre o tempo de trabalho. Com o aumento constante das formas de controle implementadas pela Deliveroo, os ciclistas em Hong Kong perderam a aparente autonomia que tinham sobre seu processo de trabalho, além de não terem as garantias previstas aos empregados formais como: aposentadoria, segurança do trabalho e pagamento dos impostos. Inicialmente a empresa não se dispôs a negociar com os grevistas, entretanto, com a mobilização de centenas de seus trabalhadores, a Deliveroo garantiu aos ciclistas que não haverá nenhuma redução das horas de trabalho, o que foi o suficiente para que a greve terminasse. Mais do que a conquista em si, parece-nos interessante a mobilização dos trabalhadores que conseguiu romper com as divisões étnicas locais, unindo paquistaneses, indianos e chineses locais.
Greves na Europa
A Deliveroo, empresa iniciada no Reino Unido em 2013, hoje atua em doze países na Europa, Ásia e Oceania. Conta com 13 mil empregados e 20 mil ciclistas “autônomos”.
A empresa tem tentado aumentar o número de “autônomos” como forma de se desobrigar do pagamento de garantias e impostos, ao mesmo tempo que pretende manter as formas de controle sobre a produção. Na Holanda e na Bélgica tentaram impor uma mudança no contrato dos entregadores, que passariam a ser “trabalhadores autônomos” a partir de 1º de fevereiro. Como resposta os trabalhadores fizeram uma greve de um dia.
Um processo mais avançado de mobilização parece estar se iniciando em Berlim, como nos informa Johanna Schellhagen:
Dia 24 de janeiro de 2018, entregadores da Foodora e da Deliveroo protestaram em Berlim contra suas condições de trabalho precárias. Os entregadores têm que pagar a maior parte dos custos com reparo das suas bicicletas. Isso leva muitos a andarem com bicicletas inseguras por não conseguirem pagar os custos dos reparos. Segue abaixo o vídeo com legendas em inglês: Os entregadores amontoaram uma grande pilha de peças usadas de bicicletas em frente ao escritório Herói da Deliveroo em Mitte para protestar contra essa situação: “Alguns de vocês podiam jogar sua bicicleta inteira nessa pilha: Elas estão desgastadas desse jeito”.
Destaca-se o fato de os protestos não se restringirem apenas a uma empresa, de os entregadores identificarem seus problemas em comum independentemente de quem seja seu patrão. Essa identificação é, provavelmente, facilitada pelo fato de os mesmos ciclistas estarem cadastrados em diferentes aplicativos.
Ainda nos faltam dados sobre o perfil dos trabalhadores mobilizados nas greves europeias. Seriam jovens trabalhadores que utilizam suas bicicletas para se sustentar enquanto qualificam suas força de trabalho? Ou seriam migrantes que encontram neste trabalho “informal” a única possibilidade de inserção econômica? Teriam eles conseguidos romper com as divisões entre migrantes e nativos? A essas questões não temos respostas, mas a existência do vídeo com legendas nos indica uma preocupação de que os trabalhadores de outros locais tenham contato com essa experiência.