Na minha qualidade de advogado e activista dos direitos humanos no Haiti, assumi a defesa legal dos estudantes presos. O meu objectivo é o de que sejam postos em liberdade todos aqueles que estão ilegalmente detidos. Por Patrice Florvilus [*]

Em Abril de 2009 o Congresso haitiano aprovou um aumento do salário mínimo do sector industrial de 70 gourdes (1,7 dólares) diários para 200 gourdes. Desde Maio de 2003 que o salário mínimo não fora actualizado. No entanto, o governo do Haiti recusa-se a promulgar aquela lei.

Recorrendo a várias manifestações, estudantes de diversas faculdades da universidade estatal têm exigido a publicação da lei de aumento salarial adoptada pelo poder legislativo. Estas manifestações depararam com uma violenta repressão policial, de que resultaram pessoas feridas, e mais de 24 estudantes foram presos.

haiti1Nos últimos anos, desde o Verão de 2007, houve um aumento brutal do custo de vida, especialmente de bens estratégicos como o petróleo e os alimentos. O Código de Trabalho em vigor estipula que sempre que a taxa anual de inflação ultrapassa 10% o Estado deve proceder automaticamente a um reajuste adequado do salário mínimo. É óbvio que o Estado está a violar esta disposição legal.

Por iniciativa do deputado Steven Benoit começou a ser discutida uma proposta de aumento do salário diário para 200 gourdes. Passados mais de dois anos de discussão, as duas câmaras aprovaram o aumento do salário para 200 gourdes diários em Abril de 2009. O presidente da República e o governo recusam-se a ordenar a promulgação da nova lei no diário oficial.

No Primeiro de Maio de 2009 ocorreu uma importante mobilização de milhares de pessoas, convocadas por uma frente de organizações sindicais chamada «Colectivo para Outro Primeiro de Maio». Este colectivo organizou uma grande manifestação de rua, reprimida brutalmente por um corpo especializado da Polícia Nacional, que impediu os manifestantes de chegarem junto ao Palácio Nacional, na praça central de Port-au-Prince, o Champ de Mars.

Em Maio e Junho a polícia e a MINUSTAH [a força de intervenção da ONU no Haiti] intervieram violentamente para reprimir manifestações estudantis, chegando ao extremo de violar o recinto da Faculdade de Medicina, o que é proibido pela Constituição do país.

haiti2As organizações empresariais, em especial a ADIH (Association des Industries d’Haïti, Associação Industrial do Haiti), iniciaram uma violenta campanha na mídia contra a nova lei de aumento do salário, ameaçando pôr na rua 50% do parque industrial de 25.000 trabalhadores, que laboram no sector de exportação de produtos têxteis para o mercado norte-americano. Na própria manhã em que o Senado da República adoptou a lei de aumento salarial, alguns empresários começaram a despedir [demitir] trabalhadoras.

Reivindicações

1. Que o governo ordene a promulgação da lei dos 200 gourdes diários.
2. Que os estudantes feridos, as suas famílias e todas as vítimas da repressão sejam indemnizados pelo Estado e que beneficiem dos melhores tratamentos disponíveis, para restabeler a saúde.
3. Exigir a libertação imediata dos estudantes e manifestantes presos.
4. Que sejam castigados os agentes da Polícia Nacional responsáveis por estas violações da legalidade e pelo uso desproporcionado da força.
5. Que seja feita uma queixa formal às instituições das Nações Unidas, denunciando as violações dos Direitos Humanos e o desrespeito das leis do nosso país pelas forças de ocupação.
6. Exigir a retirada das tropas de ocupação, responsáveis pela crescente repressão contra o povo do Haiti.
7. Exigir investimentos destinados a fortalecer a Universidade estatal e a fazer frente à onda de privatizações do sistema educativo.
8. Exigir a adopção de um plano de desenvolvimento equilibrado, que não se concentre exclusivamente nas zonas francas e que respeite os DESC [Direitos econômicos, sociais e culturais], assim como os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras.

* * *

haiti3Neste processo de luta, chamamos a atenção para a prisão, a 10 de Agosto, dos estudantes Guerchang Bastia e Patrick Joseph, pela polícia e pela MINUSTHA. Passada mais de uma semana da sua prisão ainda não haviam sido processados em Justiça, o que viola o artigo 25-1 da Constituição haitiana de 1987 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

No dia 12 de Agosto a polícia lançou gases lacrimogéneos na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade e prendeu mais três estudantes, Edwich Edouard, Valcin Alfred e Cesar Herode.

Estas prisões são ilegais e anticonstitucionais. Segundo a Constituição haitiana, nos artigos 25-1 e seguintes, e segundo os artigos 9 e 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a liberdade individual está garantida; e, segundo a Constituição haitiana, ninguém pode ser privado dela por mais de 48 horas sem comparecer perante um juiz que deve analisar o seu caso.

Na minha qualidade de advogado e activista dos direitos humanos no Haiti, assumi a defesa legal dos estudantes presos. O meu objectivo é o de que sejam postos em liberdade todos aqueles que estão ilegalmente detidos. Neste sentido foram iniciados processos em Justiça, até este momento com muito poucos resultados. E tenho recebido ameaças de pessoas não identificadas.

Desde o dia 10 de Agosto, enquanto advogado e activista de direitos humanos, tenho vindo a denunciar estas violações dos direitos humanos e dado apoio a estes detidos, tanto na imprensa como no Palácio de Justiça. Na sexta-feira passada, quando regressava da Palácio de Justiça e do escritório do procurador, eu e um grupo de pessoas que me acompanhava (por razões de segurança, não divulgo os seus nomes) fomos vítimas de uma tentativa de agressão. Na minha opinião, trata-se de um acto de intimidação contra a luta pelo direito ao protesto e pela descriminalização dos movimentos sociais.

Agradeço toda a vossa solidariedade. Na verdade, a luta continua e na segunda-feira, 17 de Agosto, tentei acções de Habeas Corpus, mas sem obter resultados concretos. Hoje, dia 18 de Agosto, depois de uma acção de investigação e de uma acção em Justiça, foram libertados três estudantes, Guerchang Bastia, Patrick Joseph e Edwich Edouard. Lutamos agora pela libertação dos outros presos.

O povo haitiano necessita do apoio de todos e de todas, que o ajudem neste momento tão difícil da sua história.

Penso que no âmbito regional, em toda a América Latina, podemos gerar uma força mediática que denuncie esta situação, não tanto por causa da minha segurança pessoal, mas por causa da própria luta dos estudantes de Haiti. São urgentes acções de denúncia pública.

[*] Advogado haitiano e ativista dos direitos humanos.

Tradução: Passa Palavra

1 COMENTÁRIO

  1. Diante do exposto pelo ilustre advogado e da sua nobre causa, não poderia silenciar-me diante de uma exposição distorcida e unilateral acerca dos problemas as manifetações reivindicatórias no Haiti. Comento exclusivamente sobre os episódios envolvendo os estudante presos. A MINUSTAH tem a responsabilidade de patrulhar e manter a segurança da população Haitiana. Os militares Brasileiros são preparados para operar nas mais diversas situações, para tal recebem treinamentos especificos, estudam a lingua e a cultura Haitiana e atuam de acordo com a SOP (Standard operating procedure), isto é, atuam na legalidade. Os estudantes presos agrediram diretamente as tropas da ONU no exercício legal de suas atribuições, usando de violencia desnecessária, (pedradas, ofenças morais) contra as tropas e incitando outros estudantes a fazer o mesmo, contribuindo assim para a anarquia e efeitos colaterais desnecessários. Foram detidos, encaminhados para o exame de corpo de delito, feiro o registro de prisão e prontamente entregues a PNH (Policia Nacional Haitiana). Ninguem que é preso fica sob responsábilidade das Tropas da ONU. Além disso como medida preventiva o Comando Militar da Operação reduziu o numero de patrulhamentos na área de Universidades para evitar problemas com estudantes exaltados. Pontanto, fica claro que ao distorcer a realidade, o Sr. Patrice Florvilus age de forma irresponsável, pois lança criticas infundadas as tropas da ONU, comprometendo o nome da Organização e o trabalho de homens e mulheres de bem, que se privam do convivio de suas famílias, arriscando suas vidas para ajudar na causa Haitiana. A ONU garante a paz, ajuda em todos os aspectos, sejam eles econimicos, sociais ou politicos. A MINUSTAH tem mais de 90% de aprovação da população Haitiana, e muitos nos tem como verdadeiros heróis. É para isso que trabalhamos e é isso que objetivamos.TUDO PELA PAZ!

    Autor:
    MFCC (ex-Peacekeeper BRABATT/10) 3 Cia Carcará – Fort National – Porto Principe) Nov 2008 à Jul 2009. Atualmente estudante de direito.

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