Falam de Estado Democrático de Direito! Para quem? Com certeza eles só vêem o artigo que defende a propriedade a qualquer custo. Por Gilmar Mauro
Na região de Capivari, interior de São Paulo, quando alguém exagera, tem uma expressão que diz: “Pare de Show”!
É patético ver Senadores(as), Deputados(as) e outros tantos “ilustres” se revezarem nos microfones em defesa das laranjas da Cutrale [1]. Muitos destes, possivelmente, já foram beneficiados com os “sucos” da empresa para suas campanhas, ou estão de olho para obter as “vitaminas” no próximo pleito. Mas nenhum deles levantou uma folha para denunciar o grande grilo do complexo Monsões [2]. AS LARANJAS, e não poderia ter planta melhor, SÃO A TENTATIVA DE JUSTIFICAR O GRILO da Cutrale e outras empresas na região. PASSAR POR CIMA DAS LARANJAS, É PASSAR POR CIMA DO GRILO E DA CORRUPÇÃO QUE MANTÉM ESTA SITUAÇÃO HÁ TANTO TEMPO.
Não é a primeira vez que ocupamos este latifúndio. Eu mesmo ajudei a fazer a primeira ocupação na região em 1995 para denunciar o grilo e pedir ao Estado providências na arrecadação das terras para a Reforma Agrária. Passados quase 10 anos, algumas áreas foram arrecadadas e hoje são assentamentos, mas a maioria das terras continua sob o domínio de grandes grupos econômicos. E mais: a Cutrale instalou-se lá há 4 ou 5 anos, sabendo que as terras eram griladas e, portanto, com claro interesse na regularização das terras a seu favor. Para tal, plantou “laranjas”! Aliás, parece ter “plantado um laranjal no Congresso Nacional e nos meios de comunicação”. O que não é nenhuma novidade!
Durante a nossa marcha Campinas-São Paulo em agosto, um acidente provocou a morte da companheira Maria Cícera, uma senhora que estava acampada há 9 anos lutando para ter o seu pedaço de terra e morreu sem tê-la. Esta senhora estava acampada na região do grilo, mas nenhum dos “ilustres” defensores das laranjas pediu a palavra para denunciar a situação. Nenhum dos ilustres fez críticas para denunciar a inoperância do Estado, seja executivo, judiciário…, em arrecadar as terras que são da União para resolver o problema da Dona Cícera e das centenas de famílias que lutam por um pedaço de terra naquela região, e das milhares no País. Poucos no Congresso Nacional levatam a voz, para não dizer outra coisa, para garantir que sejam aplicadas as leis da Constituição que falam da FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA: a) Produzir na terra; b) Respeitar a legislação ambiental e c) Respeitar a legislação trabalhista. Não preciso delongas para dizer que a Constituição de 88 não foi cumprida. E falam de Estado Democrático de Direito! Para quem? Com certeza eles só vêem o artigo que defende a propriedade a qualquer custo. Este Estado Democrático de Direito para alguns poucos, é o Estado garantidor da propriedade, da concentração de terras e riquezas, de repressão e criminalização para os Movimentos Sociais e a maioria do povo.
Para aqueles que se sustentam na/da “pequena política”, com microfones disponíveis em rede nacional, e acreditam que a história terminou, de fato, encontram nestes episódios a matéria-prima para o gozo pessoal e, com isso, só explicitam a sua pobreza subjetiva. E para eles, é certo, a história terminou. Mas para a grande maioria, que acredita que a história continua, que o melhor da história sequer começou, fazem da sua luta cotidiana espaço de debate e construção de uma sociedade mais justa. Acreditam ser possível dar função social à terra e a todos os recursos produzidos pela sociedade. Lutam para termos uma agricultura que produza alimentos saudáveis em benefício dos seres humanos sem devastação ambiental. Querem e, com certeza terão, um mundo que planeje, sob outros paradigmas que não o do lucro e da mercadoria, a utilização das terras e dos recursos naturais para que as futuras gerações possam, melhor que hoje, viver em harmonia com o meio ambiente e sem os graves problemas sociais. A grande política exige grandes homens/mulheres, não os diminutos políticos (não no sentido do porte físico) da atualidade; a grande política exige grandes projetos e uma subjetividade rica (não no sentido material) que permita planejar o futuro plantando as sementes aqui e agora. Por mais otimista que somos, é pouco provável visualizar que “laranjas” possam fazer isso. Aliás, é nas crises, é nos conflitos que se diferenciam homens de ratos, ou, laranjas de homens.
Notas do Passa Palavra:
[1] Maior indústria de suco de laranja do mundo, que teve uma de suas fazendas ocupadas recentemente pelo MST.
[2] Grilagem é o método pelo qual grandes fazendeiros falsificaram títulos de cartório para se apropriar das terras públicas. O nome se deve pelo fato de colocar-se títulos falsos em uma gaveta ou baú fechado com um grilo dentro, que ao morrer expele certas substâncias que dão ao papel a aparência de envelhecido. Esse método foi muito comum no interior do estado de São Paulo e data de 1856, data final para que os possuidores de terra registrassem sua posse nos termos da Lei de 1850 (esta lei proibia a ocupação de terras do Estado, a não ser por meio de compra, inviabilizando assim que negros e trabalhadores imigrantes e pobres tivessem a posse da terra, obrigando-os a se submeterem às formas de trabalho impostas pelos grandes fazendeiros).
Índices e questões sem relação
Uma revista semanal brasileira recentemente alardeou os fabulosos ganhos de produtividade no campo apresentados pelo agronegócio – chegando a colher, em certas culturas, mais do que o dobro em relação há uma década – mas porque então se tem tanta resistência a atualização dos índices de produtividade, utilizados como parâmetro para a Reforma Agrária, que datam de 1975?
Isso não deve ter nada a ver com o fato da bancada ruralista ser uma das maiores e mais influentes no Congresso. Tampouco com o caso da PEC 438 – que propõe o confisco de terras onde houver trabalho escravo – nunca ser votada. E ligação alguma com o perdão rotineiro das dívidas dos grandes produtores com o Tesouro Nacional. Imagino ainda que seria muito leviano se pensar que tenha algo a ver com o fato do presidente não ter assinado a portaria com os novos índices de produtividade, ainda que tenha prometido, em agosto, que em 15 dias iria assiná-la…
… Outras coisas que não devem ter relação alguma: A Cutrale em 2006 doou R$ 2 milhões para campanhas de congressistas, em 2008 foram mais R$ 340 mil… A agricultura familiar, apesar de ocupar menos de um quarto da área total da agricultura, responde por 38% do valor produzido (R$ 54 bilhões) e é quem garante a produção e diversidade de alimentos como feijão, arroz, mandioca…
Ah, se essas coisas tivessem alguma relação… poderíamos então começar a entender o porquê dos grandes meios de comunicação fazerem essa ofensiva contra o MST e não darem uma palavra sobre a grilagem da Cutrale… mas, como a mídia é neutra, os índices e essas questões não devem ter nenhuma relação…