Por Negro Drama

Há poucos dias um processo que já havia sido instaurado há alguns anos tomou ares de radicalidade na minha faculdade: a caça aos falsos cotistas. Existe um grupo de estudantes que passam boa parte dos seus dias analisando todas as chamadas e conferindo listas para saber quem entrou por cotas raciais, e determinar – a partir disso – quem é preto ou não. Há algum tempo o Passa Palavra denunciou um caso semelhante a este, mas o que muda é que, ao invés de ONG’s e bancas compostas por “especialistas”, os estudantes têm se organizado para “cortar a cabeça” dos que aos seus olhos não deveriam estar na universidade.

Alguns pontos desse processo me chamaram a atenção e, com base nisso, decidi fazer a seguinte exposição.

1. É preto, mas não tão preto assim…

A caça aos falsos cotistas se baseia numa definição totalmente racialista de quem é ou não negro. O que importa não são os fenótipos ou a genética, mas apenas a cor da pele. Dessa forma, se houver algum estudante que gere dúvidas no grupo, o que me parece é que eles recorrem a uma métrica para determinar o tamanho do crânio, no nariz ou dos lábios, tal qual os antropólogos racialistas. Não adotam nenhum consenso para determinar quem é ou não negro: nem do IBGE, nem da EDUCAFRO ou quaisquer outras. O que define quem é ou não negro, para esse “coletivo”, é apenas a cor de pele.

Se este for o critério utilizado, é possível que tenham uma ficha de coloração, pela qual quem tem o tom de pele mais clara é automaticamente perseguido, exposto e humilhado sem qualquer tipo de observação mais séria ou, ainda assim, um processo de expulsão pela via jurídica. Estes que empreendem esse processo contra os ditos falsos cotistas aparam-se apenas na subjetividade para determinar quem é ou não negro. Se a proposta é evitar retrocessos e “manter os negros na universidade”, regredir e utilizar da teoria e da técnica racialista não me parece de forma alguma um avanço.

2. Branco sai, preto fica!

A caça aos “falsos” cotistas nada mais é do que uma forma de evitar pessoas “não-pretas” de tomarem um lugar que não é seu. Bem, se o argumento é este, poderemos analisar por dois vieses. O primeiro é que expulsando um branco que “tomou” o lugar de um negro na universidade não se traz efeito algum, pois não existe nenhum mecanismo que reabra um novo processo seletivo para que a vaga seja reocupada por quem ela é de direito. Dessa maneira, ao passo que esse coletivo grita “cortem as cabeças”, o estudante que não ocupou a vaga não a verá retornando e não a verá sendo direcionada a algum negro, pois as vagas ociosas não são incluídas nos processos seletivos subjacentes. Pelo contrario, ela se perde, fica vazia, e não traz nenhum efeito de mudança. O segundo viés é que esse coletivo não pretende de forma alguma educar ou evitar que novos casos aconteçam. É por meio do terror, do escracho, da intimidação e da perseguição que levam a cabo seus interesses. Se a proposta é “branco sai, preto fica” eles deveriam minimamente se atentar aos processos burocráticos da universidade.

3. Vai passar, vai passar o movimento “popular”.

Este grupo já é demasiadamente antigo dentro da universidade, mas agora decidiram radicalizar suas ações. Ao expor os estudantes, eles acabaram por mostrar todas as deficiências e limitações de sua “organização”. Na tentativa de apoio das instituições, ameaçaram expor os “falsos” cotistas que integravam uma chapa que disputava a gestão do DCE. Caso não conseguissem, apoiariam a adversária e escrachariam a que havia recusado. O exemplo mais claro dessa dinâmica é observar que a chapa vencedora e – aparentemente “idônea” – foi a que este coletivo combinou não escrachar os membros para ter apoio institucional em sua caça aos “falsos” cotistas.

Conclusão

Esse texto não é uma análise elaborada sobre a caça aos “falsos” cotistas que ocorre na universidade em que estudo. Antes disso ele é uma denuncia da prática deficiente de um coletivo formado por diversos interesses, seja pela gestão de determinada organização ou ascensão na cena militante. Gostaria de acrescentar mais algumas coisas a ele, mas o calor do momento acaba não me permitindo.

Abaixo apresentamos algumas das conversas obtidas no Facebook sobre o caso.

 

8 COMENTÁRIOS

  1. IBGE e Educafro Tbm não são critérios para definir a negritude no Brasil. De qualquer jeito, parece que todas as linhas que caminham para uma definição pura e exata do que é negro, possuem uma linha similar ao eugenismo.
    Movimento negro é amplo, existem inúmeras vertentes que precisam ser entendidas, mas infelizmente essa tendência costuma aparecer quando pensam composição e recorte de atuação. Na tentativa de proteger, segregam e dispersam o potencial que possuem, tendência contida em toda luta de classes.

  2. Nem em Fanon é possível chegar num consenso sobre a ontologia do negro. Me admira esses identitarismos com pretensão à gestor querer definir ‘negritude’ por critério empírico.

  3. Letícia, não acredito que a definição de negritude deve estar alinha ao conceito do IBGE ou da EDUCAFRO, Eu as apontei no texto para critica a não utilização de nenhum conceito ou, minimamente o reconhecimento das dificuldades de se definir negritude no Brasil. O IBGE e a EDUCAFRO tem diversos problemas em seu conceito de negritude, mas suas ações são feitas a partir dele. Como vamos julgar que é ou não falso cotista ou, quem é ou não negro, partindo de um saco de ventos?

  4. Raul Seixas diria que “o que falta é cultura pra cuspir nas estruturas”… Hoje alguém diria: o que falta é tecnologia pra incluir “as periferias”… Bastaria então um criar um “app”, tipo um “negrômetro” e disponibilizar no “google store”. Também poderia se criar “apps tipo “machômetro, “mulherômetro”, “ecologômetro”, “evangelicômetro”, etc… e divulgar nas “rede mano”… só não pode ter criar o “proletariômetro”… que é para não sobrecarregar a “rede mano”…

  5. Cada um com seu local de vala. Salve-se quem puder e o menos privilegiado feche a porta ao sair!

  6. No vestibular identitário, de acordo com a “ficha de coloração”, quem seria cotista (ou quem teria a cabeça cortada), Martin Luther King ou Idi Amin? Malcon X ou Teodoro Nguema? Angela Davis ou Grace Mugabe?

  7. “A Unesp irá desligar 27 estudantes”, que não tiveram confirmadas, pelas comissões de averiguação, suas autodeclarações de pretos e pardos, pelo sistema de reversa de vagas no vestibular, as cotas étnico-sociais, informou ao Conselho Universitário o Prof. Sérgio Nobre, vice-reitor da Unesp, nesta quinta feira. A universidade dará continuidade às verificações, como forma de assegurar a efetividade da política pública de inclusão, reforçou o vice-reitor.

  8. Na UFG tentaram pressionar a reitoria para instaurar um processo de verificação mais amplo. Eles não conseguiram, mas apelaram para o DCE…

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