Por Professora da rede Municipal de São Paulo
Como o Sampaprev foi aprovado durante nosso recesso, essa greve teve a característica peculiar de começar logo no início do ano letivo; sendo assim, não chegamos sequer a conhecer as crianças e famílias, tampouco tivemos tempo hábil para comunicá-las com antecedência – o que foi pra nós motivo de pesar. O prefeito e os vereadores combinaram a aprovação do projeto num período em que a mobilização e a comunicação ficam prejudicadas, é claro, vantagem para eles. Havíamos avisado durante o período de matrículas sobre essa possibilidade e muitas famílias souberam pela mídia, mas é claro que tantas outras não tinham conhecimento do que estava acontecendo, e, naquele que seria o primeiro dia de aulas, levaram seus filhos à escola. Naquele dia uma equipe de funcionários da escola foi recebê-los e contar que estávamos em greve. Penduramos nos portões comunicados e esclarecimentos sobre a greve e orientamos as famílias a ligarem para a escola para ficarem a par do que estava acontecendo.
Com a greve estabelecida e crescendo, convidamos as famílias para uma reunião com o intuito de esclarecer nossos motivos, tirar dúvidas, ouvir eventuais queixas e pedir o apoio da comunidade ao nosso movimento. O número elevado de mães, pais e demais responsáveis (acompanhados das crianças) no dia agendado nos deixou bastante animados, mas, é claro, havia a insegurança de como se posicionariam diante de nossa greve. Inicialmente, fizemos nossa apresentação começando pelo contexto que afeta a todos nós, servidores e comunidade: precarização dos serviços públicos (cortes no transporte escolar gratuito, no programa “leve leite”, no número de professoras por escola, nas verbas repassadas às escolas, no fechamento de brinquedotecas, salas de leitura, etc.) e perda de direitos, em todos os níveis: federal, estadual e municipal (reforma trabalhista, aumento da tarifa do transporte público, aumento no iptu, reforma da previdência que querem aprovar a qualquer custo, etc.). Achamos importante contextualizar que a desvalorização dos servidores não é uma medida isolada, mas faz parte do um projeto de desmonte dos serviços públicos como um todo, para então detalhar a parte mais específica de nossa pauta, a revogação do Sampaprev e do confisco salarial que foi aprovado covardemente e às pressas. Explicamos ainda às famílias que fazer greve não é fácil: não se trata de “prorrogação das férias”, como alguns sugerem, já que muito tempo e energia é dedicado entre construir a greve com os colegas, dialogar com as famílias, pressionar os sindicatos, realizar atos regionais e assembleias com a categoria, entre outros. Além disso, ao final da greve precisamos repor os dias letivos com as crianças, o que nos priva de muitos sábados de lazer e descanso com nossas famílias e, muitas vezes, também engloba nosso recesso de julho. Todavia, não há outra forma, já que mesmo em greve há quase duas semanas o prefeito sequer recebeu nossos representantes para conversar, e em nossas manifestações, somos humilhados e agredidos, tendo havido tantos atos em que a polícia jogou bombas de gás e cassetetes sobre professoras que ficaram ensanguentadas. Compartilhamos ainda com as famílias sobre as demais categorias em greve e as últimas notícias do movimento.
Para nossa alegria, o apoio que recebemos foi enorme! Várias mães disseram que não sabiam a gravidade da situação e se mostraram cheias de vontade de ajudar. Levantaram a ideia de realizarem um ato com as crianças em frente à prefeitura, de criarmos grupos para trocar informações, de pressionarem o prefeito nas redes sociais. Uma delas, em fala bastante emocionada, disse: “se cada professora tem 35 alunos, são 35 mães pra pressionar o prefeito. Se a professora tem duas turmas, já são 70 famílias. Então a gente tem que ajudar a resolver isso”. Uma mãe que é jornalista deu um relato de como a grande mídia está ao lado do governo, dizendo então que precisamos procurar mídias alternativas para nos fazer ouvir. Houve ainda mães que fazem parte de movimentos sociais que falaram da importância de apoiarem os servidores, e da importância da motivação das professoras para que a educação tenha qualidade. Lembraram a greve dos caminhoneiros e defenderam que todas as escolas deviam estar em greve, “devia parar tudo!”. Várias mães também relataram a dificuldade que a greve representa na dinâmica familiar, já que as crianças não têm onde ficar enquanto seus responsáveis trabalham, o que as prejudica em seus empregos. Também quiseram saber como fica o aprendizado das crianças com esses dias parados e como funciona a reposição. Apesar do ônus que a greve representa para as famílias, todas as falas reconheceram a legitimidade de nosso movimento e ofereceram apoio.
Compartilhamos com as famílias que estava agendado para o dia seguinte um ato unificado dos servidores em frente à prefeitura e convidamos os interessados a participarem. Como várias pessoas se manifestaram dispostas a participar, combinamos de nos encontrarmos na escola para um ato simbólico em defesa da educação pública e a confecção de cartazes.
No dia seguinte, separamos papéis, canetões, tintas e pincéis e todos os presentes fizeram seus cartazes com mensagens de apoio aos servidores e defendendo a qualidade da escola pública. De lá, fomos caminhando em passeata, professoras e funcionários da escola junto com mães e crianças até o ato unificado em frente à prefeitura. Foi um momento muito rico de união em prol do bem comum, que além de fortalecer nossa luta, deixará boas marcas para o ano letivo que em breve vai começar, já com essa vitória de uma boa relação escola-comunidade garantida.
excelente iniciativa dos professores em promover esse debate com as famílias! Quando ocupamos escolas no Rio de Janeiro tinhamos pais muito divididos. Muitos contra e muitos a favor da ocupação. Na minha escola promovemos panfletaços pelo Bairro, mas isso foi antes da ocupação. Depois disso não tivemos um cuidado tão grande em dialogar com as famílias. Quem dirá que o movimento poderia ter sido mais coeso?